Pregado na Igreja Batista Itacuruçá em 11/12/2006.
1. INTRODUÇÃO
O poema paulino acerca do amor, registrado em 1Coríntios 13, é um interlúdio ao tema teológico dos dons espirituais. Com ele, Paulo, na mesma orientação de Tiago (1.19-27), mostra o sentido da verdadeira religião, que não se esgota em práticas litúrgicas inesquecíveis, nem em espetáculos grandiosos, nem em estratégias de conquista do mundo.
Ao fazê-lo, Paulo escreveu o mais lindo capítulo do Novo Testamento, podendo ser colocado ao lado do Salmo 23, no Antigo Testamento, como um patrimônio insuperado da literatura universal.
O sentido da religião é o amor, esta palavra indefinível e de cujo sentido só a poesia pode nos aproximar. A falta de palavras que o exprima levou o escritor apostólico João a declarar que Deus é amor (1João 4.8), na mais curta e mais precisa informação acerca da Trindade divina.
No entanto, o amor não é Deus. O amor é um sentimento que Deus inspira. Não se pode idolatrar o amor, nem aqueles a quem amamos. As pessoas são para serem amadas, não veneradas, pois a adoração é uma atitude exclusiva para Deus.
O amor descrito pelo apóstolo é o amor que as pessoas devem ter umas pelas outras, mas é também o sentimento modelado no amor de Deus para conosco.
Desta descrição podemos derivar um estilo de vida, capaz de nos permitir a viver o Cristianismo com plenitude e a vivenciar os relacionamentos com maturidade.
2. PRESSUPOSTOS DO AMOR
O amor é o mais divino dos sentimentos humanos, um sentimento “sobremodo excelente” (no dizer do apóstolo). Na hierarquia da vida santa, ele é mais importante que a fé, pela qual somos salvos, e que a esperança, pela qual nos mantemos vivos; ele é o sentimento mais importante, porque é o que dá qualidade à fé e à esperança. Fé sem amor é algo morto, como ensinou Tiago. Esperança sem amor não tem a disposição essencial, de enxergar concretamente o que se apresenta além do plano visível da realidade.
O apóstolo se refere ao amor como sendo um caminho. A aplicação da ideia do caminho ao amor é muito feliz. O amor é um caminho, e isto indica uma de suas características: aprende-se a amar. Nenhum de nós sabe amar. No versículo 11, o apóstolo nos lembra que, quando crianças, só sabíamos ser amados; quando adultos, devemos saber amar. O natural é ser amado; amar é um dos sinais da espiritualidade cristã. Não por acaso o apóstolo Paulo relaciona o amor como um fruto do espírito (Gálatas 5.22-23).
Muitas vezes, ficamos felizes em ter avançado um pouco e conseguirmos retribuir o amor que recebemos. Esta, no entanto, ainda não é uma condição de maturidade. Portanto, não ache estranho que você tenha dificuldade de amar a partir de sua própria iniciativa.
Para amar de fato, você precisa de duas atitudes.
. A primeira é reconhecer que é amado por Deus. Deus já o ama, mas seu amor universal (expresso na criação e na encarnação) pode se tornar pessoal, quando você se sente particularmente querido por Ele. A vida cristã, que produz amor, começa com a experiência da cruz e da ressurreição de Cristo, que nos coloca inteiramente no Reino do Pai.
. A segunda atitude é amar a Deus. Se você amar a Deus, você vai amar ao outro. Se você não ama seu próximo, você pode cantar louvores a Deus, mas você não ama a Deus; antes, torna-o e torna-se mentiroso. Como diz João, amamos os filhos de Deus quando amamos a Deus e praticamos seus mandamentos (1João 5.2), já que se alguém disser “Amo a Deus” e odiar seu irmão, é mentiroso, pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê (1João 4.20). Quando você ama a Deus, você é capacitado a amar as pessoas (Ray Stedman). Quando você ama a Deus, Ele lhe ensina a amar.
Por isto, qualquer tentativa de amar sem a presença do Espírito de Deus resulta em eros e filia, nunca em ágape. Eros é o amor-posse, que quer o amado para si, nem que tenha que destruí-lo para não perdê-lo. Filia é o amor-amizade, cujo resultado é a fraternidad. Quem tem o Espírito Santo reproduz o caráter de Cristo, descrito por Paulo como tendo renunciado sua própria divindade como expressão do seu amor-ágape para com a humanidade (Fp 3.1-11).
3. O VALOR DO AMOR
Uma de nossas dificuldades em relação ao amor é confundi-lo com a perfeição. O apóstolo nos adverte acerca deste perigo. Nenhum de nós consegue ser perfeito, mas todos conseguimos amar. Como diz Paulo, o amor convive com a nossa imperfeição (v. 10).
O amor, portanto, não tem a ver com perfeição, mas com motivação. No início do poema, aprendemos que amar as pessoas é mais importante do que falar todos os idiomas da terra e dos céus. Comunicação sem amor não tem valor.
Podemos alcançar o máximo em termos de espiritualidade, mas se nossa espiritualidade não for motivada pelo amor, não nos aproximará de Deus. A religião deixará de ser rotina quando for permeada pelo amor. A religião deixará de ser espetáculo quando for motivada pelo amor.
Amar as pessoas é mais importante do que conhecer a Bíblia e ter capacidade de expô-la. Conhecimento sem amor não tem valor.
Nós podemos impressionar as pessoas com nossos gestos e nossas bandeiras a seu favor, mas nossas ações só farão sentido efetivo para elas se as amarmos (sem qualquer interesse além do amor-pelo-amor). Mesmo a ação social mais competente e mais sacrificial, visando a transformação das pessoas e das comunidades, não terá valor, se não tiver o amor como razão essencial.
Se a motivação de nossos compromissos for o amor, nossas ações serão de grande valor.
4. AS MARCAS DO AMOR
Nos versículos 4 a 7, o poeta-apóstolo um retrato vivo do amor, que não é uma disposição vaga, mas uma atitude concreta.
Das marcas do amor, vou destacar apenas duas, cuja ignorância tem matado o amor entre pais e filhos, entre irmãos, entre cônjuges e entre amigos.
. O amor é generoso (v. 4). O verdadeiro amor não é obsessivo, não ardendo de ciúmes.
Há pais que requerem obsessivamente o amor dos seus filhos, impedindo que amem em outras pessoas, que namorem e que se casem. Para alguns pais, nunca os candidatos a namorados prestam. A obsessão se torna insegurança e estorva a felicidade. Os pais que amam verdadeiramente têm prazer em ver seus filhos crescendo, mesmo que longe de suas “asas”. Há filhos que querem os pais só para si, não se impondo qualquer sacrifícios para que tenham momentos de lazer. Há filhos que “sugam” os pais não só financeiramente como também afetivamente. Há cônjuges que não permitem ao outro o menor espaço para a individualidade, como se não pudessem ter gostos e interesses particulares e exclusivos. Há amigos que cortam os relacionamentos quando seu amigo sai com outro ou dá atenção ao outros, como se seu amigo lhe pertencesse.
O amor generoso não quer o outro só para si, mas é capaz de reparti-lo com os outros.
. O amor é unilateral (v. 5). O verdadeiro amor não espera a iniciativa por parte do outro para então se por a caminho..
A mágoa mútua tem assassinado o amor, especialmente entre os casais. Por razões diversas, um acaba fazendo o mal ao outro. E o que diz o apóstolo? Que o verdadeiro amor não se ressente do mal de que é vítima (v. 5).
Em outras palavras, se você quer estancar a produção do rancor, tome a iniciativa de parar. Seja unilateral. Ser unilateral significa fazer algo sem esperar algo em troca. Quando isto acontece, e não há correspondência, você desiste. Então, seja unilateral. Ame, sem esperar reciprocidade. Esta pode ser a sua única chance.
5. A PERENIDADE DO AMOR
Nos versículos 8 a 13, o autor torna o amor o único sentimento que ultrapassa a dimensão do tempo.
O dom maior, a profecia, vai desaparecer (v. 8). O dom mais espetacular, a glossolalia, vai desaparecer (v. 8). O dom mais racional, a ciência, vai desaparecer (v. 8). A fé, que salva, vai desaparecer (v. 13). A esperança, que nos faz olhar para a frente e para o Alto, vai desaparecer (v. 13). O amor não vai acabar, sob hipótese alguma. Mesmo quando Cristo se manifestar e a perfeição se estabelecer (v. 10), o amor estará presente.
6. CONCLUSÃO
O amor é a condição essencial para que os dons espirituais sejam exercidos. Os dons, que devemos buscar cessam, mas o amor permanece.
Se você quer amar, ame a Deus. Ele capacitará você a amar.