UNÇÃO – O QUE A BÍBLIA DIZ (Sylvio Macri)

Frequentemente ouvimos e lemos que o pregador ou cantor falou ou cantou com muita unção, como se unção fosse uma coisa de momento, algo que podemos ter numa determinada ocasião e em outra não. Podemos encontrar na Bíblia essa “unção” momentânea, eventual, ocasional de que tanto falam hoje em dia?

Na Bíblia, “unção“ refere-se à ação de ungir fisicamente uma pessoa ou um objeto, mas também tem um sentido metafórico.

A unção física era praticada por meio de azeite ou unguento, com finalidade prática ou ritual. Com finalidade prática, a unção era usada para embelezar e perfumar o corpo (inclusive de pessoas mortas), tratar feridas, curar doenças, purificar, fortificar e higienizar, e mesmo para tratamentos de beleza (Dt.28.40; Rt.3.3; Et.2.12; Ec.9.8; Ct.1.12-14; Is.1.6; Am.6.6; Mt.6.13,17; Mc.16.1; Lc.10.34; Jo.12.3;Tg.5.14; Ap.3.18).

Com finalidade ritual a unção era praticada para honrar os hóspedes, para instituir reis e príncipes (transmitindo-lhes autoridade e honra), consagrar sacerdotes e nomear profetas. Também era usada para consagrar objetos como o Tabernáculo e seus utensílios. A Bíblia se refere também à unção de árvores sagradas, de ídolos e até de armas (Gn.31.13; Ex.29.7; 30.22-33; 40.15; 1Sm.9.16; 16.13; 1Rs.19.16-21; Sl.23.5; 45.7; 105.15; Is.21.5; Lc.7.38).

A unção no sentido metafórico refere-se à escolha de uma pessoa (ou pessoas) e seu revestimento de qualidades necessárias ao desempenho da missão para a qual se deu a escolha. Assim temos Isaías 61.1ss, que se refere ao Messias, passagem que Jesus aplicou a si mesmo (Mt.3.16,17; Lc.4.18; At.4.27 e 10.38; Hb1.9). Aliás, a palavra “Messias” é a transliteração de um termo hebraico que significa “ungido”.

Em 1João 2.20 e 27 temos a passagem do Novo Testamento em que unção se refere a todos os crentes. João estava respondendo àqueles que pretendiam ser pessoas especiais, por terem algum conhecimento privilegiado. Estes herejes tomaram emprestada das religiões de mistério a prática da unção como uma iniciação de alguém para uma condição superior. Segundo Hipólito, esses falsos mestres diziam: “Somente nós somos cristãos, os que completamos o mistério do terceiro portal e fomos ali ungidos com inefável unção.” (William Barclay, As cartas de João e Judas, Ed. La Aurora, Buenos Aires, 1974, p.81)     

Segundo João, a unção é para todos os crentes, ocorre quando da sua conversão e é a confirmação, dada pelo Espírito Santo no seu íntimo, de sua salvação e de sua filiação com o Pai (Rm.8.16). Entretanto, não é algo apenas subjetivo, pois, como ensinou Jesus, o Espírito Santo nos conduziria a toda verdade e nos faria de lembrar tudo o que ele ensinou (Jo.14.26; 16.13). É a isso que João se refere quando diz que todos temos conhecimento (1Jo.2.20). Nesse sentido metafórico, então, unção é o ato pelo qual o crente recebe do Espírito Santo a capacidade de crer objetivamente em Cristo e passa a ser habitado por ele (Jo.16.8-11; Rm.8.9; Ef.1.13,14).

Portanto, não há nenhuma base bíblica para o sentido, tão popular hoje em dia, de um sentimento ou sensação especial em determinadas pessoas, grupos, locais, ocasiões ou situações, que denote um poder especial de comunicar a mensagem. Trata-se de um jargão para expressar que alguém ensinou, pregou ou cantou com grande espiritualidade, o que pode ser verdade, mas nada tem a ver com o ensino bíblico sobre a unção. Não custa nada advertir que essa maneira de expressar se aproxima muito da heresia dos “cristãos” proto-gnósticos combatida por João em sua primeira carta.

Pr. Sylvio Macri