2Crônicas 6 e 7: QUANDO A GLÓRIA DE DEUS NOS ENCHE

1. INTRODUÇÃO

Os cristãos vivemos uma certa nostalgia da glória de Deus. É por isto que fazem tanto sucesso os promotores de espetáculos litúrgicos. Nós queremos ver, cheirar, tocar, ouvir e saborear a glória de Deus. Os antigos chamavam a toda manifestação espetacular presença de “teofania” (Deus aparecendo).
Para os caçadores de sinais, só o deus alcançável pelos sentidos do corpo é Deus. Eis o que nos estão a dizem aqueles que vivem dos sinais visíveis do Senhor. Jesus, Deus visível, enfrentou esta dinâmica humana. A cada milagre que fazia, a multidão esperava um milagre ainda maior. Foi por isto que Ele lhes pediu arrependimento e não aquele tipo de credulidade incapaz de um compromisso.
Enquanto alguns anseiam por esta teofania, pulando de circo em circo, outros a têm relegado, tratando-a como se fosse um estágio primário da revelação de Deus. Segundo esta visão, hoje, por já nos ter dado o Seu Verbo e a Sua Palavra, Ele não precisa mais lançar mão da fumaça e do fogo para ser notado pelos homens. Assim, devemos ler os relatos teofânicos, não como manifestações sólidas da presença de Deus, mas como produtos próprios da imaginação que o vê. A razão expulsou Deus para o território da poesia.
Permanecemos pendidos sob a emoção e a razão; continuamos cindidos entre a poesia e o concreto, como se fossem sensações e percepções antitéticas entre si.

2. O DEUS QUE SE MANIFESTA

O texto de 2Crônicas 7, que deveria ser lido junto com os capítulos 1 a 5 e também de 1Crônicas 28e 29, nos ajuda a sair deste impasse criado por visões excessivamente emocionalista ou racionalista. Este capítulo é o fechamento de um ciclo histórico em torno da construção do majestoso templo de Jerusalém por Salomão.
O capítulo 28, de 1Crônicas, apresenta os planos arquitetônicos para o templo. O capítulo seguinte registra as ofertas trazidas voluntariamente para esta construção. Os capítulos 2 e 3 narram a epopéia da edificação e do mobiliamento do santuário, resumidas na seguinte informação: Assim, se acabou toda a obra que fez o rei Salomão para a Casa do Senhor; então, trouxe Salomão as coisas que Davi, seu pai, havia dedicado; a prata, o ouro e os utensílios, ele os pôs entre os tesouros da Casa de Deus (2Crônicas 5.1).
Com a Casa pronta, o ato seguinte foi trazer a arca do Senhor para o interior do templo, colocada sob as asas dos querubins esculpidos (2Crônicas 5.7). Sinal da morada de Deus, a arca continha as duas tábuas do Sinai (2Crônicas 5.10).
Todos prorromperam em cânticos por poderem providenciar, com santo orgulho, um lugar para a arca da aliança, que vagara com o povo de Israel por sete séculos sem um lugar fixo. A colocação da arca do Senhor no templo do Senhor era a mais clara evidência de que o Senhor é bom e para sempre duradoura a sua misericórdia (2Crônicas 5.13).
Com a introdução da arca no templo, aconteceu, então, um fenômeno conhecido do povo de Israel ao tempo dos patriarcas, mas desconhecido na era dos reis. A presença de Deus se manifestou por meio de uma nuvem grossa, como era comum no deserto.
Em meio a este clima de grande emoção e comoção, Salomão fez a oração de dedicação do templo. Ele ficou de joelhos e estendeu as mãos sobre a congregação e fez uma das mais belas e completas orações da Bíblia (versos 6.12-42), que termina assim: Agora, pois, o meu Deus, estejam os teus olhos abertos, e os teus ouvidos atentos à oração que se fizer deste lugar. Levanta-te, pois, Senhor Deus, e entra para o teu repouso, tu e a arca do teu poder; os teus sacerdotes, o Senhor Deus, se revistam de salvação, e os teus santos se alegrem do bem.
Quando acabou a sua oração, o fogo desceu sobre o altar e consumiu os sacrifícios, de modo que ninguém mais teve dúvida de que Deus estava ali, em toda a sua visibilidade, embora não pudesse ser visto (verso 7.1). Diante daquela esplendorosa beleza, sempre de pé, todos os filhos de Israel, vendo descer o fogo e a glória do Senhor sobre a casa, se encurvaram com o rosto em terra, e adoraram, e louvaram o Senhor, porque é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre (verso 7.4). O culto durou sete dias.

3. O QUE NOS TRANSFORMA

Se o aparecimento de Deus nos impressiona, como impressionou os contemporâneos de Salomão, que ficaram estonteados, a oração de Salomão, que antecedeu a esta manifestação, também nos deve impactar.
Deus se faz visível na sua manifestação e também nos seus atos, às vezes coletivos, às vezes subjetivos.
A visibilidade de Deus, como aprendemos com Salomão (versos 6.12-41), consiste em transformar nossas vidas, de modo que possamos, nós, imperfeitos, ter um relacionamento com o Perfeito.
Por isto, podemos dizer que:

1. A glória de Deus consiste na Sua manifestação espetacular mas também em ouvir as nossas orações. Em sua súplica, Salomão pede que Deus ouça ao seu povo. A resposta veio de forma espetacular, porque a oração é algo espetacular.

Quando oramos e entramos na presença de Deus, nós trememos. A força do Seu poder penetra nossos poros. É como se nos elevássemos; é como se levitássemos. Oração é emoção; é o encontro de nosso espírito com o Espírito de Deus

Não falo aqui da oração abra-cadabra, feita de palavras-chaves para abrir o coração do Pai. Não precisamos deste tipo de oração, porque o Seu coração já está aberto para os nossos. Este tipo de oração só agrada a quem a faz, nunca a Quem a recebe. Quem ora assim se engana, mas Deus não se deixa enganar. Precisamos rever nossas orações. Não existe a oração que funciona e a oração que não funciona, porque o nosso Pai não é um mágico cujos truques procuramos descobrir por meio de palavras.

Não falo aqui da oração burocrática, feita de palavras repetidas e de duração bem curtinha. Só por curiosidade, esta oração de Salomão tem 5 mil caracteres. Deve ter durado, quando feita, perto de uma hora, porque temos aqui mais um resumo do que a íntegra, porque não foi escrita originalmente, mas anotada a partir da experiência real. Não há como entrar na presença de Deus com oraçõezinhas para constar. Precisamos parar de achar que Deus é bobo e brincar de oração.

Falo, então, da oração feita de exaltação do ser de Deus, como fez o filho de Davi: O Senhor, Deus de Israel, não há Deus como tu, nos céus e na terra, como tu que guardas a aliança e a misericórdia a teus servos que de todo o coração andam diante de ti;  que cumpriste para com teu servo Davi, meu pai, o que lhe prometeste; pessoalmente, o disseste e, pelo teu poder, o cumpriste, como hoje se vê (versos 6.14-15). É assim que devemos comparecer perante o Senhor, com a certeza de que com Ele não há outro, como Ele ninguém mais faz, na história sagrada universal, mas na história sagrada de cada um de nós. Salomão compareceu diante de Deus como Aquele que cumpria o que prometia, cumprimento que prazerosamente experimentava sobre si.

2. A glória de Deus consiste na Sua manifestação espetacular, mas também em nos sustentar em nossas lutas. Em sua súplica, Salomão menciona as duas atividades centrais do povo de Israel: a agricultura e a guerra. A atividade agrícola dependia, e depende, da regularidade das chuvas, enquanto as vitórias militares precisavam de estratégia, equipamentos e recursos humanos.
Tudo o que o povo queria era que Deus o sustentasse no campo do cultivo e no campo das armas. Salomão ensina o povo, então, a confiar que o sustento e a vitória viriam, desde que houve trabalho e dependência, oração e ação. Israel esperava esta glória.
Por vezes achamos que Deus deveria impedir que os problemas da vida nos alcançassem. Então, ficamos um pouco (ou muito) decepcionados com Ele. No, entanto devemos admitir que há muitos problemas que não nos alcançam. Deles nos livra deles e sequer ficamos sabendo. Pensemos nisto. Nós só tomamos conhecimento daqueles que nos atingem. Nem sequer podemos agradecer a Deus pelos livramentos que não chegamos a ver.
Assim mesmo, somos atingidos por algumas (ou por muitas) dificuldades. Diante deles, Deus nos equipa para os suportarmos. Como o povo de Israel, nós precisamos e experimentamos os cuidados de Deus. Sim, o cuidado de Deus é uma manifestação da Sua glória. Quando os céus estão se abrindo sobre nós, é Deus se manifestando, embora tendamos a pensar que é a natureza produzindo os seus frutos, embora achemos que tudo decorreu de nossa competência. Quando as vitórias sobre os problemas ocorrem, é a glória de Deus nos alcançando. Nem sempre os céus se abrem com trovões, nem sempre as vitórias acontecem com fogos de artifício, mas mesmos assim continuam sendo teofanias, aparecimentos de Deus, sobre as nossas vidas. Por isto, muitas vezes os céus se abrem, as vitórias acontecem, e nós continuamos sisudos, e nós permanecemos pedindo o que já recebemos. Para muitos de nós, Deus só pode agir espetacularmente….

3. A glória de Deus consiste na Sua manifestação espetacular, mas também em nos restaurar à comunhão com Ele. Lembra Salomão que o Sennhor conhece os nossos corações (verso 6.30) e sabe como das nossas dificuldades em viver segundo os Seus caminhos todos os dias das nossas vidas (verso 6.31). Se tivéssemos que escolher qual a principal virtude de Deus que mais o distingue dos seres humanos, poderíamos anotar esta: a capacidade de perdoar. Ele nos perdoa porque quer viver em nossa companhia. Ele não quer viver longe de nós. É por isto que insiste para que vivamos segundo os Seus preceitos.
Ao longo da sua oração, Salomão pede que Deus ouça o seu povo, mas sabe que isto só acontecerá com a confissão dos erros deste povo. Deus não brilha onde há pecados não confessados, porque enquanto não os confessamos, nós vivemos neles. A santidade divina não consegue conviver com o pecado humano. Ele sabe que não há uma pessoa sequer que não tenha pecado; eis o que diz Salomão (verso 6.36, antecipando em mil anos o apóstolo Paulo (Romanos 3.23). O nosso pecado é um atentado à dignidade de Deus. O nosso pecado provoca a sua indignação (verso 6.36), porque o nosso pecado nos afasta dEle e nos faz viver de um modo que não o modo que Ele nos criou.
No entanto, esta mesma capacidade divina de se emocionar para a indignação se celebra na sua disposição pronta para nos perdoar. Por isto, as nossas orações precisam conter a dimensão da confissão, para que estejamos livres para entrar na presença de Deus e ver a sua glória. Quando nós lhe pedimos perdão, Ele nos absolve e então podemos ver o seu fogo queimando os nossos pecados. O seu perdão é Deus abrindo seus abraços, com um largo sorriso, como a dizer: “Ah! Como eu esparava para este momento. Vem”.
Há que haver um momento em nossas orações  para a confissão dos nossos pecados. Antes de orar, façamos uma revisão dos últimos minutos ou horas e nos perguntemos: em que ofendemos a Deus? Nossa oração, então, será também um pedido de perdão. A resposta será a nossa restauração diante dEle (verso 6.27). A glória de Deus consiste em nos ouvir e nos perdoar. Não há perdão sem confissão, mas confissão que seja um real reconhecimento de que pecamos, e perversamente procedemos, e cometemos iniqüidade; e se converterem a ti de todo o seu coração e de toda a sua alma (verso 6.37).
Como seriam as nossas vidas se Deus não nos aceitasse de volta? Seríamos como aquele filho pródigo da parábola de Jesus, condenado por sua própria decisão a viver distante do Pai. A glória de Deus consiste em nos restaurar à Sua presença, restauração que acontecerá quando deixarmos os nossos caminhos para trilhar os seus caminhos.

4. PARA QUE A GLÓRIA DE DEUS SE MANIFESTE

Deus, em sua resposta a Salomão, põe as condições para que Sua glória nos alcance. Estas condições estão sintetizadas magistralmente em 2Crônicas 7.14: se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e me buscar, e se converter dos seus maus caminhos, então, eu ouvirei dos céus, perdoarei os seus pecados e sararei a sua terra.

1. A glória de Deus nos enche quando nos identificamos com Ele (se o meu povo, que se chama pelo meu nome… — 2Crônicas 7.14)
Esta identificação significa que devemos os nossos nomes ao Seu nome. Na linguagem do profeta Sofonias, Deus nos dá um nome, o seu próprio nome. (Eis que, naquele tempo, procederei contra todos os que te afligem; salvarei os que coxeiam, e recolherei os que foram expulsos, e farei deles um louvor e  um nome em toda a terra em que sofrerem ignomínia. — Sofonias 3:19).

Esta identificação nos constitui: nós somos o povo de Deus. Segundo um salmista, nós somos povo do seu pasto e ovelhas de sua mão (Salmo 95.7). Ele é mesmo o nosso Pastor (Salmo 23.1). Ser seu povo não significa que Ele nos pertence, mas que nós Lhe pertencemos. Foi isto o que ele mesmo disse aos pioneiros do deserto: Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha (Êxodo 19.5) O apóstolo Pedro, três mil anos depois, nos descreveu como: raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus; assim fomos feitos para proclamar as virtudes daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1 Pedro 2.9).
Ser povo de Deus não nos deve encher de orgulho (como, por vezes, se ouve), mas de esperança. Como Suas ovelhas, a voz que importa ouvir é a Sua. Como Suas ovelhas, estamos guardados na palma da Sua mão. Como nosso Pastor, Ele cuida de nós. Como nosso Pastor, Ele provê as condições para que vivamos bem, que é o seu propósito para nós.

Esta identificação significa também que somos aqueles que chamamos pelo seu nome. Aprendemos a prática de invocar (clamar, chamar) o seu nome com Abraão, desde quando fixou sua tenda em Betel, há quatro mil anos (Gênesis 2.8). Elias nos ensinou também o que é invocar o seu nome: enquanto seus adversários berraram para que Baal se manifestasse; o profeta de Deus apenas orou a Ele e a sua glória consumiu tudo o que devia ser consumido no altar e em seu redor. Nesta oração, Salomão nos encaminha na mesma direção.

Esta identificação significa ainda que portamos o seu nome, como uma etiqueta gravada em nós. Onde quer que estejamos, dentro e fora das igrejas, somos o povo de Deus. Pedro não pôde esconder sua condição de discípulo de Jesus; Jerusalém era pequena demais para que ele pudesse se esconder. Hoje as condições para o auto-escondimento são maiores. Há muitos cristãos que arrancam do seu corpo a marca da propriedade exclusiva de Jesus. O choro de quem assim procede serão tão amargo quanto o de Pedro. Não precisamos ter vergonha. O nome que portamos é nome de amor, graça e luz; não há necessidade de o escondermos.
Antes que um peso, portar esta marca é um privilégio.
Nós somos o povo de Deus. Não podemos esquecer que Deus nos lega o Seu nome, que Deus nos constitui como Seu povo, que nós podemos invocar o seu nome, seja para exaltar o seu nome, seja para lhe pedir algo pelo poder do Seu nome.

2. A glória de Deus nos enche quando nós O buscamos (se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e me buscar… — 2Crônicas 7.14)
Precisamos de ir além de nos identificarmos como seu povo, para vivermos como um povo que busca a sua face.
Em Sua resposta, Deus espera que o Seu povo se humilhe, ore e o busque (verso 7.14). Estes três verbos são sinônimos ou indicam atitudes diferentes?
Gosto de pensar que são três momentos especiais de nosso relacionamento duradouro com Ele, desenvolvendo-se como uma gradação.

Humilhar-se é reconhecer os pecados cometidos contra Deus. Quando nos humilhamos diante de Deus, nós nos colocamos em nossos lugares. Quando nos colocamos em nossos lugares, nós colocamos Deus no Seu. Esta humildade significa reconhecimento dos nossos erros e exaltação da perfeição de Deus. Agora, então, podemos orar. Só podemos desenvolver a segunda atitude, tendo passado pela primeira. Só então podemos orar. É muito difícil orar porque é muito difícil a conjugação deste verbo na primeira pessoa (seja “eu me humilho”, seja “que eu me humilhe”).

Orar é travar com Deus um diálogo de desiguais, em que nós pedimos e esperamos, louvamos e descansamos. Orar é pedir por nós mesmos e pelos outros. Orar não é impor nossa vontade à de Deus. Antes, é esperar que o Espírito Santo conforme a nossa vontade à vontade do Pai (Romanos 8.27).
A oração é conseqüência de um estilo de vida. O estilo de vida de Deus é nos ouvir e responder. O estilo de vida de cada um de nós é considerar que não há uma decisão sequer de nossas vidas que não precise passar pelo crivo da aprovação de Deus, aprovação que obtemos por meio da oração. Quando tudo estiver bem em nossas vidas, devemos orar, agradecendo a Ele a dispensação de Seu favor para conosco. Quando, porém, não vier a chuva ou a natureza não der conta da produção para o consumo ou a doença nos atingir (verso 7.13), devemos orar, para que mande chuva, como Elias orou; para que nos proteja dos gafanhotos, transformando-os como alimentos, a exemplo do que fez para João Batista; para que nos ajude a superar as enfermidades, seja curando-nos delas, seja aliviando nossas dores, seja fortalecendo-nos para conviver com elas.

Buscar a face de Deus é ter prazer em estar em Sua presença. A festa da inauguração do templo tinha um sentido bem diferente do nosso: naquela época se acreditava que Deus morava no santuário para Ele preparado. Por isto, Salomão pôde proferir este solene convite: Levanta-te, pois, Senhor Deus, e entra para o teu repouso, tu e a arca do teu poder; os teus sacerdotes, o Senhor Deus, se revistam de salvação e os teus santos se alegrem do bem. (verso 6.41) E Deus aceitou o convite.
Agora, sabemos, cada um de nós é o santuário do Senhor. Aprendemos esta nova dimensão com Jesus Cristo, que se referia a si mesmo como santuário de Deus. Num dos seus diálogos, ele garante:

-- Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei.
Replicaram os judeus:
-- Em 46 anos foi edificado este santuário, e tu, em três dias, o levantarás?
Ele, porém, se referia ao santuário do seu corpo. (João 2.19)

O apóstolo Paulo solidifica esta doutrina, ao afirmar:

Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?
Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus, que sois vós, é sagrado. (1 Coríntios 3:16-17)
Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? (1 Coríntios 6.19)
Porque nós somos santuário do Deus vivente, como ele próprio disse: Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. (2 Coríntios 6.16)

Como conciliar Salomão e Paulo? Para Salomão, o santuário de pedra e barro era o lugar onde Deus podia descansar. Para Paulo, o lugar deste descanso é o coração de cada um de nós.
Em nossas práticas temos sido excessivamente vetero-testamentários. Temos crido mais no templo de Deus do que no Deus no templo. Nosso Pai não habita em templos feitos pelas mãos humanas (Atos 17.24), mas no ser humano que Ele edificou. Não encontramos Deus no templo se não O trazemos conosco.
O santuário hoje é todo espaço que se abre para a celebração da presença de Deus. Pode ser um templo, uma casa, um auditório. O Senhor nele está quando seus filhos nele estão. O convite precisa ser feito. Enquanto não o convidarmos, Ele continuará do lado de fora.
Não devemos valorizar demais o templo, nem menosprezá-lo como um monte de pedra e barro. Contudo, não podemos esquecer que o tempo e o espaço do templo têm um lugar especial na adoração ao Senhor e no conhecimento da graça e da verdade reveladas em Jesus Cristo. Neste sentido, estar no templo significa que temos interesse em separar uma parte do nosso tempo para dedicar exclusivamente a Deus. Estar no templo dedicado à adoração e ao estudo da Sua Palavra mostra que somos individualmente Sua habitação e que queremos ampliar dentro de nós o espaço para sua morada.
Se fôssemos perfeitos, não precisaríamos da igreja-templo. Porque não o somos, precisamos dele para que cresçamos nesta direção. Se fôssemos suficientes em nós mesmos e não precisássemos de ninguém, não precisaríamos da igreja-instituição. Porque não o somos, precisamos dela para que um ajude ao outro em sua caminhada
Aqueles que participamos da vida de uma igreja desde criança, cedo aprendemos um verso de um salmo: Alegrei-me quando me disseram: Vamos à Casa do Senhor (Salmo 122.1).
Em meio a tantas possibilidades, alegremo-nos em estar na casa separada para a adoração a Deus, para a compreensão da Sua graça, para a experiência da Sua glória. Busquemos ao Senhor no santuário do nosso corpo e no santuário de terra, cimento, madeira, pedra e tinta que Ele nos mandou edificar.
Olhemos para os lados, não com a perspectiva de nós mesmos, mas com a perspectiva do Deus a quem cultuamos. Quando olhamos para o nosso irmão, podemos nos lembrar de nossas diferenças; quando olhamos para o nosso irmão com o olhar de Deus, nós nos lembramos que Ele é o nosso Senhor e é a Ele que adoramos. Ao longo dos dois livros de Crônicas (I e II), a expressão “todo o Israel” aparece 36 vezes. A experiência de culto era uma experiência coletiva. As pessoas tinham diferenças entre si, mas adoravam como se fosse um só povo. É assim que devemos adorar a Deus, esquecendo nossas eventuais diferenças, para que o nosso Senhor seja exaltado.
Nós estamos aqui para buscar a face de Deus, não para nos incomodarmos com aquilo com que discordamos. Passamos muito pouco tempo aqui para nos importarmos demais com o que não tem a importância, comparada à contemplação da face de Deus.

3. A glória de Deus nos enche quando nós nos convertemos a Ele (se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e me buscar, e se converter dos seus maus caminhos… — 2Crônicas 7.14).
O quarto verbo da ação humana esperada diz respeito à conversão. Entre o tempo de Salomão e o nosso, não houve nenhuma mudança na vivência deste verbo. Ele não precisa ser adaptado, mas apenas vivido.
No contexto de Israel, converter-se significava voltar-se exclusivamente para Deus, abandonando de vez todos os ídolos e deuses dos povos vizinhos, e também seguir fielmente aos preceitos fixados por Deus. Quando os caminhos dos homens se opõem aos de Deus, devem ser abandonados imediatamente. Esta é uma verdade ainda para hoje.
A experiência da conversão se tornou mais acessível graças a Jesus Cristo. Os sacrifícios necessários no Antigo Testamento foram substituídos por um único sacrifício, feito pelo próprio Deus. Sua morte na cruz apaga de uma vez por todas todos os nossos pecados. Uma pessoa se converte, agora, então, na perspectiva cristã, quando reconhece o pecado, o pecado de recusar o caminho de Deus, e aceita o sacrifício de Jesus em seu lugar.
Se queremos ver a glória de Deus, se queremos ver o amor de Deus nos alcançando, precisamos aceitar este amor, dispondo-nos a nos por no caminho que Deus nos preparou. Este caminho é o próprio Jesus.
Não há outra maneira de termos um relacionamento pessoal com Deus a não ser abrindo mão de nossos caminhos, maus porque dominados por interesses apenas pessoais, e tomando como nossos os de Deus em Jesus Cristo por e para nós. O convite do Pai é direto a todos nós:
Inclinai os ouvidos e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá; porque convosco farei uma aliança perpétua, que consiste nas fiéis misericórdias prometidas a Davi. (Isaías 55.3)
Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados [dos problemas da vida e dos próprios caminhos] e eu vos aliviarei. (Mateus 11.28)
Não dá para entender porque tantos se recusam à conversão, porque tantos recusam a se voltar para Deus, porque tantos se conformam em carregar sozinhos os seus fardos, porque tantos preferem o vazio. Graças à insistência de Deus, há muitos que têm aceito o seu convite, têm deixado seus próprios caminhos, têm deixado os seus pesos ao pé da cruz de Jesus Cristo, têm sido perdoados dos seus pecados, têm começado uma vida nova, pondo-se no caminho que Deus preparou para que todos vejam a Sua glória.

4. A glória de Deus nos enche quando nós O louvamos.
Uma das coisas impressionantes nas palavras de Salomão é o seu prazer em ver o templo construído. Sua oração, neste momento, é impressionante: Levanta-te, pois, Senhor Deus, e entra para o teu repouso, tu e a arca do teu poder; os teus sacerdotes, o Senhor Deus, se revistam de salvação, e os teus santos se alegrem do bem. (6.41)
O nosso louvor é o repouso de Deus, desde que acompanhado de sinceridade e santidade.
Só pode louvar a Deus aquele que se humilha. Se não, será uma auto-exaltação, não exaltação de Deus.
Só pode louvar a Deus aquele que ora. Se não, será apenas um espetáculo, uma bela manifestação artística, mas incompleta, para servir de repouso ao nosso Senhor. Nós somos capazes de nos deliciar com a técnica de nossos lábios, mas Ele, que aprecia a técnica, quer ver o cântico na sua origem, no interior da intenção onde nasce.
Só pode louvar a Deus aquele que se converte. Se não, será no máximo um lamento, um serviço a uma idéia ou a uma causa.
Só louva quem tem prazer em estar em Sua presença. Mais que isso: só louva quem tem prazer no prazer de Deus. (2Crônicas 6.41)

5. CONCLUSÃO

Não precisamos ter saudade do Deus do Antigo Testamento, nem do Novo. Ele é o mesmo ainda. A glória de Deus é Sua presença visível, não importa se de forma interior ou espetacular. Antes, lembremo-nos que, no Antigo Testamento, as manifestações grandiosas (Êxodo 19.9; Levítico 16.2) eram necessárias porque Deus era Alguém que se escondia, para não ser idolatrado, isto é, para não ser transformado em ídolo.
No Novo Testamento, esta presença se tornou SEMPRE visível, por meio de Jesus Cristo (João 1.14)

2Crônicas 6 e 7:

Pregada na Igreja Batista Itacuruçá, em 10.6.2001 (manhã e noite).

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