TEOLOGIA EM TORNO DE UM AVIÃO QUE CAI

TEOLOGIA EM TORNO DE UM AVIÃO QUE CAI

Diante das tragédias, sejam coletivas (como a queda do avião da Air France) ou individuais (como uma doença devastadora), é comum que boa parte de nós faça muitas perguntas, como também é comum que boa parte de nós ouça diferentes respostas.
No esforço de compreensão, devemos evitar a tentação de qualquer tipo de reducionismo (reduzir tudo a um tipo de explicação, seja naturalista ou sobrenaturalista), que não passa de um nome mais pomposo para o simplismo. Um exemplo do reducionismo (ou simplismo) está na frase recente do físico Marcelo Gleiser: “o que define a sociedade moderna? Os ‘brinquedos’ digitais da ciência ou a moral ancestral da religião? (…) Os desafios que enfrentaremos ao longo deste século, do aquecimento global à crise de energia, serão resolvidos nos templos da ciência e não nos belos templos da religião”. (Folha de S. Paulo, 14.6.2009, Mais)
A vida é complexa demais para ser compreendida com frases feitas (da filosofia e da ciência) e mesmo, no caso cristão, com versículos bíblicos fora do seu contexto.
A leitura do Salmo 19 nos ajuda a pensar alguns princípios reguladores da vida. Vejamos alguns:

1. Para reger as nossas vidas, Deus fixou leis, que põem ordem no mundo. Deus governa o mundo por essas leis. São leis que precisamos conhecer pela fé e pela ciência. É também por meio dessas leis que Deus fala (“Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som;  no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo” (Salmo 19.3-4).
Quando quebramos essas leis, pagamos um preço. O fato de não sabermos as causas (como é o caso do vôo de um avião) não quer dizer que e elas não existam. Nem quer dizer que não tenhamos que pagar o preço por as quebrar.

2. Precisamos aprender que a liberdade (de voar) inclui o risco (de cair).
Não podemos desejar a liberdade e recusar o risco. Quem vive (todos nós) deve saber dos riscos. Viver implica riscos. Deus respeita a nossa liberdade, no erro e no acerto. Embora seja soberano, Deus respeita até a escolha errada que fazemos. Como diz o salmista, o que Deus faz é, pelas leis que criou, nos admoestar, para que as guardemos e recebamos suas recompensas (Salmo 19.11).

3. Nossa vida é grandemente beneficiada pelas aplicações científicas, transformadas em produtos tecnológicos, em diversas áreas, como a medicina e o transporte. Não devemos ter medo das tecnologias, nem divinizá-las, por mais conforto e segurança que nos tragam.
A notícia de um acidente aéreo, com vítimas, próximas ou distantes de nós, é um convite para desidolatrarmos a tecnologia; é um convite à humildade. Em todos os momentos da vida, devemos orar como o poeta bíblico: “Também da soberba guarda o teu servo, que ela não me domine; então, serei irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão” (Salmo 19.13).

4. Deus intervém nos nossos assuntos, mas a Seu critério e com cuidado para não nos tornar irresponsáveis. É mais cômodo para nós esperar que Deus dê “um jeitinho” para anular os efeitos dos nossos “errinhos” ou “errões”. Queremos um pai que nos lega leis e que, quando as desobedecemos, corre para impedir as conseqüências das nossas escolhas. 
A Seu critério e com cuidado, Deus intervém, embora nem sempre saibamos que Ele agiu porque não é do seu feitio trombetear Suas realizações.
Nem sempre sabemos que Deus evitou uma tragédia. Só ficamos conhecendo as que não evitou. Por que evitou umas e não evitou outras? A resposta está na sua soberania, que é justa e boa (Salmo 19.9). É possível que num vôo desastrado estivessem pessoas que oraram para o sucesso da viagem, como ocorre em maior número em outros meios de transporte. No entanto, Deus decidiu não suspender as leis que criou, para nos dizer que somos responsáveis por nossas decisões.
Duas perguntas ainda podem ser formuladas diretamente:
1. Quem não viajou pode atribuir a preservação da sua vida à intervenção de Deus?
Devemos respeitar quem, por ter sobrevivido, atribui sua vida à intervenção de Deus, mas devemos pedir a estas pessoas para não alardearem suas vitórias, em consideração aos parentes dos que se foram. Além disso, por que Deus poupou a alguns e não a outros, como se Ele tivesse filhos especiais? Uma afirmação de fé não pode ser transformada num chicote cruel.
2. Temos todos um dia certo para morrer?
Não temos base na Bíblia para tal asserção. Nela somos convidados a conciliar a soberania de Deus com a liberdade do homem. Para nós, a tarefa é quase impossível, mas todos sabemos que o Deus soberano estabelece leis necessariamente imutáveis, para que haja harmonia no universo e na vida; nós obedecemos ou desobedecemos. O Deus soberano suspende suas leis, excepcional e cuidadosamente; nós não ficamos sabendo quando ou porque. A morte é o resultado da quebra destas leis, por nós mesmos ou por outras pessoas (como um motorista bêbado jogando seu carro contra pessoas). Cabe-nos cuidar de nossas vidas e das dos outros.
Cabe-nos estar prontos para nos encontramos com o Senhor da história quando a nossa for encerrada.
Cabe-nos viver de modo que “as palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam agradáveis na tua presença, Senhor, rocha minha e redentor meu!” (Salmo 19.14) 

ISRAEL BELO DE AZEVEDO

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