O Congresso deve ratificar o acordo assinado entre o governo brasileiro e o Vaticano?

A Folha de S. Paulo (15.8.2009) recolheu duas opiniões em torno da seguinte pergunta: “O Congresso deve ratificar o acordo assinado entre o governo brasileiro e o Vaticano?”
Luiz Antônio Cunha, sociólogo da educação e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro,  respondeu “não”. O deputado federal Bonifácio de Andrada, relator do assunto na Câmara dos Deputados, disse “sim”.

LUIZ ANTÔNIO CUNHA escreveu:
No maior sigilo, a Santa Sé conseguiu extrair do governo brasileiro uma Concordata. E agora apressa o Congresso Nacional para que referende o tal acordo. E sem discussão. (…)
Não dá para acreditar que a Igreja Católica precise de uma Concordata para regulamentar sua atuação. No Brasil, onde ela desfruta de privilégios históricos, que interesses estariam ameaçados? Nenhum. Por quem? Por ninguém.
O que a Igreja Católica teme é o rápido aumento do número de evangélicos, de agnósticos e de ateus, correlativo à redução do número de católicos. Tentar reverter esse quadro é um direito de seus dirigentes, mas não instrumentalizando o Estado como na época do império, quando era religião oficial. (…)
Dos 20 artigos da Concordata, três tratam de temas especificamente educacionais. Aliás, a Igreja Católica é a única instituição que sempre fechou questão em torno do ensino religioso nas escolas públicas.
Dentre outras religiões e denominações cristãs, as igrejas evangélicas foram tradicionalmente contra a inclusão dessa disciplina nos currículos dos sistemas públicos de ensino. As igrejas pentecostais, mais recentes, não fecharam questão sobre isso — umas são manifestamente contra, outras se dividem.
O conteúdo do artigo 11 do acordo remete a algo que a cúpula da Igreja Católica já teve e quer de volta: reserva de mercado no ensino público. (…)
A Concordata obriga o Estado brasileiro a tomar partido numa luta que divide o campo religioso: o ensino deve ser confessional ou interconfessional? Ora, um Estado laico não pode se envolver num problema desse tipo, que só diz respeito ao campo religioso — portanto, privado.
(..) O Congresso tem três boas razões para rejeitar a Concordata: ela é inconstitucional, porque feita com uma instituição religiosa, o que é vedado; ela é desnecessária para a livre prática do culto católico romano; e ela cria problemas com os crentes e os não crentes justamente onde há entendimento e tolerância.
(Leia a íntegra do artigo aqui)

BONIFÁCIO DE ANDRADA anotou:
O GOVERNO brasileiro, desde 2006, manteve contatos com a Santa Sé de personalidade jurídica internacional para a celebração do acordo referente à Igreja Católica no Brasil. (…) É um tratado internacional com dispositivos que asseguram garantias ao culto religioso e ainda regularizam a personalidade jurídica das instituições eclesiásticas de acordo com a legislação.
Acordos desse tipo são hoje comuns mundialmente, sobretudo no Ocidente, para garantir ao povo o direito às suas crenças.
O Estado democrático é laico, mas a nação é religiosa. (…)
O atual governo e a Santa Sé perceberam a necessidade de consolidar em um estatuto normas legais de interesse da Igreja Católica reconhecendo a sua personalidade jurídica, além dos seus direitos consagrados em nossas leis.
Sancionam, por exemplo, proteção ao patrimônio histórico-cultural da igreja, parte de nossa civilização, mas autorizando o acesso de todos que queiram conhecê-lo ou estudá-lo.
Também no acordo há referências ao ensino religioso, com preceitos não só para a Igreja Católica como também para todas as religiões, repetindo o texto da Constituição e da legislação, garantindo que a educação católica — e a de outras confissões- terá matricula facultativa, sem nenhuma forma de discriminação.

Refere-se também à imunidade tributária constitucional que as religiões possuem e contém ainda o direito de seus ministros e fiéis de atuar no culto sem vínculos empregatícios, inspirando-se na lei que regula o voluntariado e na jurisprudência dominante sobre o tema.
O acordo, assim, não contém nenhum atentado à Constituição Federal e muito menos propicia privilégios para os bens da igreja. Respeitando plenamente o artigo 19 da Carta Magna, que proíbe a dependência do Estado de entidades religiosas e proíbe alianças com elas, expressa, segundo aquela, a necessidade da colaboração de interesse público entre as organizações religiosas e o Estado. (…)
É um documento diplomático que não traz nenhum fato excepcional, mas assegura à religião de maior número de fiéis em nosso país um conjunto de garantias que, desde o início da República, não estavam claramente configurado, embora sob plena obediência aos preceitos da Constituição e das leis em vigor.
(Leia a íntegra do artigo aqui)