A EXPERIÊNCIA REVELADORA

Lutero contou sua experiência com a descoberta da “sola fide” (ou justificação pela fé):

 

“Eu me pusera novamente a elaborar uma interpretação dos Salmos. Sentia-me melhor preparado depois de ter tratado em preleções as epístolas de Paulo aos Romanos, aos Gálatas e aos Hebreus.

Eu fora tomado por uma extraordinária paixão em conhecer a Paulo na epístola aos Romanos. Mas fazia-me tropeçar não a frieza de coração, mas uma única palavra no primeiro capítulo:  “a justiça de Deus é nele revelada’’ [Romanos1.17]. Isso porque eu odiava a expressão “justiça de Deus”. (…)

Eu não amava o Deus justo, que pune pecadores; ao contrário, eu o odiava. Mesmo quando, como monge, eu vivia de forma irrepreensível, perante Deus eu me sentia pecador, e minha consciência me torturava muito. Não ousava ter esperança de que pudesse conciliar a Deus através de minha satisfação.(…)

Assim eu andava furioso e de consciência confusa. Não obstante, teimava impertinentemente em bater à porta desta passagem; desejava com ardor saber o que Paulo queria [dizer com ela].

Aí Deus teve pena de mim. Dia e noite eu andava meditativo, até que, por fim, observei a relação entre as palavras: “A justiça de Deus é nele revelada, como está escrito: o justo vive por fé”. Aí passei a compreender a justiça de Deus como sendo uma justiça pela qual o justo vive através da dádiva de Deus, ou seja, da fé. Comecei a entender que o sentido é o seguinte: através do evangelho é revelada a justiça de Deus, isto é, a [justiça] passiva através da qual o Deus misericordioso nos justifica pela fé, como está escrito: “O justo vive por fé”. Então me senti como renascido, e entrei pelos portões abertos do próprio paraíso. Aí toda a Escritura me mostrou uma face completamente diferente”. [1]



[1] LUTERO, Martim. “Prefácio ao primeiro volume da edição completa dos escritos latinos”. Em: Pelo evangelho de Cristo: obras selecionadas de momentos decisivos da Reforma.Porto Alegre/São Leopoldo: Concórdia/Sinodal, 1984, p. 30-31.