Tolerância

Tolerância; 

Todos os dias somos surpreendidos com manifestações de intolerância.

 

Eu tolero. Tu toleras?

 

Pessoas são depreciadas, diminuídas, xingadas por causa de sua etnia, do seu corpo (gordo, magro, deficiente) ou da sua fé.

 

Apesar disto nós nos achamos esclarecidos (não somos da classe dos “homo sapiens”?).

Um dia desses, por exemplo, o jogador Gabigol, do Flamengo, foi chamado de “macaco”, um termo preferido nos estádios de futebol, para dizer que este ou aquele jogador é inferior por ser negro.

 

A atitude deveria inexistir até porque se tem um ofício em que a democracia racial é ampla é no esporte, particular no futebol no caso brasileiro.

 

Não pensemos que a intolerância só aconteça no futebol ou na política. Ela está presente fortemente também no campo da religião, onde deveria estar totalmente ausente, uma vez que ela prega o amor e amor como seus valores absolutos.

 

Comecemos pelo futebol.

 

O futebol desperta nossas emoções e quase todos nós torcemos por um time.

Nosso time não é melhor, embora possamos ter certeza disto, nem pior que os outros, embora outros afirmem que sim.

 

Trata-se de uma questão de coração, desde a infância.

 

Os jogadores saem para brilhar em outras agremiações, mas nós não os acompanhamos, porque permanecemos fiéis ao nosso clube.

 

Nosso time ganha e perde. Quanto torcemos por ele, no estádio ou no sofá, nós vibramos, nós choramos, nós aplaudimos, nós lamentamos.

 

É do jogo.

No entanto, muitos, ao torcerem, xingam os jogadores ou os torcedores do outro time. Alguns atacam a honra dos juízes, como se fossem os responsáveis por uma derrota.

 

Outros fazem da admiração por seu clube o espaço para mostrarem o que têm de pior, como chulices, ódios e preconceitos e até mesmo pancadarias, bombas e tiros.

 

Todos devemos colocar o futebol no seu lugar.

Futebol é um jogo, que praticamos ou vemos.

Futebol é diversão, para deixar a vida mais prazerosa.

Futebol é economia, pelo dinheiro que os torcedores lhe aportam.

Futebol é campo para alegria e tolerância, nunca para discriminações e ataques, violências e brigas.

 

Agora, a religião.

 

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Infelizmente também, território para a intolerância é a religião.

No caso da religião cristã, todos acreditam que Deus criou o mundo. Como um grupo acha que aconteceu tudo num momento e outro pensa que foi por um processo, criacionistas e evolucionistas se hostilizam.

 

Todos creem que Deus é o autor da salvação. Como um acha que Deus determinou previamente quem será salvo e quem não será e o outro propõe que Deus deixou a salvação como uma escolha da liberdade, calvinistas e arminianos se enfrentam.

 

Todos aceitam que sua salvação se deu por uma ação generosa do Espírito Santo. Quem considera ter recebido o Espírito Santo no momento de sua conversão é chamado de tradicional” ou intelectual. Quem considera que recebeu o Espírito Santo num momento posterior, quando falou em línguas, é chamado de pentecostal” ou emocional.

 

Todos confiam que o Evangelho muda as pessoas. Como um entende que o Evangelho visa a conversão interior e outro está seguro que a Graça visa a transformação social, eles gritam um para o outro: alienado!”, comunista!”.

 

Só haverá tolerância aqui quando vivermos como se estivéssemos na festa celestial, onde essas questões pelas quais não devíamos nos desentender não têm nenhum valor.

 

Vamos tolerar?

 

Sem dúvidam, a intolerância é filha da superioridade.

 

Ela nasce quando achamos que nossa pátria é superior às outras, a cor da nossa pele é mais bonita que as outras, a nossa religião é melhor que as outras, o nosso time é melhor que os outros, a nossa ideologia é mais certa que as outras, minha arte é mais bela que as outras.

A intolerância é filha do medo.

 

Ela aparece quando achamos que nossa pátria corre risco, a cor de nossa pele não é respeitada como superior, nossa religião perde terreno para outras, nosso time deixa de receber os aplausos de todos, a nossa ideologia cai em descrédito diante de outra, nossa arte não é mais apreciada.

 

A intolerância é filha da irracionalidade. Como não temos certeza do que cremos, pelo que torcemos, do que pensamos, do que apreciamos, partimos para nos impor pela força.

 

A intolerância é filha da insegurança. Quando vemos que pátria e cor da pele são apenas circunstâncias, usamos a violência para afirmar nacionalismos inúteis e racismos odientos.

 

Quem sabe quem é, em quem crê e o que pensa é seguro o suficiente para respeitar e valorizar os outros, em suas diferenças e em suas crenças, na concordância e na divergência, marcas que nos tornam autêntica e ricamente humanos.

 

Por isso, gosto do que escreveu Mary Ann Evans(1819-1880). Lembro que ela assinava seus livros como homem (George Eliot), porque em sua época as pessoas não prestavam atenção a autoras. Ela escreveu: “a responsabilidade da Tolerância está com os que têm a visão mais ampla”.

 

Gosto também da recomendação de uma professora universitária brasileira (Sorele Fiaux), que me disse o seguinte:

 

Se um assunto ainda não está totalmente esclarecido, identifique suas próprias convicções, compare com as dos demais e exponha-se à discussão com mente aberta e tolerância. Com certeza o entendimento do assunto aumentará”.

 

Tolerância como espiritualidade

 

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Pensando em termos cristãos, a tolerância é uma forma de espiritualidade.

 

Niels H. Soedeixou esta verdade bem clara quando disse:

 

“A base da liberdade religiosa se demonstra pelo simples fato que Cristo não veio com esplendor celeste e majestade humana para subjugar qualquer possível resistência e obrigar a todos à sujeição".

 

Se queremos ser tolerantes, temos um dever preliminar a fazer: pedir a Deus a capacidade de conviver com o outro, mesmo que pense diferentemente de nós.

 

Conviver com a diferença inclui a liberdade ideológica, ética, estética, ética e religiosa. Não devemos reprimir ou discriminar qualquer minoria ou maioria. Quando restringimos a liberdade do outro, estamos autorizando que suprima a nossa também.

 

Jesus e os primeiros cristãos praticaram o princípio e a prática da liberdade religiosa. Nunca perseguiram ninguém. Jesus pediu que sequer reagissem quando fossem perseguidos (Mateus 5.10-12).

 

A liberdade religiosa é e deve ser uma consequência da fé cristã, embora o natural em nós seja pedir fogo do céu (Lucas 9.54) para punir os que pensam ou fazem diferente de nós. Mas este fogo nunca nos é dado.

 

Tendemos a achar que quem pensa diferente de nós é contra nós. Por isto, brigamos. Famílias, empresas, igrejas e comunidades são divididas pela intolerância.

 

O espiritual é saber que nós mesmos podemos nos tornar em adversários de Deus, pelo que temos que pedir a Ele que nos ajude a viver como Ele quer. A melhor maneira de combater o erro é viver de modo certo.

 

Tolerar não é aceitar o pecado, mas amar e aconselhar o pecador e deixar que siga o seu caminho, mesmo que não seja, no nosso entendimento, o melhor

 

Precisamos conjugar o verbo tolerar:

Eu te tolero.

Você me tolera.

Nós nos toleramos.

 

Israel Belo de Azevedo