Pregado na Igreja Batista Itacuruçá em 11/12/2006
Por que é baixo o grau de participação dos membros da Igreja nas suas atividades, especialmente naquelas fora das celebrações litúrgicas?
Para a maioria das funções que ela desenvolve há escassez de recursos humanos disponíveis, embora sobrem nas listas de membros e nos bancos durante os cultos.
Chego a pensar que bom seria que não houvesse Igreja. Estaríamos todos em casa ou em alguma atividade de lazer, fruindo a vida que Deus nos deu, em lugar de ter o compromisso de frequentar cultos. Afinal, nossa salvação já está garantida, uma vez que somos parte do Reino de Deus, desde quando nos arrependemos e cremos no Evangelho…
Quando esta visão começa a nos seduzir, precisamos ir às ultimas consequências. O apóstolo Paulo nos ajuda nesta reflexão.
A IGREJA COMO PROJETO DE JEUS
Paulo ensina que temos a obrigação de pregar o Evangelho (v. 16). A palavra é muito dura para os termos modernos. A ideia soa ainda mais estranha quando o apóstolo fala que lhe era um encargo (v. 17; cf. 4.1). Este termo (“encargo”; “responsabilidade de despenseiro”) lembra o intendente romano, que era um escravo que não recebia qualquer salário algum por seu trabalho. Se somos escravos, não há pagamento a reclamar. O salário de Paulo era não receber nenhum salário…
Esta obrigação decorre da nossa própria salvação. O “ai de mim” é menos medo do castigo e mais um ardor que vem de dentro. O peso é para quem já experimentou o Evangelho. Fazer conhecida a graça é uma tarefa de todos que já a conheceram. Afinal, o que está em jogo é o destino eterno dos homens (v. 22).
Na obra da salvação, somos cooperadores de Deus (v. 23). A coroa é a salvação dos outros, a mesma que a ação de outros permitiu que alcançássemos. O apóstolo faz uma comparação entre o atleta dos jogos ístmicos (realizados nas cidades costeiras do mar Egeu), disputados três vezes ao ano, e o atleta cristão. Aquele corria por uma medalha, que era uma coroa de pinho, que não durava até a próxima competição. Este corria por uma coroa eterna. Muitos de nós preferimos as medalhas humanas, que são corroídas pelo tempo, em lugar de medalhas divinas, feitas para durar a duração da eternidade.
O PROJETO DE JESUS
Esta é a tarefa da Igreja, sobre a qual devemos fazer um necessário interlúdio.
1. A Igreja é o projeto de Jesus para ligar e desligar pessoas no céu (Mateus 16.19). Liga-se no céu quem ouve o Evangelho e responde ao seu convite. No entanto, como as pessoas vão ouvir o Evangelho se ninguém lhes anunciar? A geração dos pós-igreja dirá que a tarefa da proclamação do Evangelho é pessoal e que cada um de nós a fará sem a Igreja. Em teoria, o raciocínio está correto. Na prática, mesmo ouvindo dominicalmente que precisamos evangelizar, quantos o fazemos? Sem a Igreja, Deus não teria com quem contar para arrebatar pessoas para o seu regaço, porque o Mal triunfaria “de passagem” (como diziam os antigos narradores do esportivos do rádio…) A Igreja é, portanto, o lugar onde somos lembrados de nossa missão pessoal e intransferível.
2. A Igreja é o projeto de Jesus para manter as pessoas ligadas no alvo da vida, que é crescer em direção à perfeição, que é ter a mente de Cristo, que é pensar nas coisas que são de Cima e que é ter a estatura de Jesus Cristo. Neste mister, ela compete com uma série de outras organizações, formais e informais, que buscam nos seduzir com a mensagem contrária: o homem é a medida de si mesmo e deve viver para realizar seus desejos, porque a sua liberdade é o seu maior bem, liberdade que, sabemos, Jesus torna plena. A Igreja, portanto, é o projeto de Jesus para permitir que as pessoas sejam estimuladas a viver da Sua Palavra no caminho da maturidade doutrinária e emocional.
3. A Igreja é o projeto de Jesus para sustentar as pessoas, por meio do interesse de uns pelos outros, interesse manifesto no amor fraternal e na oração intercessória. Eu não saberia viver num mundo em que ninguém orasse por mim e que eu não orasse por ninguém. Este é o mundo sem Igreja. Não consigo imaginar um cristianismo em que eu orasse apenas por mim ou, no máximo, por minha família. Isto não seria cristianismo.
A Igreja é um projeto de Jesus. Ou será que Ele estava errado? Paulo achava que não, primeiro porque sua vida foi transformada por um encontro pessoal com Jesus, educado pela Igreja, a qual dedicou toda a sua vida, com a fúria típica dos visionários. Paulo não era apenas um homem; Paulo era um homem-com-uma-visão. Sua visão era o mundo todo alcançado pelo Evangelho; era o mundo todo dobrando seus joelhos diante de Deus; era o mundo todo confessando que Jesus Cristo é o Senhor. Por esta visão, Paulo combateu ao longo de sua vida. O apóstolo sentia que se não vivesse de modo coerente com sua visão e deixasse de anunciar o Evangelho, ele seria um miserável.
POR QUE NÃO PARTICIPAMOS?
Esta seção de 1Coríntios é sobre o modo como Paulo via o exercício do seu ministério. Inscreve-se numa dimensão autobiográfica, mas é, ao mesmo tempo, a biografia daquela, e da nossa, Igreja.
Ao falar de si, Paulo falava de nós.
Paulo participava do projeto de Jesus, chamado Igreja, de um modo apaixonado. Há entre nós apaixonados e desinteressados.
Aos apaixonados, cabe apenas desafiar: prossigamos, mesmo porque ai de nós se não continuarmos aquilo que começamos.
Aos desinteressados, cabe advertir: ai de quem não anuncia o Evangelho. Ou perguntar: sabe como você veio ser salvo? É porque algum apaixonado o anunciou a você. Quantos, por seu intermédio, têm alcançado a salvação que o alcançou?
Os desinteressados de hoje um dia, mesmo que por pouco tempo, foram apaixonados pela causa de Cristo. Por que hoje mudaram de lado?
Quero apresentar algumas respostas. Talvez uma dela se encaixe na sua biografia.
1. Há alguns que estão cansados das lutas da vida. A vida de muitos cristãos, por circunstâncias diversas, é uma sucessão de problemas. Falta-lhes tempo para lutar por Cristo. Falta-lhes disposição para anunciar o Evangelho.
A estes quero recordar que a vida de Paulo era muito atribulada. Para começar, não tinha família. Por causa de sua fidelidade a Cristo, foi preso, acorrentado, acoitado. Até por naufrágios. Sua vida era tão dura que orou muitas vezes para que Deus lhe tirasse um sofrimento (que não sabemos qual).
2. Há alguns que estão cansados das críticas que recebem precisamente por servirem a Cristo. Só não é criticado quem não faz nada. Quem passa os anos envernizando os bancos da Igreja não é criticado. Quem se dispõe a fazer, seja cantando, regendo, tocando, ensinando, pregando, aconselhando, evangelizando, introduzindo, liderando, este é criticado. Sempre tem alguém que faria melhor, embora nunca tenha feito nada…
A estes recordo que Paulo escreveu esta seção para se defender. Ele era um missionário de tempo integral. Em Corinto, como conhecia aqueles crentes, não quis receber nada. Ele queria evitar a crítica de que estava sendo “pesado” para a Igreja. Até mesmo esta disposição era objeto de crítica…
Em lugar de desistir de fazer, receba a crítica, peça orientação a Deus se há alguma maneira melhor de fazer. Se houver, melhore. Se não houver, continue fazendo o seu trabalho. Ele não é feito para agradar aos homens, mas Àquele que o chamou.
3. Há alguns que estão desinteressados por um entendimento inadequado do que seja a vida e o trabalho cristãos. No versículo 26, Paulo nos lembra que a vida com Cristo exige decisão e empenho. Temos que esmurrar nosso corpo, fazendo-o caminhar contra sua própria vontade ou contra nossa preguiça. Muitos querem fazer o trabalho do Senhor, desde que não dê muito trabalho…
A estes Paulo insiste que vale a pena o esforço, porque a meta é a conquista de uma coroa incorruptível, a salvação das pessoas. Este é o nosso galardão: ver pessoas sendo tiradas das trevas e lançadas no centro do foco da luz do Reino de Deus. Este é o prêmio do cristão: ver pessoas experimentando a graça de Deus, Deus que nos usou para levar Sua graça aos outros. Há recompensa maior?
4. Há alguns que estão desinteressados em anunciar o Evangelho porque descobriram que não podem controlar a obra do Senhor. É desanimador pregar quando não há resposta. É doloroso trabalhar quando não há progresso. O apóstolo Paulo disse que tudo fazia, inclusive contra si mesmo, para “salvar alguns”. Seu desejo era que todos fossem salvos. Ele sabia, no entanto, que isto não dependia dele.
Quando tentamos controlar a obra do Senhor, é menos pelo Senhor, é menos pelos alcançados e mais por nós mesmos. No final do capítulo (versículo 27), Paulo disse que não queria ser desqualificado; isto é: ele não queria fazer a obra de Deus com recursos próprios e para a glória própria. O primeiro grande equívoco de quem serve a Deus é pensar que pode fazer por si mesmo, prevendo até os resultados, a obra que é dEle. O segundo grande erro é querer tirar proveito próprio da obra do Senhor, em termos de poder, dinheiro ou prestígio.
Se você acha que se pode esconder atrás dos seus problemas, sabia que Deus quer você assim mesmo e que precisa de você assim mesmo. Mesmo com suas limitações, você pode participar do projeto de Jesus, que é a Sua Igreja.
Se você acha que não pode conviver com as críticas, saiba que é melhor ser criticado por fazer do que se esconder e ficar privado das bênçãos de servir ao Senhor.
Se você não quer encarar o fato de que o trabalho cristão é, por vezes, pesado, saiba que Jesus já pagou o preço maior e que os nossos estão dentro de nossas possibilidades. Além disso, a causa vale a pena, porque os resultados da participação são visíveis e invisíveis, mas sempre incorruptíveis.
Se você quer ser reconhecido pelo que vier a fazer na Igreja, continue sem fazer nada. Você não fará nenhuma falta. Antes, peça para Deus converter o seu coração; dobre perante Jesus os seus joelhos e venha para a sua seara. Se você tem feito esperando retorno humano, pare com isto. Importe-se apenas com o galardão que Deus dá e que nós não sabemos qual é, exceto a alegria que inunda a terra e os céus quando um filho dEle volta ao lar.
COMO DEVEMOS PARTICIPAR
O apóstolo nos ensina como deve ser feito o trabalho do Senhor, que genericamente chama de anúncio do Evangelho.
1. Nossa participação no Reino de Deus deve ser feita de livre vontade (v. 17).
Paulo sentia um alto grau de satisfação e conforto por pregar o Evangelho. O aplauso não lhe importava. Sua glória era promover o Evangelho. Quando deixava de pregar, deixava de ser ele mesmo.
O exercício desta tarefa encontrará uma graciosa recompensa de Deus (Mathew Henry), desde que feita com prazer, sem relutância.
É um dever que devemos desenvolver com prazer.
Um missionário médico entre enfermos, que viviam em péssimas condições, contava aos irmãos de sua Igreja como era seu ministério. Uma pessoa, então, comentou:
— Você deve amar demais aquela gente.
A resposta foi:
— Não. Isto não é amor. É muito difícil amar alguém que alguém que sofre dores assim tão horríveis.
— Então, o que é?
— É compromisso.
2. Nossa participação no Reino de Deus deve ser desenvolvida com a consciência de que fazemos para Deus (v. 19) e não para os homens.
Sucumbimos diante das críticas, quando nos esquecemos que nossa participação é para Deus, não para aqueles que procuram defeitos naquilo que fazemos.
3. Nossa participação no Reino de Deus deve contar com a nossa inteligência (v. 20).
Esta consciência fez Paulo fazer-se judeu entre os judeus, escravo entre os escravos, livre entre os livres. O maior desafio para os cristãos de hoje é falar aos homens de hoje. Como fazê-lo? O conteúdo é o mesmo. No entanto, como iremos comunicar este conteúdo? Este é um desafio que requer inteligência.
A Igreja, por exemplo, não é o melhor lugar para o exercício da obra da evangelização. As pessoas não gostam de igreja. Nós temos que ir onde elas estão? Fácil, não? Não, porque a maioria também não nos quer receber onde elas estão.
Temos preferido ficar em nossos templos, lamentando o fato que o mundo não nos quer ouvir, em lugar de buscar estratégias de alcance. Fico pensando em como podemos alcançar os vizinhos de nosso templo e respondo: não sei. Acho que não sabemos, mas precisamos buscar as respostas, tentando o melhor, partindo do pressuposto que nós os queremos alcançar para Deus.
4. Nossa participação no Reino de Deus deve ser cheia de flexibilidade (v. 22), visando o fim: a salvação. Há muitas pessoas, que, esquecendo o alvo do seu trabalho, tornam-se inflexíveis, apropriando-se de uma inadequada ideia: se o trabalho não for feito do “seu jeito”, também não o fará de “jeito nenhum”.
Como ensina o apóstolo em sua comparação final (v. 25), o envolvimento na vida da Igreja implica em aprendizagem, que nos leva a mudar o que deve ser mudado. Se a mensagem para o mundo não muda, o mundo da mensagem muda; se queremos mudar o mundo, temos que mudar a forma de o alcançar.
PARA SERMOS CRISTÃOS
Nós não vivemos para a glória da Igreja; antes, vivemos para o louvor da glória de Deus. No entanto, experimente dar louvor a Deus fora da Igreja. Aos poucos, você vai se esquecendo do louvor. E ao fim, vai esquecer até mesmo de Deus.
Nossa prioridade na vida não é a Igreja, mas Deus. No entanto, experimente fazer de Deus a sua prioridade fora da Igreja. O resultado será uma vida centrada em si mesma.
Se você está cansado das lutas da vida, trabalhe para Cristo.
Se você está cansado das críticas recebidas, trabalhe para Cristo.
Quando você estiver perto de achar que participar ou não participar é a mesma coisa, pregar ou não pregar o Evangelho não faz diferença, envolver-se ou não se envolver na Igreja…
Imagine um pai cujo filho não é crente.
Imagine um filho cujo pai não é crente.
Imagine um marido cuja esposa não é crente.
Imagine uma esposa cujo marido não é crente.
Pense naqueles que nunca tiveram oportunidade de entrar numa igreja.
Pense naqueles nunca quiseram entrar numa igreja, embora convidados.
Pense naqueles que um dia já fizeram parte de uma igreja.
Pense naqueles que ainda estão na igreja mas não acreditam que tenha algum significado.
Sentimos prazer em ver a alegria em rostos ontem tristes?
Sentimos prazer em ver pessoas se sentindo incomodadas pela Palavra de Deus?
Sentimos prazer em ver pessoas voltando para Deus?
Sentimos prazer em ver pessoas aceitando a Cristo como Salvador e Senhor?
Então, somos cristãos.
Compre o comentário bíblico da primeira carta aos Coríntios