DIANTE DA CRISE POLÍTICA: princípios bíblicos para uma decisão

DIANTE DA CRISE POLÍTICA: ALGUNS PRINCÍPIOS BÍBLICOS PARA A DECISÃO
 
Israel Belo de Azevedo 
 
Uma pergunta à espera de uma resposta;
"Eu estava lendo alguns textos sobre governo. Os textos lidos falam sobre 'se sujeitar a todo tipo de governo'! Então a dúvida, se minha postura está ou não de acordo com a Bíblia. Gostaria de conhecer, na medida do possível, a leitura que o senhor faz desses textos. São eles: 1 Pedro 2.13-17, Romanos 13.1-4 e Tito 3.1". (A.P.)
 
Vamos aos textos, numa tradução clássica (a Almeida Revista e Atualizada no Brasil):
 
1Pedro 2.13-17
"Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades, como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem. Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos; como livres que sois, não usando, todavia, a liberdade por pretexto da malícia, mas vivendo como servos de Deus. Tratai todos com honra, amai os irmãos, temei a Deus, honrai o rei".
 
Romanos 13.1-4
"Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação. Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal.
 
Tito 3.1
"Lembra-lhes que se sujeitem aos que governam, às autoridades; sejam obedientes, estejam prontos para toda boa obra".
 
A estes acrescentemos:
 
1 Timóteo 2.1-2
"Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens, em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito".
 
 
Sobretudo, num contexto de crise nacional, com disputa acirrada pelo comando do poder, esses textos podem ser interpelados como proibindo qualquer movimento contra as autoridades constituídas. Uma interpretação assim permitiu as atrocidades de Hitler na Alemanha, de Franco na Espanha e de Salazar em Portugal. Poucos cristãos se rebelaram, alguns pagando com a própria vida.
Jesus recomenda que devemos respeitar as autoridades, tanto que não as contestou, nem mesmo para salvar sua própria vida (como quando foi interrogado por Pilatos). Para ele, o que era de César (o imperador, no caso) era de César e devia continuar com César (governar para o bem comum). Assim mesmo, ele chama uma autoridade do seu tempo (Herodes) de "raposa" (Lucas 13.32), que, convenhamos, não era um elogio.
 
Estes textos, transcritos aqui, nos autorizam desenvolver os seguintes princípios:
Devemos entender que precisamos de governos, destinados a tornar melhor a vida em sociedade. Deus estabelece governos, mas não estabelece governantes. A existência de governos é uma disposição natural e espiritual; a escolha dos governantes é uma tarefa social, por meio de um exercício livro numa sociedade democrática. Os governantes são postos pelos cidadãos, mas sua autoridade advém de Deus, para que haja ordem e respeito.
 
2. Devemos aceitar que precisamos orar pelos governos e também pelos governantes, não importa quem sejam. Nos anos em que Paulo pregou (nas décadas de 40 a 60), os imperadores foram Claudio e Nero, para quem apelou quando foi condenado em Jerusalém. Seja quem for o governante, devemos orar por ele.
 
3. Quando um governante extrapola seu papel (com César tomando o que é de Deus), é dever dos cristãos lutar contra ele. Sua luta não é contra o governo (a autoridade) mas contra o governante (o representante da autoridade).
O que é "de Deus" não é apenas a liberdade de pensamento e de culto, mas também a promoção da paz e da justiça. Devemos resistir ao governante que cerceia a liberdade de pensamento e de culto, seja o nosso pensamento ou nosso culto, seja o pensamento ou o culto de quem pensa diferentemente de nós. Devemos resistir ao governante que dirige o estado para preservar os interesses das elites, contra os pobres, logo contra a paz e a justiça. Devemos ter em mente o termo que o autor de Apocalipse dá ao imperador: "besta" (Romanos 13). Quando o governante se torna uma "besta", é dever do cristão resistir. Os leitores do livro de Apocalipse deviam ser fiéis a Deus, mesmo que sua fé fosse calada pela morte. Era dever dos cristãos da Alemanha resistir ao nazismo, mas só poucos o fizeram alguns deles pagando com a própria vida. É dever do cristão recusar as "políticas dos governantes", aos quais chama de "políticas de estado", que atentam contra a moral nos termos propostos claramente pela Bíblia. Embora obediente à lei, quando ela for absurda, moralmente absurda, o cristão precisa resistir; talvez, tão complexa é a sociedade e tão poderoso é o Estado, não consiga ir além de um protesto, seja, por exemplo, contra a admissão do aborto indiscriminado ou contra a legação do casamento de pessoas do mesmo sexo; se lhe cabe apenas o protesto, deve protestar.
 
4. No caos de uma democracia, o poder é trinitariamente exercido: executivo, legislativo e judiciário. Quando estes poderes entram em conflito, cada um deles propondo um caminho, interpretando a lei (no caso, a Constituição), temos que decidir de que lado ficaremos. Cada um destes poderes é legalmente "autoridade constituída"; merece nossa honra. Assim, o presidente da República pode, dentro da lei e com apoio popular, ser destituído. À luz dos textos bíblicos, não temos que honrar um corrupto, mesmo dentro da lei, nem um fora da lei, mesmo que represente o seu poder. É ao poder que devemos honrar. Quanto aos seus ocupantes, devemos pedir a Deus para que bata à porta de seus corações para que se arrependam e façam política de outra forma e com objetivo realmente elevados. As disposições bíblicas não devem ser usadas para respaldar esta ou aquela decisão, contra ou a favor determinante governante.
 
5. Em nossos juízos de valor político, devemos seguir a consciência, não a propaganda. A verdadeira democracia respeita as diferenças e as escolhas. Fora disto, temos uma ditadura, seja ela governamental, seja ditada pela chamada "opinião pública", que é produzida a partir de interesses, legítimos e ilegítimos, que a sociedade sequer consegue perceber.
 
Israel Belo de Azevedo