À mesa com Jesus
TEMPO DE COMUNHÃO
(Mateus 26.20-21a)
Lemos a admirável síntese de Mateus sobre um dos momentos da última Páscoa de Jesus e primeira Ceia dos cristãos.
“Os discípulos fizeram como Jesus os havia instruído e prepararam a Páscoa. Ao anoitecer, Jesus estava reclinado à mesa com os Doze. E, enquanto estavam comendo… ” (Mateus 20.19-21a)
E o texto prossegue.
Como todos sabemos, Jesus não inventou a Páscoa. Na verdade, participou de várias, ao longo de sua vida. Escolheu uma delas, no final de sua vida, para nos ensinar o valor da comunhão. A Ceia em memória de Jesus é uma recordação da comunhão possível entre nós e Deus. Ao mesmo tempo, é um convite à comunhão necessária entre homens e mulheres de fé em todos os tempos, inclusive o nosso.
SAUDADE DA COMUNHÃO
Precisamos nos lembrar, contudo que, nos Evangelhos, além do contexto da Páscoa, Jesus várias vezes aparece à mesa com seus discípulos e mesmo com outras pessoas que não criam n´Ele, o que provocou a admiração de muitos (Mateus 9.11, Marcos 2.16, Lucas 7.34). Seus adversários o consideravam um comilão (Mateus 11.19), não porque comesse demais, mas porque não negava esta realidade da vida, que o levou até a assentar na grama para comer com seus ouvintes (Mateus 15, Marcos 8).
Ao longo de sua convivência com os discípulos, Jesus lhes providenciou alimento (Mateus 12, Lucas 6), os quais vemos também comprando comida para Ele (João 4.8, 31).
Já ressuscitado e glorificado, Jesus comeu com os seus irmãos. A importância da comunhão pelo alimento fica evidente na leitura da narrativa bíblica:
“E por não crerem ainda, tão cheios estavam de alegria e de espanto, ele lhes perguntou:
— Vocês têm aqui algo para comer?
Deram-lhe um pedaço de peixe assado, e ele o comeu na presença deles” (Lucas 24.41-43). E o cardápio foi pão e peixe (cf. também João 21.13).
Ao comer com seus irmãos era como se nos dissesse: quando comemos, somos nós mesmos. Quem está vivo come.
Quando descreve a comunhão plena que deseja ter conosco, Jesus fala em tomar uma refeição conosco (Apocalipse 3.20 — “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo”.)
No céu também vamos comer, tendo como cardápio um alimento ainda desconhecido por nós: o fruto da árvore da vida (Apocalipse 2.7).
Sem dúvida, a narrativa da primeira Ceia dos cristãos deixa nos cristãos com uma certa saudade, especialmente quando, além dos Evangelhos, chegamos ao jornal que descreve a vida dos nossos mais antigos ancestrais:
“Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações. Todos estavam cheios de temor, e muitas maravilhas e sinais eram feitos pelos apóstolos. Os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade. Todos os dias, continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em suas casas e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração, louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos” (Atos 2.42-47)
Podemos ter este tempo de volta?
Não, porque o tempo não volta. É sempre novo.
No entanto, a Igreja de Jerusalém é e deve ser modelo. Para seguir o modelo, não precisamos fazer as mesmas coisas, mas fazer as nossas coisas no mesmo espírito deles.
AS REALIDADES DA COMUNHÃO
Mirando nossas próprias vidas, refletidas na história da primeira Ceia cristã e da prática da primeira comunidade de cristãos, somos lembrados de três realidades sobre a comunhão humana.
1. A primeira realidade humana é que a comunhão é uma necessidade humana.
Esta marca humana é divina. A Trindade são três pessoas em comunhão. Essas três pessoas se relacionavam entre si e com os anjos, seus primeiros seres criados. A Trindade queria mais comunhão e criou os seres humanos. É como se a Trindade dissesse: “não é bom que estejamos só”. A Trindade não cabia em Si mesma e criou seres livres para com eles terem comunhão. Fomos criados pela comunhão. Fomos criados para a comunhão.
É isto que explica a recusa humana à solidão. Mesmo os machucados pela comunhão que fere se esquecem que prometeram que nunca mais teriam papo com alguém e dão jeito de se juntar a um grupo. Se isto já lhe aconteceu, não se acha burro ou teimoso. Esta é a dimensão trinitária da sua natureza.
Em frente ao templo da nossa igreja, passei a ver umas poucas pessoas fazendo algum tipo de ginástica. Logo o grupo foi crescendo e agora, já pela dúzia, os vejo de uniforme. Nada sei sobre eles, nem mesmo sobre sua motivação, mas vejo que se unem e se reúnem, mantendo comunhão entre si.
Dos que vêm a igreja, uns vêm pela música, outras pela pregação, outras pelo ensino, mas a maioria vem pela comunhão, mesmo sem o saber. Não há nenhum problema com isto. Celebremos nossa necessidade de ter comunhão uns com os outros.
2. A segunda realidade humana é que a comunhão é um problema.
Na história de Jesus, vemos que havia um traidor amador (ao SimPedro) e um traidor profissional (Judas Iscariotes). Quantas pessoas traem nossa confiança hoje! Quantas vezes os traidores não são os outros, mas nós mesmos.
Assim mesmo vamos nos comungando, partilhando idéias, sonhos, gostos, compartilhando vidas. E neste processo, uns se aproveitam da comunhão para tirar partido dela a seu favor; quando descobrimos, nos afastamos para sempre ou por um pouco de tempo.
Neste compartilhamento, somos desprezados pelos outros, e às vezes desistimos da comunhão e por vezes insistimos nela, apesar das experiências negativas, mas por causa de nossa natureza e das experiências positivas.
Uns buscam a comunhão com frenesi. Outras a buscam medrosamente.
Nosso desejo por comunhão rivaliza com nosso egoísmo. Nesta guerra, o egoísmo perde e vence.
Gostaríamos que a comunhão fosse perfeita, esquecidos que somos (nós e os outros) imperfeitos. É a nossa imperfeição que faz da comunhão, mesmo necessária, um problema.
3.A terceira realidade humana é que a comunhão é um desejo.
Por causa de nossa necessidade e apesar do nosso problema, desejamos a comunhão.
Estar em comunhão é saber que somos amados. O filho pródigo da parábola voltou porque não tinha comunhão e sabia (ou imaginava ou desejava) que, voltando, podia ter comunhão pelo menos com os empregados da família.
Estar em comunhão nos alimenta tão profundamente, que o alimento tomado durante o tempo da comunhão é também um pretexto. O prazo de efeito físico do alimento é menor que o seu beneficio existencial.
Estar em comunhão é nos encontrarmos a nós mesmos. Vendo o outro nos vemos. Quando nos encontramos, sorrimos, cumprimentamo-nos e nos abraços. Estes três gestos saem de dentro de nós para encontrar o outro e, no encontro, voltam para dentro de nós.
Somos autenticamente humanos na comunhão com outros seres humanos.
NOSSAS TAREFAS PARA O EXERCÍCIO DA COMUNHÃO
Quanto voltamos a narrativa da primeira Comunhão dos cristãos, vemos retratada a realidade humana e, ao mesmo tempo, temos um mapa para a experiência da comunhão.
1. Precisamos deixar Jesus nos instruir sobre a comunhão.
Lemos que Jesus instruiu os discípulos sobre a celebração da comunhão.
Os evangelhos são a história da comunhão de Jesus com o Pai, no céu e na terra. Não existe mais linda história que esta, a do relacionamento entre Jesus e o Pai. Jesus diz do Pai: “O que o Pai faz o Filho também faz” (João 5.19). “quem me vê vê o Pai” (João 14.9). O Pai diz do Filho: “Este é o meu Filho amado, em quem me agrado” (Mateus 3.17)
O Novo Testamento é o testamento da comunhão. Deus nos chama “à comunhão com seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1Corintios 1.9). A nossa salvação em Jesus tem um sinal concreto na comunhão. Um dos autores do Novo Testamento nos desafia, ao nos dizer: “Se andarmos na luz, como ele está na luz, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado” (1 João 1.7).
2. Precisamos criar condições para a comunhão.
Temos desejo por comunhão, mas o que temos feito?
Temos sorrido para o outro? Temos abraçado o outro? Temos conversado com outro? Temos presenteado o outro?
Lemos que os discípulos, seguindo a instrução de Jesus, prepararam os elementos (incluindo a decoração da casa e o alimento para a mesa) para a comunhão.
Eles queriam muito aquele momento de intimidade com Jesus, mas este momento não aconteceria se não encontrassem a casa, decorassem o salão de festas, não comprassem os elementos para o alimento coletivo.
Não ficaram no desejo.
Conheço pessoas que dizem querer comunhão, mas suas caras não atraem; repelem. Conheço pessoas que dizem querer comunhão, mas não sabem o nome de ninguém porque não prestam atenção e nem perguntam. Conheço pessoas que dizem querem comunhão, mas só tem língua, não tem ouvidos. Conheço pessoas que dizem querer comunhão, mas não convidam ninguém para uma conversa. Conheço pessoas que dizem querer comunhão, mas elas só pensam em si mesmas.
Uma igreja não é apenas o seu culto, mas o seu culto tem que ser um tempo, mesmo que limitado, para a comunhão. A comunhão no culto tem quer ser um símbolo da comunhão que se deseja em outros momentos.
Uma igreja não é apenas o seu templo, mas o seu templo tem que ser um espaço para a comunhão. O lugar de culto é importante, mas a cantina também. Se a igreja puder ter uma quadra de esportes, que a tenha. Se puder ter corredores longos e largos, para as pessoas baterem papo até rachar, que os tenha.
Uma igreja tem que ter festa. Um culto é uma festa. No culto devemos nos abraçar. No culto devemos nos alegrar com os aniversariantes e chorar com os que estão tristes. No culto devemos nos importar uns com os outros. Devemos contemplar a majestade de Deus, mas devemos faze-lo juntos, isto é, olhando juntos, um com o outro, ombro a ombro, olho a olho, lado a lado, para o Alto.
3. Precisamos encontrar formas de provocar a comunhão.
A história da primeira Ceia cristã começa com os discípulos olhando para o calendário e perguntando a Jesus onde Ele queria passar a Páscoa. Eles queriam se encontrar e a Páscoa foi o pretexto. Eles tomaram a iniciativa e perguntaram onde seria a festa.
Nosso problema é a nossa agenda. Estamos sempre cheios de compromissos.
O mesmo acontecia com os discípulos primeiros de Jesus. (Imagino que Judas não tirava o olho do relógio para ver a que horas aquilo acabaria porque tinha um compromisso com os caras que iriam buscar Jesus para O matar…)
Jesus também tinha muito o que fazer. Ele precisava ficar sozinho com o Pai para se preparar para a hora que corria contra Ele. No entanto, encontrou tempo para estar com os seus discípulos. É por isto que o encontramos reclinado com os discípulos.
Perdemos tempo para a comunhão quando estamos ocupados demais para ir a uma festa, ocupados demais para adorar coletivamente ao Senhor Deus, ocupados demais para visitar um amigo-irmão enfermo, ocupados demais para ir a um funeral, ocupados demais para ficar à porta do templo depois que o culto acaba, ocupados demais para oferecer uma carona, ocupados demais para dar um telefonema para animar o desanimado, ocupados demais para preparar um prato para uma família-irmã, ocupados demais para escutar a queixa do outro, ocupados demais para orar por um irmão, ocupados demais para dar um abraço, ocupados demais para jogar conversa fora, ocupados demais para elogiar o outro, ocupados demais para prestar um favor, ocupados demais para nos reclinarmos à mesa para fazer uma refeição com Jesus, ocupados demais para amar, ocupados demais para viver.
O que estamos fazendo para que, no que depender de nós, haja comunhão?
Como aprendemos com o apóstolo Paulo, ao se referir a Timóteo, a comunhão precede da fé e precisa ser “eficaz eficaz no pleno conhecimento de todo o bem que temos em Cristo” (Filemom 6). A meta de cada um de nós deve viver de tal modo que se possa dizer a nosso respeito o que Paulo disse deste mesmo Filemom: “Seu amor me tem dado grande alegria e consolação, porque você, irmão, tem reanimado o coração dos santos” (Filemon 6.7).
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Necessitamos da comunhão. Desejamos a comunhão.
Que tal sairmos da teoria para a prática?
Que tal nos reclinarmos à mesa uns com os outros?
ISRAEL BELO DE AZEVEDO
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