Gálatas 4.19: AS PAIXÕES DE UM CRISTÃO

AS PAIXÕES DE UM CRISTÃO

Gálatas 4.19

1. INTRODUÇÃO
Esta parte do versículo (4.19b) é a mais completa expressão de como Paulo amava seus irmãos em Cristo da região da Galácia. O apóstolo chama carinhosamente os gálatas de “meus bebês”, “meus nenezinhos”. Ele os amava como uma mãe ama o bebê ainda no ventre, ansiosa para sofrer as dores do parto. Ele desejava que estes bebês crescessem até se tornarem maduros espiritualmente.
Eis como um pastor deve se sentir diante da igreja que dirige, padecendo dores como que de parto para que ela nasça ou se desenvolva de modo saudável.
Eis como cada membro deve se sentir em relação aos outros participantes da igreja, experimentando dores como que de parto para eles de desenvolvam de modo saudável.
A expressão universal, no entanto, desta atitude paulina encontra-se no seu desejo de ver “Cristo formado” nos cristãos. Entender o que significa esta expressão é essencial para que compreendamos a natureza da vida cristã.

2. PRECISAMOS CRER NA GRAÇA
O apóstolo Paulo fôra o instrumento empregado pelo Espírito Santo para levar o Evangelho de Jesus Cristo às igrejas da Galácia, que não é uma cidade, mas uma região na macro-região conhecida como Ásia Menor.
Não sabemos as circunstâncias, mas Paulo lhes anunciou o Reino de Deus por causa de uma enfermidade física que, possivelmente, deve ter determinado que ficasse mais tempo na região. Enquanto lá estava, fez o que o seu ardor missionário determinava: ocupou-se em pregar.
As respostas foram amplas, trazendo muitas alegrias ao coração do pregador. Paulo seguiu seu caminho e, algum tempo depois, recebeu notícias muito desagradáveis: os gálatas estavam preferindo abrir mão da graça de Deus para ficar com a lei dos judeus. Seus filhos na fé não estavam permitindo que a plenitude de Cristo lhes fosse uma verdade; antes, como pode acontecer com os cristãos de todos os tempos (o nosso inclusive), estavam se ocupando em organizar suas vidas em torno das exigências da lei. O resultado era a tragédia do predomínio da carne. Por isto, Paulo arranca de dentro este lamento: Sois tão insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne? (Gálatas 3.3)
Cristo começa em nós como um embrião, que precisa se desenvolver. Há muitos cristãos que preferem seguir o exemplo dos gálatas e não o de Paulo. Temos impedido que Cristo se torne pleno em nós porque temos desistido de lutar contra a carne (isto é, contra a nossa natureza natural…) Há cristãos que acham que devem bater quando apanham… Há cristãos que acham que devem amar quando são amados… Há cristãos que receberam Cristo, mas nunca se importaram em permitir que Ele formasse o seu corpo… Há cristãos para quem Cristo é um feto morto no seu interior…
Há cristãos se aperfeiçoando na carne, seja no legalismo, seja no cinismo, que são duas formas de apequenar ou mesmo deletar a graça. O legalista descrê na graça ao pôr toda a força na lei, certo de que o mundo será perfeito quando todos a seguirem. O cínico descrê na graça, ao torná-la irrelevante por meio de uma conduta moralmente reprovável.
Nós precisamos crer na graça.

3. PAIXÕES EM LUTA
Crer na graça, vivendo com ela e por ela, é ser de Jesus. É de Jesus quem crucifica a nossa carne, com as suas paixões e concupiscências,  que são aqueles desejos mais fortes do que nós (Gálatas 5.24). É quem anda no Espírito, que é o único meio de não se satisfazer os desejos da carne (Gálatas 5.16).
Não podemos ser otimistas, nem pessimistas em relação a nós mesmos. Nós temos prazer na graça de Deus, mas, ao mesmo tempo, temos a tendência de nos divertimos no pecado. Por isto, temos que nos perguntar: quem nos livrará desta realidade? A esta pergunta se responde com uma exclamação: Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor. Graças a Deus porque, embora nossa carne seja escrava da lei do pecado, na verdade nós somos escravos da lei de Deus; isto é, a lei de Deus escrita e inscrita em nós  nos puxa para a vida no Espírito. (Romanos 7.22-25)
Esta é a nossa esperança, inaugurada quando Deus firmou conosco a Sua aliança. Ele cunhou a sua lei em nossas mentes e introduziu estas leis nos nossos corações (Hebreus 8.10a).
Mesmo assim, nossa carne milita contra o Espírito, mas o Espírito de Deus em nós luta contra a carne, porque eles são opostos entre si, para que não façamos o que o próprio Espírito nos move a querer (Gálatas 5.17). O Espírito de Deus nos convida a novas paixões.
No seu admirável O lugar para seguro da terra (São Paulo: Mundo Cristão, 2000), Larry Crabb opõe quatro paixões. Vou acrescentar mais uma.

1. O Espírito nos convida à paixão por adorar. Ele sabe, e nós o sabemos também, que o natural em nós é a paixão por exigir, de nós mesmos, do outro e de Deus.
Adorar é estar à vontade diante de Deus, reconhecendo-O como o Senhor de nossas vidas e exaltando todas as Suas qualidades. O perdão de nossos pecados nos habilita a sentir o desejo de viver para o louvor da Sua glória (Efésios 1), contra o desejo de exigir. É o desejo de adorar que nos deve levar ao culto público, como um momento de celebração do poder de Deus. É o desejo que culmina com expressões como estas: Quão amáveis são os teus tabernáculos, SENHOR dos Exércitos! A minha alma suspira e desfalece pelos átrios do SENHOR; o meu coração e a minha carne exultam pelo Deus vivo! (Salmo 84.1-2)
O Espírito nos convida a entrar na presença de Deus e contemplar a sua majestade, sem esperar nada dEle, como se fosse um empregado que tivéssemos.
O Espírito nos convida a parar de exigir de nós mesmos e nos aceitarmos como a obra-prima da criação de Deus.
O Espírito nos convidar a celebrar no outro as suas qualidades. Quando escrevia esta mensagem, cujo tema estava anunciado no boletim dominical, eu recebi um telefonema e amorosamente a pessoa me disse:
— Eu sei que Deus está abençoando você e sei também que Deus já está abençoando outras pessoas e que vai abençoar outras pessoas.
Quem me telefonou é uma pessoa que tem paixão por adorar. Ela estava ansiosa para que chegasse o domingo. Ela estava vendo em mim o poder de Deus atuando. E ela disse o que sentia.

2. O Espírito nos convida à paixão por confiar. Ele sabe, e nós o sabemos também, que o natural em nós é a paixão por controlar, controlar as circunstâncias, controlar a nós mesmos e controlar os outros. É natural em nós “confiar nos recursos que recebemos para fazer da vida o que queremos”. (Crabb, p. 116)
A raiz do pecado é a secreta desconfiança de que Deus não é bom. (Oswaldo Chambers, citado por Crabb, p. 116) Nosso grande problema é, no fundo, desconfiar de que Deus não é tão grande quanto é. Temos grande dificuldade em aceitar a soberania de Deus, sobre a história geral e sobre a nossa história em particular. No fundo, adoramos um deus-relojoeiro, que deu as cordas para que o mundo se vire sozinho.
Confiar, na bela definição do salmista, é entregar. Só entrega quem confia. Nós precisamos entregar a Deus as nossas ansiedades, mas para fazê-lo, precisamos confiar nEle, confiar que Ele é bom. E como é difícil! Só o conseguimos por que temos uma nova identidade: nós somos de Jesus. Esta é a aliança que o Pai firmou conosco: eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. (Hebreus 8.10b) Ele é o nosso Deus e nós somos o seu povo.

3. O Espírito nos convida à paixão por crescer. Ele sabe, e nós o sabemos também, que o natural em nós é a paixão por definir. Nós ficamos desesperados quando não conseguimos explicar um assalto, um desemprego, uma traição, uma enfermidade. São tragédias reais, que nos alcançam independentemente de nossa vontade ou de nossa ação.
O fardo é insuportável e se torna ainda maior, quando associado à culpa. Ao seguir a nós mesmos, acabamos fracassando e mergulhando em mais culpa. Parece que nos esquecemos que, em meio à pressão, não somos capazes de tomar as melhores decisões. Parece tão óbvio, mas nos esquecemos que pressão gera pressão, ódio gera ódio, violência gera violência.
Diante das dificuldades, que ele chama de provações, Tiago nos recomenda o caminho do crescimento: Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes. Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida. (Tiago 1.2-5)
Tiago, então, nos convida a desenvolver três atitudes concretas:
. gratidão a Deus por estar passando por dificuldades, não queixume, não “oh como é que Deus deixou que isto acontecesse comigo”
. crescimento em direção a Deus, confirmando a fé que Ele já pôs em nós, sabendo que, por meio das dificuldades, seremos aperfeiçoados e experimentaremos a integridade moral, emocional e espiritual
. busca da sabedoria, vinda de Deus, para saber lidar com as dificuldades, para superá-las espiritualmente, mantidas ou retiradas de nós. A nossa sabedoria, posta em prática, gerará mais tribulação. A sabedoria dada por Deus nos fará crescer, tornando-nos mais semelhantes a Cristo. Nós precisamos que o caráter de Cristo forme o nosso.

4. O Espírito nos convida à paixão por obedecer. Ele sabe, e nós o sabemos também, que o natural em nós é a paixão por realizar as coisas do nosso jeito, mesmo que tenhamos que colocar no balcão para vender os valores de Deus.
O nosso jeito é o grito. O nosso jeito é o jeitinho. O nosso jeito não é o jeito de Deus. O nosso jeito tem um nome: pecado, porque baseado no mais deslavado egoísmo. Do nosso jeito está errado e como é duro admitir que nossas intenções boas, na verdade, são filhas da carne.
Imaginemos o seguinte diálogo numa dupla de oração, em que você se põe no lugar de quem está com um problema e pede a intervenção de Deus.
— Já estudei todas as alternativas e não vejo como uma delas pode dar certo. Tenho feito o esforço máximo, mas sinto que as coisas não dependem de mim.
— Você está disposto a deixar Deus tomar conta disso e fazer do jeito dEle?
Pondo-me no lugar, qual seria a minha resposta? Pondo-se no mesmo lugar, qual seria a sua resposta? Estamos deixando Deus fazer as coisas, abrindo mão de nossa paixão por realizar?
Estamos dispostos a viver conforme a palavra do Senhor a Jeremias? Gostemos ou não dessas ordens, nós obedeceremos ao Eterno, o nosso Deus, com quem você vai falar em nosso favor. Se obedecermos ao Eterno, tudo correrá bem para nós. (Jeremias  42.6) Acreditamos que obedecendo tudo correrá bem para nós?
Estamos cientes de qual é a nossa escolha: Vocês sabem muito bem que, quando se entregam a alguma pessoa para serem escravos dela, são, de fato, escravos dessa pessoa a quem vocês obedecem. Assim sendo, vocês podem obedecer ao pecado, que produz a morte, ou podem obedecer a Deus e ser aceitos por ele. (Romanos 6.16) Queremos ser aceitos por Deus? Obedeçamos à Sua voz.
Os cristãos somos aqueles que, embora andando na carne (no sentido de vivermos a nossa natureza decaída), não militamos segundo a carne, isto é, não temos prazer em seguir as suas inclinações. Para tanto, precisamos do poder de Deus em nós, poder capaz de destruir fortalezas, anulando os sofismas e toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo, até nos submetermos completamente a Cristo. (2Coríntios 10.3)

5. O Espírito nos convida à paixão por compartilhar. Ele sabe, e nós o sabemos também, que o natural em nós é a paixão por reter.
Os mais vividos se lembram do modelo econômico implantado nos anos 70, segundo o qual era preciso fazer o bolo da riqueza nacional crescer para depois distribuí-lo. Todos sabemos que até hoje esse bolo não foi distribuído. No plano pessoal também é assim. Se formos esperar para termos o suficiente para então repartir nunca repartiremos. Sempre precisamos de mais.
Se fomos esperar para sermos santos o suficiente para impactar os outros com a nossa santidade, nunca o faremos. Se formos esperar para que o caráter de Cristo esteja completamente formado em nós para que então exames este perfume, nunca o faremos.
Assim como somos, devemos levar as cargas uns dos outros, em obediência à lei da graça de Cristo (Gálatas 6.2) E se o fizermos, demonstraremos que estamos crescendo. Os egoístas crescem para dentro. Os altruístas, porque turbinados pelo Espírito Santo, crescem em direção à estatura de Cristo (Efésios 4.13)
Quando se manifesta em nós a paixão por compartilhar, nós sentimos, como Paulo, as dores de parto pela formação de Cristo no outro. É desse modo, não apenas adorando, que a Igreja pode ser a comunidade criada por Deus para a formação de Cristo em nós.

4. CONCLUSÃO
Nós recebemos o oferecimento de sermos revestidos (novamente vestidos) do Senhor Jesus Cristo, para que não nos disponhamos a viver segundo as paixões de nossa carne, isto é, de nossa inclinação natural (Romanos 13.14), mas para a adoração, para confiança, para o crescimento, para a obediência, para o compartilhamento.
Neste caminho de santidade, precisamos nos lembrar que “nenhum elemento da dinâmica da carne pode ser melhorado. Eles podem ser identificados, mas só para ser abandonados, odiados, mortificados, jamais consertados ou socializados. A verdadeira transformação rumo à dinâmica do Espírito depende de ajuda externa, e essa ajuda já foi dada” (Crabb, p. 146), quando fomos tornados filhos de Deus.

Afinal, os que se inclinam para a carne cogitam das coisas da carne; mas os que se inclinam para o Espírito [cogitam] das coisas do Espírito. Porque o pendor da carne dá para a morte, mas o do Espírito, para a vida e paz. Por isso, o pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar.
Portanto, os que estão na carne não podem agradar a Deus. Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de Deus habita em vós. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele.
Se, porém, Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado, mas o espírito é vida, por causa da justiça. Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do seu Espírito, que em vós habita.
Assim, pois, irmãos, somos devedores, não à carne como se constrangidos a viver segundo a carne. Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis.
Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai. O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. (Romanos 8.5-16)

Nós temos o poder do Espírito Santo. Cristo pode ser formado em nós.