COM RESPEITO ÀS PRÓXIMAS ELEIÇÕES (Sylvio Macri)

Com respeito às próximas eleições, gostaria de repetir aqui algumas coisas que escrevi em textos anteriores, e que ainda são bem atuais. 

Não existe nação cristã. No Velho Testamento, tanto Israel como os povos que com ele interagiam eram nações hierocráticas, em que o poder político era uma derivação natural da revelação divina e à luz dela devia ser exercido e julgado. Não havia separação entre religião e Estado. Mas é grande o abismo sócio-político entre o nosso tempo e os tempos do Antigo Testamento, e isso contamina nossa hermenêutica. Assim, continuamos a repetir “Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”.

Entretanto, a Teologia cristã ensina que nenhum cidadão torna-se cristão por nascer de pais “cristãos” numa nação “cristã”, mas por aceitar livremente a Cristo e unir-se voluntariamente a uma igreja local. Não há nação cristã, mas igrejas cristãs ou povo cristão. O Estado é uma coisa, a Igreja é outra, e o cidadão tem liberdade de crer ou não (“Dai a César o que é de César e a Deus o que é Deus” – Mt.22.21).

Há quatro séculos os batistas defendem a liberdade de, para a e da religião, Isto é, a liberdade de qualquer pessoa professar uma religião, a liberdade de qualquer religião existir em igualdade de condições com as outras e a liberdade de não se ter religião nenhuma, pensando e agindo diferentemente delas. Para que esta liberdade seja amplamente garantida é preciso que haja uma linha clara de separação entre a Igreja e o Estado, isto é, nenhuma ingerência, cooptação, instrumentalização ou domínio de um sobre o outro. Como pastor batista, aluno que fui de José dos Reis Pereira, o grande mestre de História Eclesiástica, aprendi a honrar a memória dos nossos heróis do passado, que foram perseguidos, torturados e até morreram em defesa dessa liberdade, inclusive nas mãos de nossos irmãos protestantes, que eventualmente constituíam a religião de Estado. Como dizia Roger Williams, um desses heróis, a ideologia da “nação cristã” é o pior tipo de idolatria. Ele sabia o que dizia, pois foi perseguido por causa dessa ideologia.

Pastores, igrejas e órgãos denominacionais devem abster-se de indicar candidatos. Infelizmente, muitos pastores, esquecidos da sua posição de líderes de rebanhos em que são representadas todas as correntes políticas, apresentam um discurso ideológico, claramente comprometido com uma dessas correntes. Alguns se tornam “cabos eleitorais de púlpito”, “vendem” os votos de suas ovelhas em troca de um benefício qualquer para si ou para suas igrejas, contribuindo assim para a perpetuação do odioso “clientelismo” político e para a transformação de igrejas em verdadeiros “currais eleitorais”. Não é de bom senso nem de boa fé um pastor indicar, nem mesmo espontaneamente, um determinado candidato, pois com isso fere e constrange a consciência daquelas suas ovelhas que escolheram votar em outro, pois o voto é pessoal, livre e secreto.

Se é notável a presença de Simão, um zelote (revolucionário) entre os apóstolos de Jesus, também o é a presença de um publicano – Mateus (tenho curiosidade de saber como os dois conviviam em grupo tão fechado). Cristo não veio dividir-nos, o propósito do Pai ao enviá-lo foi de fazer convergir nele todas as coisas, tanto as que estão no céu como as que estão na terra (Ef.1.10). Em Cristo não há judeu, nem grego (raça, etnia, cultura), não há escravo nem livre (classe social), não há homem nem mulher (gênero), porque todos somos um nele (Gl.3.28). Podemos acrescentar que em Cristo não há e nem pode haver partido político. O evangelho não pretende erguer muros entre as pessoas, pelo contrário, pretende derrubar os que existem.

O evangelho não é um programa social e político. A igreja não espera edificar o Reino de Deus sobre a terra, nem “cristianizar” a sociedade. O destino da igreja não depende desta ou daquela ideologia. Isso está mais do que provado na sua experiência ao longo dos séculos, e mesmo em nossa época, quando tem sobrevivido (e mesmo progredido) em meio aos mais restritivos regimes políticos, como, por exemplo, na China comunista. Entretanto, a igreja precisa, como Cristo, encarnar-se, fazer-se consciente do contexto político e social onde estão as pessoas que ela deve alcançar com a sua mensagem e serviço.

O evangelho não é nem uma ideologia da classe trabalhadora nem uma ideologia da classe média, ou qualquer outra. Como um grupo social, a igreja corre o risco de tornar-se uma comunidade de brancos segregacionistas, ou uma igreja de classe média, com mentalidade e hábitos burgueses, ou uma igreja dos oprimidos, que defende a luta revolucionária. Como vimos anteriormente, Jesus não pretendeu erigir ideologias, porque estas separam as pessoas, levando-as à luta, ao preconceito e, frequentemente, ao ódio. Precisamos ter o cuidado de não sermos surpreendidos defendendo posições de classe, em detrimento da verdade de que todos somos um em Cristo.

Jesus Cristo afirmou que o verdadeiro poder é o que vem pelo servir, ensino que está na contra mão do que pensa a maioria dos nossos políticos (Mc.10.42-45), mas, ironicamente, expressa muito bem o modelo da democracia representativa: o único e verdadeiro poder que o representante tem é exatamente o de representar – leia-se servir – aqueles que o elegeram, e não a si mesmo, à sua família ou a grupos corporativistas.  Precisamos desesperadamente de cristãos autênticos, com vocação política, que encarnem em sua atuação esse princípio poderoso: o maior e mais excelente político é aquele que mais e melhor dedica sua vida a servir o próximo, assim como Cristo o fez.

Pr. Sylvio Macri