Marcos 8.1-9: JESUS USA OS NOSSOS RECURSOS

RETRATOS DE JESUS PELO QUE FEZ, 7: JESUS USA OS NOSSOS RECURSOS
(Marcos 8.1-9)

Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 17.12.2006, manhã, culto 2)

Nesta multiplicação de pães e peixes (chamada “segunda”, porque na primeira foram cinco pães e dois peixes, alimentando cinco mil homens, cf. Mateus 4.13-21; Lucas 9.10-17; João 5.1-11), são sete pães e um número indefinido de peixinhos, saciando a quatro mil pessoas. Ambas têm os mesmos temas.

1. Ajudamos quando temos compaixão.
O primeiro deles é o da compaixão.
Enquanto meditava neste texto, vi um tele-anúncio natalino de uma grande rede de lojas de eletrodomésticos, de propriedade de um judeu. No final fala até de luz, e eu esperei a indefectível rima: Jesus. No entanto, a rima não veio. No mais, contudo, todos os valores do Natal: solidariedade, amizade e outras qualidades que precisamos oferecer e receber. No início, fiquei frustrado: o que eu prego durante 30 ou mais minutos estava ali sentetizados em menos de 30 segundos. Se o mundo praticasse o pregado ali, seria outro.
Como teve luz mas não teve Jesus, eu me animei a continuar meditando sobre a narrativa bíblica da multiplicação. Além de não ter Jesus rimando com luz, não pedia aos consumidores o que Jesus viveu e ensinou como sendo absolutamente essencial: ter compaixão.
De quem era o problema da multidão sem comida? Não era de Jesus, mas Ele o considerou como sendo seu. Ajudamos quando temos compaixão.
Jesus nos ensina sobre a compaixão, vivida na prática. Precisamos de compaixão porque nossa era está mais para a indiferença diante do outro do que pelo interesse pelo outro. Está mais para o hedonismo do que para a solidariedade. Ou o cristão sucumbe e deixa de ser realmente cristão ou caminha contra a multidão ou nada contra a corrente. Ou o cristianismo é a religião dos que praticam o amor ou não é cristianismo. Compaixão tem que ser o substantivo do cristão, ou não é cristão, mas um hedonista disfarçado de cristão.

1.1. Tem compaixão quem acha que o problema do outro é seu problema. Há muitos anos nossa igreja vem se envolvendo com a ação social (aqui atualmente chamada de Visão Ministerial da Justiça). Os batistas da cidade tinham um programa de rádio, do qual nossa igreja participava, voltado para a responsabilidade social, cujo slogan era: “Pense no órfão como se seu filho fosse”. Este slogan foi aprendido de Jesus, que sofreu com a fome da multidão. Há muitos anos nossa igreja vem se envolvendo com a ação social (aqui atualmente chamada de Visão Ministerial da Justiça). Nos anos 60, adolescente escutei, os batistas da cidade tinham um programa de rádio, do qual nossa igreja participava, voltado para a responsabilidade social, cujo slogan era: “Pense no órfão como se seu filho fosse”.

1.2. Tem compaixão aquele que, mesmo sabendo que as necessidades são maiores que suas possibilidades, não deixa de fazer o que está ao seu alcance. E não deixa por causa da compaixão. A fome não ia acabar, mas Jesus saciou a fome daquelas pessoas, naquele lugar, naquele tempo. Era o que podia fazer; foi o que fez. Albert Schweitzer (1875-1965) não exterminou as doenças em Lambarene (hoje Gabão), mas deu vida a muita gente. Teresa de Calcutá (1910-1997) não pôs fim à miséria que atendeu na Índia e em vários países do mundo com sua obra missionária, mas deu sentido a milhares de vidas. Paul Brand (1914-2003), cuja história Philip Yancey, não acabou com a hanseníase na Índia, mas salvou muitas vidas da morte.
Regina Borges de Paula não consola a todos os doentes e familiares do hospital Souza Aguiar no Rio de Janeiro, mas muitos encontram nela uma esperança para continuar vivendo. Alessandro Pereira não leva água e educação a todos os afegàes, mas leva a alguns. As cestas de alimento que nossa igreja distribui não acaba com a fome no Rio de Janeiro, mas torna menos duras as vidas de dezenas de famílias em nosso estado.

1.3. Tem compaixão quem sabe que os seus problemas não são maiores ou mais importantes  do que os dos outros. Jesus não tomou o seu cansaço como razão para despedir o povo com fome. Solidariedade tem a ver com compaixão, não com tempo disponível ou dinheiro sobrando. Compaixão começa com a capacidade de perceber o outro.

1.4. Tem compaixão quem percebe que o seu pouco, somado a outros poucos, pode mudar as coisas. Jesus ensinou aos discípulos e à multidão o que se pode fazer com uns pãezinhos e uns peixinhos. A Habitat for Humanity que apóia famílias na construção de suas casas ao redor do mundo não supre o deficit habitacional no mundo, mas 35 mil famílias na América Ltina têm agora onde morar com dignidade. A Visão Mundial não atende as milhões de crianças necessitadas no Brasil, mas alcança 70 mil delas e suas famílias.

1.5. Tem compaixão quem se interessa por resolver os problemas dos que estão perto, ao seu alcance, experiência que os capacita para socorrer os que estão distantes. Não se pode ser insensível aqui e sensível na África, porque temos aqui as nossas africas. No morro do Borel atuam o pastor Rivaldo e sua família. Ali ele é respeitado por todos. Ali ele prega o Evangelho de Jesus. Ali ele alimenta e educa crianças. Ali ele apóia quem quer deixar o tráfico. Não tem muito; vive de ofertas, mas vive feliz.

1.6. Tem compaixão quem mantém a capacidade de se indignar contra a injustiça, não importa qual seja a sua manifestação. Jesus não fez uma análise sociológica sobre a fome, nem considerou o fato que, saciando a fome daquele momento, a fome continuaria depois, como, às vezes, fazemos. Enquanto não via uma solução definitiva, ele trouxe uma solução para aquela situação.

2. Para exercitar sua compaixão, Jesus precisa de nós (verso 5).
O segundo tema da história da multiplicação é a parceria.
Este um dos mistérios do método divino para o serviço.
Para ressuscitar Jesus, o Pai não precisou de ninguém. Para fazer Lazaro voltar à vida, Jesus precisou de alguns homens que tirassem a pedra do túmulo.
Para alimentar os quatro mil, Jesus precisou dos sete pães e de alguns peixinhos disponíveis.
Para alimentar os quatro mil, Jesus precisou que os discípulos distribuíssem o alimento entre a multidão. Foi uma tarefa cansativa; não é fácil distribuir comida para quatro mil adultos.
Para alimentar os quatro mil, Jesus precisou que a multidão se assentasse. A multidão precisou se assentar no chão. Antes de saciar a fome, a fome aumentou. A multidão teve que se assentar; teve que ouvir uma oração (que, pelo volume de pessoas, devia ser repetida em grupos); teve que esperar o cesto chegar até o seu lugar.
Para alimentar os necessitados hoje, Jesus precisa do que temos nas mãos.
E o que temos em nossas mãos?
Pode ser dinheiro, que Deus nos tem emprestado para usar.
Pode ser conhecimento, que Deus nos tem dado para transformar.
Pode ser talento, com que Deus nos tem abençoado para viver.
Se você não tiver nada, você terá alguma coisa: terá um sorriso.
Tudo aquilo que devolvemos a Deus, através do serviço, ele multiplica.
Faça a prova.
Ouso sugerir que havia outros pãezinhos e peixes nos de algumas pessoas, que os retiveram para si, ou por egoísmo (“eu trouxe, eu como; que não trouxe foi imprevidente e não vou dividir”) ou por incredulidade (“o que estes meus pãezinhos podem fazer diante de tanta gente?”).
Não fizeram a prova e não virão seus pãezinhos sendo multiplicados.

3. Devemos fazer a metade do projeto de Deus (verso 10).
Marcos termina seu relato com uma informação enigmática: Tendo Jesus despedido a multidão, “entrou no barco com seus discípulos e foi para a região de Dalmanuta” (verso 10).
Você sabe onde fica Dalmanuta? Já procurou num mapa bíblico? Não vai achar. Ninguém sabe desta cidade. Dalmanuta é um lugar desconhecido referido nos Evangelhos exclusivamente nesta passagem.
Como Jesus nada faz por acaso, seu gesto nos ensina que, depois de termos feito o bem, a vida continua para outras empreitadas. Precisamos ir para Dalmanuta.
Ir para Dalmanuta é fazer algo novo, que o Senhor nos tem a dizer. Se fizemos alguma coisa, podemos fazer outra. Muitas vezes, aquilo que fazemos, que até nos parece grandioso, é só o começo; é apenas um gesto de Deus para nos mostrar do que somos capazes.
Ir para Dalmanuta é saber que há algo ainda por ser feito. Há alguém em Dalmanuta nos esperando. A graça precisa chegar a Dalmanuta, e chegará, se formos. Dalmanuta pode ser uma família enlutada, que consolamos com um abraço. Dalmanuta pode ser uma família em dificuldades, que apoiamos com um gesto. Dalmanuta pode ser uma pessoa triste na fila de um banco. Dalmanuta pode ter tanta coisa, que descobrimos indo até lá.
Ir para Dalmanuta é fazer a outra metade do projeto de Deus. Na segunda multiplicação dos peixes, a glória de Deus se manifestou por meio de dois agentes: Jesus, que multiplicou, e os homens, que tinham alguns pães e alguns peixinhos e que distribuíram o que Jesus transformou. Jesus, às vezes, faz toda a obra para a glória de Deus. No entanto, muitas vezes faz a metade e deixa a outra metade para nós fazermos (conforme a bela sugestão de Mario Marini no livro “Dalmanuta: la glória di Dio”). Os nossos recursos (dinheiro, conhecimento, tempo, talento) são a nossa metade, que ficará inteira se for entregue, por compaixão, para o serviço de Deus.