Academia da Alma 2.0 (9) — Eu e os outros

ACADEMIA DA ALMA 2.0

Encontro 9

 

Para assistir, acesse:

https://youtu.be/gcxgvlV-6V8

 

Síntese 

 

EU E OS OUTROS

Quem são meus amigos?

 

Sabedoria bíblica:

“Melhor é serem dois do que um, porque maior é o pagamento pelo seu trabalho”. (Eclesiastes 4.9)

 

Decisão: 

JUNTO-ME!

 

Confesso que uma pergunta ecoa na minha mente. Ela me foi feita por algumas pessoas, em diferentes momentos e circunstâncias:

— Quem são seus amigos?

Esta inadiável resposta acaba sendo adiada por não ser fácil. Para mim não é fácil.

 

INDEFINÍVEL 

 

Preciso primeiro definir o que é um amigo.

Minha memória guarda experiências, doces e amargas.

Quando fui operado de câncer, dois amigos que moravam em outro estado pegaram um avião, chegaram cedo em minha casa apenas para me ver e retornaram em seguida. Amigos!

Quando fui hostilizado em público por professores de uma instituição que dirigia, passei a noite dormindo aos sobressaltos, engolindo sozinho a injustiça. Meus amigos não vieram me dizer que eu estava certo. Amigos?

Amigo é quem nos diz que estamos certos, se estamos certos, embora a maioria diga que estamos errados.

Amigo é quem nos corrige quando acha que estamos errados, e estamos, mesmo que erradamente cortemos relações com ele.

Amigo é quem nos ajuda quando precisamos, seja de dinheiro que oferece, emprestando ou doando, seja de apoio, por sua própria iniciativa, ao nos ver a carência.

Amigo é quem viaja conosco pelo prazer de conosco estar, paga um café sem esperar que nós lhe paguemos o próximo, leva-nos a um restaurante de que gostou, envia-nos um livro de um autor a que ama,  canta no coro da igreja ao seu lado embora sejamos desafinados.

Amigo é quem nos mentoreia, com sua sabedoria instigante, sua sinceridade nua, sua simpatia cativante, sua honestidade evidente, sua visão além da superfície; seu ensino, por meio de atitudes que prova que nele podemos confiar.

Certamente, “como o óleo e o perfume alegram o coração, assim o amigo encontra doçura no conselho cordial” (Provérbios 27.9).

Amigo é quem está pronto para suspender sua agenda, ouvir nossas queixas, recolher nossas lágrimas, calar-se nos nossos silêncios, alojar-nos em seus ombros, advertir-nos dos nossos pecados, escutar nossas confissões, interceder junto conosco, orar para que sejamos perdoados, levar nossas cargas.

Amigo é quem não espera nada de nós em troca.

 

Na verdade, 

Amigo não pode, de modo algum, ser definido

Como se fosse um artigo na gramática contido.

Amigo não comporta sequer um belo adjetivo

Porque reúne em si todas as classes de substantivo.

 

Amigo não se procura, amigo não se aluga,

amigo não se compra, amigo não se pluga,

amigo não se conquista, amigo não se inventa.

Amigo se ganha. É dádiva, é amor, é presente.

 

Como um pássaro que pousa no nosso jardim,

Amigo não se importa com a distante geografia,

Que não o limita para rir ou nos apoiar todo dia,

Porque ama a história de encontros que não têm fim.

 

Amigo é ombro que discretamente se posiciona

Para receber nossas lágrimas na hora de chorar.

 

Amigo é coração que vivamente se emociona

Com as vitórias claras que nos vê conquistar.

 

Amigo é anjo que suas firmes asas dimensiona

Como braços fortes para nos dirigir ou confortar.

 

Amigo para o tempo e seus ouvidos aciona

Para prestar atenção ao que temos para lhe contar.

 

Amigo não pensa no que nossa vida lhe proporciona.

Amigo se alegra com o que vai conosco compartilhar.

 

Esse amigo existe?

Existe, mas não é perfeito. 

Não é perfeito, mas precisamos dele. 

Tem as mesmas virtudes que talvez tenhamos e precisamos dele. Tem os mesmos defeitos que certamente temos e precisamos dele. Na verdade, "o melhor espelho é um velho amigo". (George Herbert)

 

Talvez falhe conosco e precisamos dele.

Sem amigo, não temos com quem festejar.

Sem amigo, não temos com quem chorar.

Sem amigo, não temos com quem ser.

 

Em outros termos, “a glória da amizade não é a mão estendida, nem o sorriso carinhoso, nem mesmo a delícia da companhia. É a inspiração espiritual que vem quando você descobre que alguém acredita e confia em você”. (Ralph Waldo Emerson)

 

QUANDO ABANDONADOS

 

Um dos meus primeiros escritos, jovem eu, foi para jovens leitores. No artigo eu aplicava conceitos da teoria da comunicação. Isto foi em 1975, quando eu tinha 23 anos.  O filósofo Karl Jaspers escreveu que o ser humano precisa do outro para existir. Gostei porque detestava a frase de Jean-Paul Sartre de que o outro é o inferno.

Impressionado, retomei a ideia algumas vezes, uma num sermão do ano 2000, eu aos 48, sobre o Deus que se comunica:

“O homem é essencialmente um ser em comunicação. O ser humano sempre conviveu com a comunicação. O mundo foi criado pela Palavra. Quando Deus veio ao mundo para um encontro definitivo, Ele foi chamado de Verbo (ou Palavra). Não existe sociedade sem comunicação. Não existe sequer a pessoa sem comunicação. Nós somos porque nos comunicamos. Esta é uma marca do ser humano”. 

 

Detestamos, o outro é também o inferno. Quando olhamos para ele, vemos que somos o que nele criticamos. Ele nos critica. Ele nos contesta. Ele nos abandona. 

O apóstolo Paulo escreve desolado.

 

“Timóteo:

Lembro das suas lágrimas e estou ansioso por ver você, para que eu transborde de alegria. (…)

Empenhe-se por vir até aqui o mais depressa possível.

Porque Demas, tendo amado o presente século, me abandonou e se foi para Tessalônica.

Crescente foi para a Galácia.

Tito foi para a Dalmácia.

Somente Lucas está comigo.

Encontre Marcos e traga-o junto com você, pois me é útil para o ministério.

Quanto a Tíquico, mandei-o para Éfeso.

Quando você vier, traga a capa que deixei em Trôade, na casa de Carpo. Traga também os livros, especialmente os pergaminhos.

Alexandre, o ferreiro, me causou muitos males; o Senhor dará a retribuição de acordo com o que ele fez. Tome cuidado com ele também você, porque resistiu fortemente às nossas palavras.

Na minha primeira defesa, ninguém foi a meu favor; todos me abandonaram. Que isto não lhes seja posto na conta! Mas o Senhor esteve ao meu lado e me revestiu de forças, para que, através de mim, a pregação fosse plenamente cumprida, e todos os gentios a ouvissem. E fui libertado da boca do leão. (…)

Faça o possível para vir antes do inverno. Êubulo manda saudações; o mesmo fazem Prudente, Lino, Cláudia e todos os irmãos”

(2Timóteo 1.4, 4.9-17 e 21)

 

O abandono é insuportável.

Paulo o lamenta, mas não desiste de ter amigos. Ele sabe que, quanto todos outros partem, alguns ficam. Escrevendo aos Coríntios, registra seu prazer com uma visita:

 

“Alegro-me com a vinda de Estéfanas, de Fortunato e de Acaico, porque eles supriram o que faltava da parte de vocês.

Porque trouxeram refrigério ao meu espírito e ao de vocês também.

Deem o devido reconhecimento a homens como esses”.

(1Coríntios 16.17-18)

 

Se temos amigos, já escrevemos, estamos escrevendo ou ainda escreveremos palavras como as de Paulo.

 

Não são perfeitos. Somos?

Precisamos de amigos.

Queremos.

Por que precisamos deles?

Sozinhos conseguimos muito, mas não tudo o que podemos conquistar juntos.

Sozinhos não sabemos quem somos realmente.

Juntos nos perdemos menos.

Perdidos, eles nos encontram.

Desanimados, eles nos fortalecem.

Caídos, eles nos levantam.

Felizes, eles celebram conosco.

Realizando, eles se fazem nossos parceiros. De fato, "sem amigos, até as grandes realizações ficam sem graça". (Tomás de Aquino) 

 

Precisamos de amigos?

Somos?

 

 

PERDENDO AMIGOS

 

Devemos fazer amigos, não para influenciar pessoas, acessar pessoas, estabelecer conexões, receber favores, ganhar dinheiro ou prestígio. Amigo não é para isto. Um relacionamento assim não passa de um negócio, logo substituído por outro mais promissor.

 

Se não queremos ter ou manter amigos, pratiquemos os infalíveis conselhos a seguir.

 

1. Falemos sempre o que achamos ser  a verdade, mesmo que vá doer no outro.

 

2. Sejamos sempre críticos, com olhos sempre atentos a tudo e a todos. 

 

3. Desejemos que nosso amigo seja sempre pontual, correto, dedicado, interessado, como somos (ou achamos que somos).

 

4. Quando nosso amigo errar, não o perdoemos, porque ele não podia ter feito o que fez.

 

5. Convidados para um aniversário de um amigo, não compareçamos, talvez por não gostarmos de festas ou para não termos que encontrar pessoas desagradáveis.

 

6. Jamais presenteemos, sobretudo quando estivermos bastante ocupados ou o dinheiro andar curto.

 

7. Na hora do jantar num restaurante, não dividamos o valor pelo número de participantes, mas façamos questão de dividir rigidamente a conta, real por real, centavo por centavo. 

 

8. Não respondamos às mensagens que o amigo nos manda.

 

9. Não desviemos nossa rota para dar carona a um amigo.

 

10. Contemos nossas histórias e nossos sonhos, mas nunca ouçamos o relato do outro. Sempre que estivermos juntos, falemos o tempo todo, destaquemos as dificuldades pelas quais passamos, requeiramos toda a atenção, no restaurante imponhamos o cardápio, no cinema determinemos o filme, no avião escolhamos o assento, na viagem imponhamos o itinerário, afirmemos a beleza cintilante apenas dos nossos projetos, detalhemos o nosso sonho da noite anterior, não deixemos o outro abrir a boca.

 

11. Jamais abramos o nosso coração com alguém. 

 

12. Falemos mal dos outros amigos.

 

13. No período eleitoral, em que os nomes se oferecem em busca de votos, escolhamos o nosso, anunciemos em quem vamos votar, falemos a toda a hora do nosso herói na política, agridamos quem pensa o contrário de nós, não permitamos que falem das virtudes de outro postulante, exijamos que sufraguem o nosso, imponhamos o nosso, briguemos pelo nosso candidato. Esqueçamos o que escreveu Milan Kundera: “Em nosso tempo, aprendemos a submeter a amizade àquilo que chamamos de convicções. É preciso realmente uma grande maturidade para compreender que a opinião que nós defendemos não passa de nossa hipótese preferida, necessariamente imperfeita, provavelmente transitória".

 

14. Pensemos que o nosso amigo deve estar sempre à nossa disposição e vivamos como se a recíproca não fosse verdadeira.

 

Agora, se queremos ter e manter amigos, façamos exatamente o contrário do que acabei de sarcasticamente sugerir.

A regra é clara: para conservar um amigo, sejamos amigos dele.

 

 

PROCURANDO OS QUE SE FORAM

 

Amigos vêm. Alegria. Amigos vão. Saudade.

Dos que vão levados pela morte sempre nos lembraremos.

Quanto aos que se afastaram depois de um desentendimento, esperemos que retornem.

Houve uns com quem nos entrelaçamos, brincamos juntos, sonhamos juntos e imaginamos que seriamos amigos para sempre, mas hoje não fazem mais parte de nosso círculo próximo.

Não nos desentendemos e não nos encontramos mais.

Não nos separávamos, mas agora não sabemos onde estão.

Temos suas fotos em nossos álbuns, mas agora não nos reconheceríamos se fortuitamente nos cruzássemos por aí.

Queríamos escrever juntos nossas histórias, mas cada um traçou em separado a sua trajetória.

Por onde andam? O que fazem?

Por onde andamos? O que fazemos?

Se morreram, não os enterramos.

Perdidos, encontram-se guardados ainda nos nossos corações.

Procurá-los seria um inventário sem documentos, numa viagem sem mapa.

Como localizá-los, se não são os mesmos?

Como encontrá-los, se nós não somos os mesmos?

Não podemos nos conformar com separações absurdas, com despedidas que não houve,  com desinteresses injustificados.

Cabe espalhar o desejo: apareçam, por favor.

Cabe-nos procurar por eles, mesmo que demore e custe.

Amigos têm que ser para sempre. É a sabedoria bíblica que o afirma: “Não abandone o seu amigo, nem o amigo do seu pai”. (Provérbios 27.10)

 

 

FAZENDO AMIGOS

Para termos amigos, sigamos o roteiro simples a seguir:

 

1. Compreendamos que não podemos nem devemos viver sozinhos. Para tanto, golpeemos nosso natural egoísmo e aprendamos com nossas decepções. Se é verdade que as pessoas nos decepcionam, também é verdade que decepcionamos. Como o gigante Paulo compreendeu,  fazemos o que fazemos graças à cooperação de amigos (Romanos 16). É sábio levar em conta que “o ferro se afia com ferro, e uma pessoa, pela presença do seu próximo”. (Provérbios 27.17)

 

2. Reconheçamos que precisamos de amigos, que precisam de nós. São os amigos que nos ajudam a ver os sapos que não precisamos engolir. São os amigos que nos ajudam a vomitar os sapos que engolimos. São amigos que nos ajudam a fazer o que precisamos ou devemos fazer. São os amigos que seguram conosco os caixões dos nossos queridos. São os amigos que vão à praia, à igreja, ao restaurante conosco. Foram os amigos de Paulo, como Barnabé (Atos 9.27), que o tiraram do anonimato. Foram seus amigos, como Gaio (Romanos 16.23), que o hospedaram. Foram seus amigos, como Aquila e Priscila (Romanos 16.3-4), que arriscaram as suas vidas por eles. Foram seus amigos, como a mãe de Rufo, que cuidaram dele. Foram seus amigos, como Tércio (Romanos 16.22) que deram forma às suas cartas que levaram da prisão. Precisamos uns dos outros. Afinal, “para ter olhos bonitos, procure o bem nos outros; para ter belos lábios, fale apenas palavras de bondade; e, para viver com equilíbrio, caminhe com a certeza de que nunca está sozinho”. (Audrey Hepburn) 

 

3. Tenhamos coragem de nos abrir para o outro. Dilatemos nossos corações para o outro. Sirvamos ao outro. Quando dermos uma carona, que seja completa. Desejemos nos encontrar ou reencontrar, como Paulo almejava o reencontro com Timóteo (2Timóteo 4.9).

 

4. Valorizemos nossos relacionamentos. Afinal, “andar com um amigo na escuridão é melhor que andar sozinho na luz" (Helen Keller). Nesta trajetória, não acreditemos em mentiras sobre nossos amigos e nem mesmo em verdades com intenções malévolas. Se tiver que fazer uma revisão no modo como estamos tratando nossos amigos, não tardemos. 

 

5. Elogiemos, particular e publicamente, nossos amigos. Falemos bem deles. Saudemos a todos eles, como Paulo fez com vários deles nos finais de suas cartas aos Romanos. 

 

6. Atribuamos aos nossos relacionamentos algo de valor eterno.  Façamos de nossas amizades um território para exaltarmos o amor de Deus. Façamos de nossas amizades uma oportunidade para glorificar a Deus através do serviço ao outro, com gestos de cuidado, e com palavras de proclamação. Disto depende o sentido de nossa vida. Disto depende o futuro da fé que nos foi entregue para defender e compartilhar (Judas 1.3).

 

***

 

Acreditamos que “melhor é serem dois do que um, porque maior é o pagamento pelo seu trabalho” (Eclesiastes 4.9)?

A pergunta não pode calar:

Quem são nossos amigos?

 

 

UMA CODA SOBRE A AMIZADE

 

A amizade começa com uma necessidade, uma vez que a solidão é insuportável.

A amizade continua com um desejo. Queremos estar com quem gosta de nós, porque a amizade refrigera a nossa respiração. “A amizade é tão importante para a espiritualidade quanto a oração e o jejum”. (Eugene Peterson)

A amizade floresce quando cuidamos dela.

A amizade é uma virtude que precisamos desenvolver, para triunfarmos sobre o nosso egoísmo e superarmos a nossa displicência.

A amizade é como um pilar que sustenta a vida. Louve-a sempre.

A amizade não precisa de cama, porque se realiza na mesa. Faça da oportunidade do encontro um convite para uma refeição em comum, para um prato simples ou sofisticado. Se não houver oportunidade, crie-a. Como você não sabe se amanhã será possivel jantar a dois, a três, a quatro, a muitos, reúna-se hoje.

A amizade não precisa de dinheiro, porque não acontece no bolso, na bolsa, mas no coração, na alma. Sexo se compra; amizade, não. Elogio se compra; amizade, não. Aplauso se compra; amizade, não. Companhia se compra; amizade, não. Conhecimento se compra; amizade, não. Produto se compra; amizade, não. Cultive seus amigos como se fossem flores que exalam os perfumes mais suaves da terra.

A amizade não precisa de perfeição, certa que é impossível.

A amizade passa a noite no hospital, para acompanhar ou aguardar uma notícia boa, sem esperar gratidão. Não espere que lhe chamem, se você é necessário.

A amizade viaja junto, para ver e rir, pelo prazer de estar junto. Amizade chora de alegria, mesmo que o motivo pareça banal.

A amizade se alimenta da sinceridade, não dos elogios fáceis; por isto, pode ser dura, se indispensável para que os pés voltem ao bom caminho.

A amizade é o território da graça, esse favor que fazemos ou recebemos sem levar em conta o eventual merecimento.

A amizade é o espaço da solidariedade, este gesto em que um tira o que tem para dar ao outro, sem esperá-lo de volta.

A amizade é a escola da gratidão.

A amizade é o rosto da presença de Deus.

Amizade é felicidade.

 

 

Israel Belo de Azevedo