ACADEMIA DA ALMA 2.0 — Encontro 13: A sociedade dos meus sonhos

ACADEMIA DA ALMA 2.0

Encontro 13

 

Síntese:

A SOCIEDADE DOS MEUS SONHOS 

Que mundo eu imagino e desejo? 

 

Sabedoria bíblica:

“Vi ainda todas as opressões praticadas debaixo do sol: vi as lágrimas dos que foram oprimidos, sem que ninguém os consolasse; vi a violência na mão dos opressores, sem que ninguém consolasse os oprimidos”. (Eclesiastes 4.1)

 

Decisão: LUTO!

 

 

Nunca me esquecerei.

Numa revista da Escola Bíblica Dominical, o autor citou Deuteronômio 15.11:

 

“Nunca deixará de haver pobres na terra. Por isso, eu ordeno a vocês que, livremente, abram a mão para o seu compatriota, para o necessitado, para o pobre que vive na terra de vocês”.

O professor usou a primeira parte do versículo para condenar todo esforço pela justiça. Ao fazê-lo, negou o texto.

Revoltante.

 

Há muitos anos (década de 80 do século 20), preguei numas regiões mais pobres do Brasil (vale do Jequitinhonha, MG) sobre o projeto de Deus para a sociedade, a partir de Isaías 65.17-25).

Quando terminei, um jovem se acercou de mim para dizer que essa profecia era para o milênio, ano para agora.

Preocupante.

Revoltante e preocupante porque Jesus disse que veio “para evangelizar os pobres” e “proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos” (Lucas 4.18). 

E ao longo de 20 séculos temos espiritualizado cada palavra de Jesus. Os pobres são aqueles que não tiveram um encontro com o Salvador; os cativos são domados pelo vício, os cegos são os que não querem ver a bondade de Deus e os oprimidos são os possuídos por Satanás. Podemos honestamente concordar com esta interpretação?

Uma profecia de Isaías, proferida há 27 séculos, é lida de tal modo que simplesmente a nega:

Na sociedade que o Deus Eterno deseja, os trabalhadores “construirão casas

e nelas habitarão; plantarão vinhas e comerão o seu fruto. Não construirão

para que outros habitem, nem plantarão para que outros comam. Porque a longevidade do meu povo será como a da árvore, e os meus eleitos desfrutarão ao máximo as obras das suas próprias mãos” (Isaías 65.21-22).

Como espiritualizar um sonho como este?

Que fazemos quando o próprio Deus Eterno revela seu modo de agir?

“Por causa da opressão dos pobres e do gemido dos necessitados, eu me levantarei agora, (…)  e porei a salvo aquele que anseia por isso” (Salmo 12.5)

Os autores bíblicos afirmam que “Ele faz justiça aos órfãos e às viúvas e ama os estrangeiros, dando-lhes comida e roupa” (Deuteronômio 10.18).

Esses autores garantem que o Deus Eterno  

“faz justiça aos oprimidos

e dá pão aos que têm fome.

Liberta os encarcerados.

Abre os olhos aos cegos,

Levanta os abatidos,

Ama os justos.

Guarda o estrangeiro,

Ampara o órfão e a viúva”.

(Salmos 146.7-9a)

 

No entanto, quando chegou ao Brasil e imperou por séculos, o cristianismo católico muito pouco fez para tornar essa terra uma nação de oportunidades iguais para todos.

Depois de ter se tornado um segmento quantitativamente relevante, o cristianismo evangélico não tornou melhor o nosso país.

Diante da omissão (ou perversão), o Deus Eterno deixa claro o que deseja dos que o amam:

“quebrem as correntes da injustiça,

desfaçam as ataduras da servidão,

deixem livres os oprimidos

e acabem com todo tipo de servidão?

(…) Repartam o seu pão com os famintos,

recolham em casa os pobres desabrigados,

vistam os que encontrarem nus

e não voltem as costas ao seu semelhante”

(Isaías 58.6-7)

 

Suas palavras são fortes:

“Eu odeio e desprezo as suas festas

e com as suas reuniões solenes não tenho nenhum prazer”.

 

Ele quer que “em vez disso, corra o juízo como as águas, e a justiça, como um ribeiro perene” (Amós 5.21 e 24)

 

É o que temos feito?

 

 

A LUTA PELA JUSTIÇA É PARTE DA FÉ

 

“Religião é o ópio do povo", garante um em sua análise. “Religião é para governar", quer outro em sua plataforma. “Religião é para enriquecer a alguns", mostra ainda outro com sua prática.

Quando Jesus nasceu, os governos usavam a religião para oprimir, mas ele veio para trazer liberdade. Sua gente e seus governantes faziam da religião um negócio. Escondidos pelos espetáculos que proporcionavam às pessoas, os reis se enriqueciam e oprimiam, enquanto faziam girar a roda dos espetáculos que proporcionavam. Todos gostavam porque mantinham longe as exigências de Deus e faziam o que queriam.

Antes de Jesus, um profeta — Amós — teve que gritar em praça pública que Deus não aprecia festas, solenidades, holocaustos, ofertas, sacrifícios e melodias, se essas manifestações não partirem de pessoas compromissadas com a causa da justiça (Amós 5). Adoração sem empenho pela justiça não passa de um esforço inútil para enganar a Deus.

Depois de Jesus, outro profeta — Tiago — demonstrou que corrompemos a religião quando nós a tornamos algo apenas individual e vertical, quando ela tem que ser individual, vertical e horizontal. Se nossa religião não for uma experiência de fazer a justiça correr como um rio, ela aborrecerá o coração de Deus.

Religião é sobre justiça.

Como escreveu John Wesley,

 

“Todo projeto para refazer a sociedade, que não se importa com a redenção do indivíduo, é inconcebível. E toda doutrina para salvar os pecadores, que não tem o propósito de transformá-la em guardiã contra o pecado social, é inconcebível”.

 

O profeta Miqueias (século 7 a.C.) resumiu o projeto de Deus para todos nós: que pratiquemos a justiça, amemos a misericórdia e andemos humildemente com Ele (Miqueias 6.8).

Jesus Cristo, quando aqui esteve, colocou em prática de modo perfeito estes requerimentos divinos para nós. De igual modo, devemos buscar a mesma perfeição na nossa vida. O que Deus espera de mim e de você?

Primeiro: que eu seja justo, que eu pratique a justiça, que eu promova a justiça, que eu me associe àqueles que defendem as causas da justiça. Justiça tem a ver com um envolvimento, com um empenho, com uma construção de uma sociedade boa, para que mais pessoas possam experimentar a alegria de viver. Ser cristão inclui uma participação nas causas da justiça e uma indignação contra a injustiça. É entender que a luta pela justiça é parte da fé. Não é ser alienado com relação às questões sociais, sobretudo com relação às crianças e aos pobres em geral. Ser cristão demanda a prática da justiça, que não é teórica, não é feita de palavras, mas de envolvimento, de prática, com colocar o  corpo a serviço da justiça.

Segundo: Deus espera de mim e de você a prática da misericórdia. A justiça é algo estrutural. A misericórdia é algo individual. É um exercício. Ser misericordioso é, diante da dificuldade do outro, seja ela espiritual, emocional ou material tratá-lo como se o sofrimento dele fosse seu, fosse meu. Jesus pregou um sermão em que disse que, quando você deu ao pobre um copo d’água, deu a ele. As pessoas perguntaram: “quando é que te vivemos com sede, te vimos nu, preso, enfermo, com fome”. Ele disse: quando você viu quem estava nesta condição e o socorreu. Isto é misericórdia, que não é algo adicional à fé, mas é algo intrínseco, interno, indispensável à fé cristã. Aprendemos com Tiago que nenhum de nós pode dizer que tem fé e não experimenta misericórdia em relação ao seu próximo.

Terceiro: ter uma religião que agrada a Deus é viver de modo humilde, que, segundo a Bíblia, é aquele que considera o outro superior a si mesmo. Quando o outro é superior a mim mesmo, eu me porto de modo humilde. Quando o outro é inferior a mim mesmo, eu me porto como alguém arrogante, que se considera mais do que outro, como alguém que não é igual, mas quando ele é superior a mim mesmo, sabe mais do que eu, tem mais do que eu, então eu me porto diante dele de modo humilde.

Temos um desafio. Queremos fazer o que Deus espera de nós? Devemos promover a justiça, sentir e agir com misericórdia e nos tratar uns aos outros de modo humilde.

Nada disto é feito apenas de palavras. Tudo isto só acontece quando, a partir de nossa consciência, nossas mãos, nossos pés e nosso corpos se movem em direção ao outro.

A religião cristã é essencialmente uma religião de caráter social.

Sem este envolvimento, sem esta misericórdia, sem este relacionamento humilde, nós não estamos fazendo aquilo que Deus requer de nós.

Peçamos a Ele que nos ajude a viver conforme deseja que vivamos.

 

 

A JUSTIÇA COMEÇA EM CASA

 

Todos queremos um mundo justo. E a justiça começa na nossa casa.

Se temos pessoas que nos prestam serviços — fixos, diaristas ou temporários —  precisamos avaliar como os tratamos.

A primeira coisa que podemos fazer é agradecer por eles. Sua colaboração nos libera para fazer outras coisas.

Precisamos ver esses colaboradores como pessoas dignas, mesmo que mais pobres que nós ou menos instruídos que nós.

Devemos nos interessar pelos seus direitos e orientá-los quanto aos seu direitos, que alcancem o nossos deveres para com eles.

Temos que lhes pagar direitinho a remuneração combinada, sem atrasar.  Precisamos tratá-los como gostaríamos de ser tratados.

Se pudermos, devemos ir além da lei.

Devemos assumir que são necessitados, mas nunca humilhá-los, reclamando, por exemplo, da comida que comem à nossa mesa. Eles portam a dignidade que o Criador lhes conferiu.

Deve ecoar em nossa mente as palavras sagradas:

“Não se aproveitem do pobre e necessitado”. (Deuteronômio 24.24-25)

A prática da injustiça é o recurso dos poderosos para manterem o que arrancaram. Os governos existem para administrar a justiça e tornar melhores as vidas dos cidadãos, mas muitos acabam sob controle de aves de rapina teleguiadas por grupos interessados tão somente em proteger os seus interesses.

As empresas existem para organizar as trocas, para que continue havendo produção e consumo, compra e venda, trabalho e remuneração, progresso e satisfação, mas muitas aviltam as relações e tratam pessoas como se fossem mercadorias, por meio do engano, ao ponto de escravizarem mentes e mãos.

As pessoas existem para tratar as outras como iguais, mas algumas se acham melhores e se impõem pela força da palavra, do músculo ou do dinheiro.

Quando a injustiça dói em nós, precisamos publicar a nossa dor. Quando a injustiça dói nos outros, devemos sentir a mesma dor. A algema que oprime um homem diminui todos os homens. Devemos ser enfáticos na luta contra a injustiça sempre que for praticada, não apenas contra nós, mas também contra os outros.

Assim, antes de gritar contra a injustiça, devemos primeiramente ponderar se ela foi realmente cometida.

Devemos nos levantar contra a injustiça, filha do casamento entre a crueldade e a omissão.

Devemos nos unir aos que buscam os ideais da justiça, guardando nossas diferenças.

Devemos agir com sabedoria, que não esqueça o que se pretende e que empregue os melhores métodos para a reparação da injustiça.

Devemos refletir sobre nossos gestos, para ver se são justos, atentos para não nos tornarmos aquilo que condenamos (Romanos 14.22).

Ao longo da experiência humana, cheia de pecado e graça, generosidade e crueldade, desigualdade e justiça, arrependimento e arrogância, os que aperfeiçoam a sociedade são, muitas vezes, considerados indignos (Hebreus 11.38).

A justiça é peregrina, acossada pela truculência, torturada pela mentira, menosprezada no engano, amordaçada pela violência, afligida pelo medo, enviada ao deserto, silenciada à força.

Por desejarmos o triunfo da justiça, chegamos a imaginar que a veremos aplaudida de pé pelo auditório da humanidade, que vezes sem conta mitifica os maus. Tristemente, a realidade pode ser muito mais amarga do que supomos.

Sem dúvida alguma, a injustiça é o maior desafio humano à bondade e à santidade de Deus. A injustiça é a vitória do mal.

O mal vence, mas, porque Deus existe e age, o mal perde no final. Pode ser que em nossa micro-história não vejamos a justiça acontecendo em nosso favor (Hebreus 11.39), o que certamente dói, mas na macro-história ela acontecerá em benefício de muitos, o que nos anima. 

Quando nós somos as vítimas, a dor da injustiça pode ser imensamente pesada para a alma e para o corpo. Neste caso, teremos que fazer uma escolha: existir como derrotados ou viver como vitoriosos. Não podemos permitir que os malvados nos digam como viveremos. Eles podem nos calar, mas interiormente podemos continuar cantando (Atos 16.24-25).

Vencemos quando vivemos na certeza da promessa que Deus tem o melhor para nós (Hebreus 11.40) e fará justiça (Salmo 37.6). Trata-se de uma questão de tempo porque Deus está vindo e vai implantar seu definitivo Reino.

 

 

O REINO DE DEUS: O QUE É

 

Primeira, recordemos o que Reino de Deus não é e, depois, o que exige de nós.

Para Jesus, o Reino de Deus não é a soberania de permanente de Deus sobre o mundo, fundado no ato da criação; antes, é a soberania de Deus plenamente realizada, definitiva no fim dos tempos, que, enquanto acontecimento, se tornou “próximo” (Marcos 1.15), “irrompe” (Mateus 12.28; Lucas 11.20), “vem”(Lucas 22.18) “com poder” (Marcos 9.1).

O Reino de Deus não é uma teocracia nacional e terrena, religiosa e política; antes, surge como a poderosa ação soberana do próprio de Deus; ninguém se pode convidar para o banquete. É Ele quem faz a semente crescer, graças ao seu poder. O Reino não é obra de pessoas humanas, mas de Deus.

O Reino de Deus não é algo possível de edificação pelo fiel cumprimento à lei; antes, surge como a poderosa ação soberana do próprio de Deus; ninguém se pode convidar para o banquete. É Ele quem faz a semente crescer, graças ao seu poder. O Reino não é obra de pessoas humanas, mas de Deus.

O Reino de Deus não é um julgamento vingativo sobre os pecadores e os sem-Deus; antes, é o acontecimento da salvação para os pecadores;

O Reino de Deus não exige do homem a obediência a uma lei moral nova e aperfeiçoada; antes, exige uma opção radical por Deus. Nada pode servir de obstáculo ao homem nesta decisão radical entre Deus e o Homem. Opta por Deus aquele que, liberto de toda a escravidão do mundo, se acha a todo o tempo disposto para Deus e para a sua exigência que se manifesta no amor ao próximo.

Quanto a nós, somos chamados a entrar no Reino, anunciar o Reino, viver segundo os valores do Reino.

O Reino de Deus exige decisão, opção pessoal, mas esta se faz no histórico e não no metafísico, no concreto e não no abstrato. É tarefa do cristão lutar pela justiça, mas sem identificar a sua justiça com a justiça de Deus, sob pena de relativizar o absoluto e de diluir por inteiro a transcendência no horizonte do concreto.

Optar pelo Reino é escolher a esperança, é adotar o amor ao próximo como projeto de vida, é afirmar a certeza da realidade de Deus diante do homem, é anunciar o próprio Reino onde o nome de Deus será realmente santificado; em que os pobres, os famintos e os espezinhados terão a sua vez; será o tempo da nova aliança, de justiça completa, de liberdade total, de amor verdadeiro, de reconciliação geral e de paz plena.

No Reino de Deus, o político tem lugar, não como absoluto, mas como relativo que, como a fé e a esperança que o movem, cessa. O anúncio deste reino se faz no concreto econômico e social; o anunciador vive os conflitos próprios e os do outro. É o mundo que aceita, mas quer melhor. É o seu mundo. Importa lutar por transforma, como exigência do Reino, não para implantar nem para apressar o reino, mas para cumprir o amor.

Sabemos que, por mais que trabalhemos, jamais construiremos uma sociedade justa. A oração de Jesus é clara: "venha o teu Reino". Não podemos edificá-lo, nem mesmo apressá-lo. Trata-se, não de construir o Reino de Deus, mas de propiciar ao homem, nas estruturas finitas vigentes, uma espaço para que ele se realiza como homem.

A certeza do "fracasso" nos deve impulsionar à luta pela transformação das estruturas injustas, para que nesse ínterim, enquanto trabalha pelas novas estruturas, não deixará ninguém desamparado de sua presença pela ausência de estruturas totalmente novas. 

Devemos nos esforçar para que a realidade sócio-política se adapte à exigência de Deus. Para sermos agentes de transformação, aquele que segue o Caminho precisa passar por uma renovação contínua de suas estruturas mentais. Esta renovação deve ser inspirada, executada e acompanhada pela presença do Espírito Santo e o resultado dela deve ser a fidelidade ao Evangelho.

 

 

SER EVANGÉLICO: O QUE É

 

Evangélico é quem crê nos Evangelhos como a narrativa clara dos atos e ensinos de Jesus.

Evangélico é quem segue os Evangelhos porque eles narram o que Jesus espera de todos os seres humanos.

Evangélico não é quem canta músicas evangélicas, quem lê a Bíblia regularmente, quem participa de cultos frequentemente, quem ora com fé a Deus.

Evangelico não é quem crê uma coisa e pratica outra.

A prática requerida do evangélico é bem clara.

Ele canta músicas de louvar a Deus e está compromissado com as causas da justiça, na teoria e na prática.

Ele ora a Deus para ser bem-sucedido nos negócios e rejeita qualquer qualquer dinheiro que seja ganho mediante a opressão dos pobres.

Ele lê a Bíblia sistematicamente e não se corrompe e não corrompe, mesmo que, à sua volta, seja o que vê.

Ele reconhece a soberania de Deus sobre a sua vida e não aceita como naturais a violência e a maldade. Antes, luta para que haja paz e bondade no mundo.

Evangélico é quem sabe que a sua pátria definitiva não é estar e aguarda o céu.

Evangélico é quem reconhece que está a salvo das armadilhas que os maus lhe prepara.

Evangélico é quem confia que o pão de cada dia lhe será dado e por ele pede.

Evangelico é quem espera que, na hora da sede, sempre terá que beber, posto diante dele pelo Senhor de todas as fontes.

 

Israel Belo de Azevedo