NATAL, UMA FESTA PAGÃ?

1. No mundo ocidental, o Natal é hoje uma celebração cristã que extrapolou sua origem religiosa para ser também, dentro e fora das igrejas, uma estação associada a:

. Reunião anual e festiva de família, com muita comida e decoração típica (árvores)

. Confraternização de final de ano por parte de grupos e organizações;

. “Espírito de natal", marcado por decoração de ruas (com luzes e presépios) doações de dinheiro e bens a pessoas e instituições;

. Celebração de cultos com música (cantata e teatro) e mensagem sobre o nascimento de Jesus e seu significado.

 

2. A celebração do Natal é o evento mais preparado pelas igrejas, mas é rejeitada por algumas delas por não se saber a data do nascimento de Jesus e por se considerar que a celebração deve origem pagã e continuou cooptando outras praticas pagãs.

 

3. Não sabemos a data do nascimento de Jesus, celebrada, segundo o calendário juliano solar (elaborado sob a influência do astrônomo Sosígenes a mando do imperador Julio César e que vigorou em Roma de 46 a.C. a 153 d.C). O calendário tinha um erro formal de 10 dias e, em 1582, foi promulgado  o Calendário Gregoriano (pelo papa Gregório VIII), aceito pela igreja Católica latina (romana), mas não pela Ortodoxa (oriental), que manteve o Juliano, o que explica a diferença de 13 dias, o que põe o Natal em 7 de janeiro.

 

4. Quanto ao ano do nascimento, Dionísio, o Exíguo (Humilde, Pequeno), inventor do Anno Domini (A.D.), trabalhando no ano 525 d.C, colocou-o no ano 754 do Calendário Juliano, que corresponde ao no 1 A.D. Assim Jesus começou o seu ministério aos 30 anos no décimo-quinto ano do imperador Tibério (Lucas 3.1 e 23), tendo nascido no ano 18 do reinado de Augusto (754 da fundação de Roma ou AUC – Anno Urbis Conditae), sob o qual viveu 15 anos. (E mais 15 sob Tibério). Ocorre que Herodes o Grande, que tentou matar Jesus, morreu no ano 750 AUC, quatro anos antes do 1 A.D. Logo, Jesus nasceu pelo menos 4 anos antes do 1 A.D., isto é, entre 6 e 4 A.C.

 

5. Quanto à celebração do aniversário de Jesus, não acontecia nos primeiros anos do cristianismo, mas sim sua morte/ressureição (em substituição à Páscoa judaica). Dos outros líderes cristãos, mártires quase sempre, era lembrado o dia de sua morte, não de nascimento. Os pais da Igreja valorizavam o dia da morte (pelo martírio) por ser o dia do verdadeiro nascimento.

É pouco provável que o nascimento tenha acontecido no dia 25 de dezembro, data que acabou escolhida pela associação com a Páscoa, o que seria uma razão teológica: Jesus foi concebido na Páscoa (25 de março) e nascido nove meses depois (25 de dezembro). Não há como provar uma sugestão desta. 

Há evidências documentadas para a celebração do Natal de Jesus no dia 25 de dezembro em Roma a partir de 354, com o papa Libéria, e em Constantinopla a partir de 379, com Gregório de Nazianzo, que pregou um sermão sobre o natal no dia 25 de dezembro. Em Milão, Ambrósio pregou um sermão natalino na catedral da cidade. Exceto na Palestina, que seguia o calendário juliano (6 de janeiro), por volta do ano 400 a celebração no dia 25 de dezembro estava estabelecida.

Os autores cristãos dos séculos 2 e 3 não mencionam a celebração do Natal entre as festas cristãs. Orígenes (m. 255), Irineu (202) e Tertuliano (m. 220). Nesta época, a partir de 313, o Cristianismo estava se tornando a religião oficial do Império Romano, em substituição ao paganismo. Lembremos que as mudanças culturais demoram.

Tão logo o cristianismo deixou de ser proscrito, teve que enfrentar rejeições externas (ao nascimento virginal) e polêmicas internas (divindade de Jesus). A celebração do nascimento de Jesus ajudaria muito no entendimento de sua natureza. Foi no Concílio de Tours que a Igreja Católica, visando ser católica (universal) estabeleceu os doze dias entre o Natal (data principal do Ocidente) e a Epifania (data principal do Oriente) como um ciclo unificado de festas.

O papa Júlio I formalizou e 350 o 25 de Dezembro como sendo o dia do “Natalis Christi".

 

6. Além disso, as festas pagãs eram populares. Uma delas era a do "Nascimento do Sul Invencível", celebrada no dia 25 de dezembro.

Decorre desta junção a rejeição à celebração do Natal por alguns cristãos do passado e do presente. Para esses, trata-se de uma festa pagã.

Há argumentos que destacam que a celebração não é verificada nem recomendada na Bíblia, o que é verdade, como é verdade, tanto negativa quanto positivamente, para muitas outras práticas que não questionamos. Com este tipo de argumento, uma denominação evangélica brasileira proíbe o uso de rádio ou televisão porque Jesus não os utilizou…

Quanto ao argumento histórico — natal como continuação do paganismo —, ele é forte, mas devemos duvidar dele também.

Nesta época, Jesus já era chamado de “Sol da Justiça".

Quando o imperador Aureliano instituiu em 274 o “Dies Natalis Solis Invicti”, pode ser que tenha tentado dar um sentido pagão a uma data já importante entre os cristãos de Roma para evitar o crescimento deles.

Pode ser que o dia 25 de dezembro tenha mais a ver com os nove meses decorridos da anunciação, no dia 15 de março (segundo a tradição) pelo anjo Gabriel do futuro nascimento de Jesus.

Com relação à festa religiosa da deificação do Sul, pode ser que “embora o solstício de inverno no ou em torno do 25 de dezembro estivesse bem estabelecido no calendário imperial romano, mas não há evidência que a celebração religiosa deste dia seja anterior ao Natal". **

A celebração do nascimento de Jesus com base na crença de que a concepção ocorreu em 25 de março pode ser vista ao mesmo tempo como uma oportunidade e como um desafio quando Aureliano baixou seu decreto. (The Oxford Companion to Christian Thought)

De qualquer modo, já na antiguidade a proximidade incomodava os cristãos, ao ponto de um teólogo escrever em 320 A.D.:

“Nós apoiamos este dia, não como os pagãos por causa do sol, mas por causa daquele que fez o sol". (Agostinho)

Talvez melhor concluir que as datas pagã e cristã se interpenetraram. Venceu a visão cristão, mas permaneceu o cheiro pagão.

 

7. Durante a Idade Média, o Natal era uma festa em que pessoas que mantinham relacionamentos comerciais trocavam presentes entre si, mas havia excessos na bebida e na comida e no jogo, que faziam da celebração uma espécie de carnaval.

Nesta época, para fins mnemônicos, Francisco de Assis criou os presépios.

Com o tempo foram sendo acrescentadas outra práticas.

. ÁRVORE DE NATAL — O missionário católico aos alemães Bonifácio(634–709) abateu uma árvore dedicada ao deus e colocou um pinheiro no seu lugar por entender que a sua forma triangular evocava a Trindade divina.

Desde então árvores foram usadas na Alemanha católica. Quando surgiu a Reforma, o costume continuou, com apoio de Lutero. Numa igreja, a árvore de Natal foi usada pela primeira pela vez na catedral protestante de Strassbourg (na França reformada), em 1539, sob a liderança de Martin Bucer.

Depois, na Alemanha os moravianos colocaram luzes acessas  nessas árvores. Em sua decorações, muitos colocavam uma estrela, representando a estrela de Belém, no seu topo. Depois acrescentaram figuras de anjos para representar o anúncio aos pastores. A decoração natalina com árvores se espalhou pelo mundo a partir de 1841, incorporando outros elementos.

. PRESÉPIOS — Cenas do Natal já eram conhecidas desde o século 10 em Roma, mas coube a Francisco de Assis populariza-las para representar os momentos bíblicos da Natividade. Muitos escultores deram suas contribuições por toda a Europa, não só na Itália, onde era chamada de “presepi(de praesepe, palavra latina para estábulo), onde ficava a mangedoura. A intenção de Francisco de Assis que visava instruir o povo gerou, no entanto, ignorância, ao colocar na mesma cena evento que ocorreram em tempos diferentes e reunindo pessoas que nunca se encontraram, como magos e pastores.

 

. TEATRO DE NATAL — A primeira peça de teatro para contar a história do Natal foi montada ao ar livre em 1223, também por iniciativa de Francisco de Assis e contou com crianças cantando músicas natalinas.

 

. MÚSICAS DE NATAL — O italiano Ambrósio (m. 397), bispo de Milão, para combater a rejeição ariana à divindade de Jesus compôs um hino ("Veni redemptor gentium"("Vem, Redentor das nacões"), que marca o início de uma tradição, logo seguida pelo espanhol Prudêncio (m. 413), pelo francês Bernardo de Clairvaux (m. 1153), pelo inglês John Awdlay(m. 1426), pelos alemães Martim Lutero (m. 1546), Georg Hændel (m. 1759) e Felix Mendelssohn (m. 1847), pela dupla austríaca Joseph Mohr (m. 1848) e Franz Gruber (1863) com "Noite Feliz” ("Silent Night"), entre outros.

Até uma musica secular apareceu e ganhou o mundo: Jingle Bell, em 1857.

. CARTÕES DE NATAL — Os cartões com desejos de "feliz Natal e próspero ano novo” surgiram em 1843, criados por Henry Colen, em Londres.

 

PAPAI NOEL — O Papai Noel (ou Père Noël, em francês, ou Santa Claus, em inglês) deriva do bispo Nicolau, que viveu no quarto século e ficou conhecido por presentear as crianças em Mira (hoje Turquia) no dia 6 de Dezembro. Sua história correu o mundo e prática da entrega de presentes migrou para a véspera de Natal (24 de Dezembro) e foi a acrescida por outros elementos, especialmente na Holanda. O Papai Noel, como o temos hoje, foi criado a partir de 1810 em Nova York, quando foi tornado padroeiro da cidade (de maioria holandesa em seus primórdios. O inicio ele usava as roupas dos bispos, mas depois as que conhecemos, por causa do seu uso pela publicidade.

 

8. Quanto à celebração do Natal, os puritanos negaram a legitimidade da celebração do Natal, devendo vir daí a rejeição em muitos segmentos cristãos. Na Inglaterra puritana, sob a liderança de Oliver Cromwell (1645), a celebração do Natal, que era popular e regada a bebedeira e comilança, foi cancelada e em seguida restabelecida por Charles II (m. 1685)

Os peregrinos, separatistas que migraram para os Estados Unidos, não celebravam o Natal, chegando a ser proibida por um período em Boston (1659-1681). Em outras colônias, era celebrado sem problemas.

Após a revolução americana, caiu em desuso mas acabou no gosto popular. Era uma época em que as classes populares protestavam contra as injustiças, com conflitos nas ruas.

Esta situação levou parte da elite a mudar seu modo de celebrar o Natal. Um livro contribuiu essencialmente para esta mudança e seu autor é, por vezes, considerado o inventor moderno do Natal. Washington Irving (“The Sketchbook of Geoffrey Crayon, gent.”) criou em 1819 uma ficção em que um homem rico convida os camponeses para passar o natal em sua casa. Na obra de Irving, o Natal deve ser uma estação de paz, amizade e harmonia.

Por essa época, na Inglaterra, o Movimento de Oxford na Igreja Anglicana valorizou o Natal como um festival cristão em que se devia fazer celebrações musicais especiais e ajudar os pobres.

Em1822, Clement Clarke Mooreescreveu um poema sobre a visita do Papai Noel e que popularizou a tradição de troca de presentes e de compras na estação, pondo em tela o conflito entre os sentidos espiritual e comercial da data. Por isto, já em

1850 Harriet Beecher Stowe escreveu um livro em que um personagem lamenta que o verdadeiro sentido do natal se perdera no shopping center.

Em 1843, Charles Dickens publicou “Christmas Carol”, no qual conta histórias que valorizaram a família, a religião, a generosidade e a reconciliação como próprios ao espirito de Natal. Foi um sucesso no mundo inteiro.

Em 1870, o Natal se tornou feriado nacional nos Estados Unidos.

Em 1931, os operários começaram a tradição da árvore de Natal do Rockefeller Center Christmas, imitada em todo o mundo.

No Brasil, José de Alencar narra em seu “O Tronco do Ipê”, de 1871:

"Era antevéspera de Natal. Na Casa Grande tudo estava em movimento e rebuliço com os preparativos da festa. À exceção da baronesa, a quem nada podia arrancar de sua fleuma desdenhosa, cada uma das pessoas da fazenda se ocupava em qualquer dos vários arranjos para a função do Natal que esse ano prometia ser ainda mais chibante do que de costume".

Machado de Assis registra em seu conto Mariana, também de 1871:

"Quatro dias antes do dia marcado para o meu casamento, era a festa do Natal. Minha mãe costumava dar festas às escravas. Era um costume que lhe deixara minha avó. As festas consistiam em dinheiro ou algum objeto de pouco valor".

 

9. Devemos celebrar o Natal pelas seguintes razões:

. Não é totalmente certo que o Natal cristão derive do Natal pagão.

. Não temos como nos abstrair dos costumes de nossa época. Se foi assim com os cristãos do século 4, não é diferente conosco. Devemos ser humildes e não nos achar mais fiéis dos que o vieram antes de nós, embora devamos criticá-los e nos criticar.

. É uma oportunidade para docemente falarmos de Jesus e contarmos sua história para nossas crianças.

. É uma rara oportunidade para escancaradamente falarmos publicamente de Jesus e sua história por todos os meios que dispusermos.

. Devemos nos juntar às celebrações, sejam festivais de luzes ou comemorações familiares ou fraternais, para resgatarmos o sentido do Natal.

 

10. Devemos celebrar o Natal como deve ser:

. O fato de o natal ser popular deve ser recebido como uma oportunidade e um desafio, e não apenas como algo negativo.

. Devemos vigiar contra a paganização (que põe foco no consumo ou no espetáculo).

. Devemos sempre ler os Evangelhos para permanecermos fiéis ao sentido da encarnação de Jesus.

 

 

Israel Belo de Azevedo

(Dezembro de 2018)