1Coríntios 6.9-11: LAVADOS, SANTIFICADOS E JUSTIFICADOS

Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 1.10.2000 (manhã)

1. INTRODUÇÃO

Como definir um cristão?
Eis o que somos, segundo o apóstolo Paulo: Lavados, santificados e justificados (1Co 6.11) pelo poder conjunto da Trindade divina.
Antes desta operação em nós, éramos outras pessoas, seguindo, talvez, o triste ensino de um contemporâneo de Paulo, Sêneca (1-65), para quem os homens amam seus vícios.

2. UM NÃO-CRISTÃO É QUEM NÃO SE DEIXOU ALCANÇAR POR DEUS

Paulo descreve os não-cristãos como escravos dos vícios.
O apóstolo faz um contraponto entre um não-cristão e um ex-não-cristão. Um cristão é aquele que deixou de ser um não-cristão, que Paulo descreve em termos que os próprios não-cristãos geralmente não aceitam para si mesmos. Eles não se convertem precisamente por isto: acham que estão certos. Quem está certo não muda, embora viva fora da justiça do Reino.
Paulo, talvez olhando para como viviam seus leitores antes de se permitirem alcançar por Deus, faz uma lista daqueles que não herdarão o Reino de Deus. Não se trata de uma relação exaustiva, mas indicativa dos padrões do Rei.
A relação é a mesma de 1Coríntios 5.10-11, acrescida de quatro pecados-tipo: adúlteros, efeminados, sodomitas e ladrões. Ao todo, Paulo refere dez tipos de pecado, todos sob a marca genérica de injustos, isto é, de não justificados por Deus.
A lista inclui as cinco dimensões do pecado.

1. Ficarão fora do Reino de Deus os que vivem pecando contra a Igreja enquanto corpo de Cristo, ilustrados pelos devassos ou impuros e pelos maldizentes. Devasso (pornoi) é aquele que não tem compromisso com Cristo; é aquele que acha que tudo lhe é licito (possível) fazer. Maldizente é aquele que se coloca como padrão para os outros; por julgar os outros com sua própria regra, ele busca defeitos nos outros para os condenar com uma dureza que não quer para si. Sua língua maldiz, amaldiçoa. Há lugar no Reino de Deus para devassos e maldizentes que se tenham arrependido.

2. Ficarão fora do Reino de Deus os que preferirem atentar contra Deus, tipificados pelos idólatras, que são aqueles que tornam a religião fácil demais, como no caso do bezerro de ouro. Não há lugar no Reino para pessoas que preferem adorar os símbolos acerca de Deus em lugar do Deus dos símbolos, mas há para aqueles que amam verdadeiramente a Deus.

3. Ficarão fora do Reino de Deus os que pecarem contra o corpo, reunidos em torno da dependência do álcool, ao qual poderíamos acrescentar o uso de qualquer tipo de droga, como o cigarro e o tóxico. Bêbado é aquele que só está bem quando adiciona algum produto químico à sua corrente sangüínea. Não há lugar no Reino para aqueles que não podem se apresentar sóbrios, como Deus os fez, diante do Pai.

4. Ficarão fora do Reino de Deus os que escolherem pecar contra o próprio corpo e os corpos dos outros, vivendo como adúlteros ou homossexuais. Adúltero é todo o que quer que a satisfação de seus desejos jamais acabe; por isto, se presta a qualquer tipo de papel em busca da continuidade desta satisfação. Adúltero é aquele que, no plano do desejo e da prática, busca sexualmente quem não é seu cônjuge; como deseja, fará tudo, como Davi em relação a Bate-Seba, para consumar o desejo. Adúltero é todo aquele que se tornou um viciado em sexo, seja virtual ou realmente, não importa sua idade ou estado civil. Adúltero é quem não controla seus desejos e vive guiado por eles.
Se adúltero é um termo genérico para os pecados sexuais, efeminados (homossexuais passivos) e sodomitas (homossexuais ativos) são termos específicos. O problema não é recente, embora cada vez mais estejam eles a reivindicar a legitimidade da experiência e da convivência homossexual, ao ponto de a Holanda tornar legais casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Dos 15 primeiros imperadores romanos, apenas um não era homossexual. Paulo, portanto, estava falando de um problema real, oferecendo, assim, um ensinamento ainda atual.
Diante deste quadro e do ensino bíblico, dois conselhos precisamos derivar:
. A primeira é que devemos ter o maior respeito pelos homossexuais. Devemos dar boas-vindas a eles em nossas igrejas. Não devemos discriminá-los. Este respeito deve ser mútuo, no sentido que precisam respeitar a comunidade onde estão e que buscam outros valores.
. A segunda, nesta mesma linha de raciocínio, é que, supondo haver nele alguma compulsão além de seu controle, o único caminho para o homossexual, que quer fazer parte do Reino de Deus, é a abstinência. O convite a todos é para a plenitude de vida, desfrutando sua sexualidade segundos os padrões de Deus. Este convite deve ser feito, seja qual for a sua experiência de vida. Ninguém pode ser escravo do seu passado, seja o abuso sexual de que foi vítima, seja a educação equivocada que recebeu. Se você é pai ou mãe, veja como está educando seu filho, nunca lhe impondo limites ou apenas lhe impondo limites. Reavalie sua presença, como pai ou como mãe. Se você é pai ou mãe e verifica tendências homofóbicas em seu filho, converse com ele, procure ajuda. Se o caminho que seu filho escolher estiver fora da vontade de Deus, ame-o assim mesmo.  Há lugar no Reino de Deus para adúlteros e homossexuais que tenham se comprometido a mudar de vida.

5. Ficarão fora do Reino de Deus os que insistirem em pecar contra os bens, vivendo como avarentos, ladrões ou roubadores. Avarento, neste texto, é todo aquele que guarda para si aquilo que não lhe pertence. Ladrão (gatuno) é aquele que se apossa às escondidas dos bens dos outros, furtando-lhes. Roubador (assaltante) é aquele que usa a força, a lei ou a arma para retirar o que pertence aos outros. Zaqueu era um assaltante. Quando foi transformado por Cristo, deixou de ser um assaltante. Mais que isto: dispôs-se a reparar (devolver) os danos provocados. Para ele houve lugar no Reino de Deus.

3. UM CRISTÃO É QUEM FOI TRANSFORMADO PELA AÇÃO CONJUNTA DA TRINDADE

Apesar de sermos o que somos, não estamos condenados a ser o que somos, pois Deus nos transforma em outros seres. Não é magia, mas uma operação da Trindade, que nos sela para um novo tipo de vida.
Para descrever esta profunda mudança, Paulo usa uma construção linguística incomum, começando três frases com um inusitado “mas” que as conecta magistralmente. Por isto, podemos reescrever seu texto, assim:

E tais fostes alguns de vós; mas fostes lavados em nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus; tais fostes alguns de vós, mas fostes santificados em nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus; tais fostes alguns de vós, mas fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus.

A transformação é o resultado da ação da Trindade divina sobre nós. Com o Sangue, o Filho nos lava de todos os pecados. Depois de lavados, somos declarados pelo Espírito Santo como separados (isto é: santificados) para Deus. Lavados e santificados, o Pai põe-nos Seu selo.

3.1. Um cristão é quem foi lavado por Jesus Cristo
A primeira ação por nós é, portanto, de Jesus Cristo, que nos lava com o Seu sangue, sangue de Cordeiro de Deus imolado (morto) por nós.
O Sangue está onde sempre esteve, vertendo da cruz. Para nos lavar, precisamos ir até a cruz, para que o sangue venha sobre nós e nos lave. Neste sentido, é como se nós mesmos nos lavássemos, uma vez que aceitamos o convite de Jesus Cristo.
A razão identifica dois equívocos na redenção: o primeiro é que é injusto um morrer por todos, incluindo-nos. A razão não entende nada de amor, muito mais do amor de Deus. A justiça de Deus é injusta, precisamente para nos alcançar a todos.
O segundo equívoco é que Deus respeita a nossa liberdade. O sangue que nos lava está vertendo da Fonte, mas nós precisamos nos deixar lavar pelo sangue.
Um cristão é alguém que se deixou lavar pelo sangue do Filho. É alguém que quis ser lavado pelo sangue do Cordeiro. É alguém que assumiu o compromisso de se deixar transformar por Cristo.
Muitos recusam o sangue de Cristo. Talvez você o ache irracional. E é mesmo: Paulo disse que a cruz é uma loucura de Deus.
Talvez você imagine que este sangue verterá da cruz para todo o sempre e que ele pode esperar por você. Não é bem assim: a oferta da cruz é limitada ao período de vida de cada um de nós. Além disso, Aquele que morreu nela oferece-lhe a vida desde agora e já, não para um futuro incerto.
Talvez você pense que o amor de Deus é tão grande que ninguém precisa ser transformado. Sim: o amor é imenso, mas este amor só fará sentido quando transformar você. Você já experimentou contemplar uma fonte de água numa estrada? Contemplar a fonte lhe tirou a sede?
Não recuse o sangue de Cristo. Aceite-o e venha se preparar para o batismo, este símbolo maior de que você foi lavado pelo sangue do Cordeiro.

3.2. Um cristão é quem foi santificado pelo Espírito Santo
Há uma progressão na obra da Trindade. Depois de lavados, somos santificados pelo Espírito Santo, que declara que agora somos de Deus.
É o Espírito Santo agindo em nós que impede que voltemos a ser devassos, idólatras, adúlteros, efeminados, sodomitas, ladrões, avarentos, bêbados, maldizentes ou  roubadores. Não voltar a este tipo de vida é também uma promessa, para a qual fomos selados. (No qual também vós, tendo ouvido a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, e tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa — Efésios 1.13)
Esta santificação implica também em um compromisso, o de não trocar o convívio com o Espírito Santo por outros convívios. É absolutamente incrível como algumas pessoas, um dia seladas e santificadas, passam a ter prazer numa vida que entristece o Espírito Santo, alguns por descuido mas outros muito conscientemente. (E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção. — Efésios 4.30)
Você quer saber se alguém é salvo? Procure ver se ele busca a santificação. Quem não se santifica não é salvo.

3.3. Um cristão é quem foi justificado pelo Pai
Depois de lavados pelo Filho e santificados pelo Espírito, somos justificados pelo Pai. Ser justificado é ser aceito como Filho pelo Pai. Éramos o que éramos, mas agora, por que lavados e santificados, não somos mais o que éramos: somos filhos de Deus.
Acontece conosco o que aconteceu com Jesus Cristo, por ocasião do seu batismo. Quando todo o povo fora batizado, tendo sido Jesus também batizado, e estando ele a orar, o céu se abriu; e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea, como uma pomba; e ouviu-se do céu esta voz: “Tu és o meu Filho amado; em ti me comprazo”. (Lucas 3-21-22)
É assim que o Pai nos apresenta aos homens como filhos amados dEle. Esta é a nossa nova identidade.
Assim justificados, podemos produzir atos de justiça. Não são os atos de justiça que nos justificam, mas Deus. A nossa justificação  por Ele é que nos leva a produzir aqueles atos.

4. CONCLUSÃO

Lavados, santificados e justificados, não quer dizer que não pecamos mais. Quando o apóstolo diz que éramos o que éramos, ele não garante que não cometemos mais aqueles pecados, mas que não nos orgulhamos mais deles; antes, nós nos propusemos a não os praticar mais.
É isso que é ser um cristão. Seja um cristão e se torne participante do Reino de Deus, porque ser cristão é penetrar no futuro do Reino de Deus para desfrutá-lo agora.
Se você é um cristão e ainda não se batizou, tome a decisão de se tornar um discípulo de Jesus Cristo, que inclui batizar-se como Ele o foi.
Se você é um cristão, mas tem prazer no pecado, saiba que uma das provas do poder do Cristianismo é que Deus nos liberta do domínio do pecado. Você pode ser livre.
Se você ainda não é um cristão, deixe-se lavar pelo sangue do Cordeiro, deixe-se o Espírito Santo habitar em sua vida, deixe-se ser amado por Deus. Então, venha se batizar e venha participar da Ceia do Senhor, preparada para quem é lavado, santificado e justificado. Você pode ser um deles.