Mateus 8.5-13: POSSO PEDIR POR CURA?

POSSO PEDIR POR CURA?
(Mateus 8.5-13)
Preparado para ser pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 20.1.2001 (manhã)

1. INTRODUÇÃO
Incomoda passar por certas igrejas com placas que prometem cura para todo tipo de enfermidades. Poderiam estes anúncios ser considerados como publicidade enganosa?
Ou será que as outras igrejas cristãs não estão agindo como Jesus procedeu? Lendo os evangelhos, deparamo-nos com um Jesus que pregava, ensinava e curava (Percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo — Mateus 4.23). Por nossa própria conta, temos nós abolido um dos tripés da prática de Jesus Cristo? Deve um crente esperar ouvir a palavra salvadora e ensinadora do seu Senhor, mas sem contar com a Sua ação curadora?

2. EQUÍVOCOS EXTREMADOS DE CRISTÃOS SOBRE A CURA
Diante do drama da enfermidade, que acomete cristãos e não cristãos de todas as idades e de todas as condições sociais e intelectuais, os cristãos têm laborado em duas tendências que não passam de equívocos.

1. O equívoco dos super-racionalistas
O primeiro equívoco é cometido pelos super-racionalistas. Segundo esta perspectiva, Deus não cura mais. Ele deixou as regras para a nossa vivência e sobrevivência; cabe-nos aceitá-las, sem pedir ou esperar a Sua intervenção para cessar a dor, cortar as feridas, encerrar o ciclo trágico da doença. Predominando esta visão, ninguém deve pedir por cura, mas por paciência para suportar a dor, conforto diante das perdas, sabedoria para aprender a conviver com a enfermidade.

2. O equívoco dos super-miraculistas (ou super-sobrenaturalistas)
Na outra posição, estão os supermiraculistas ou super-sobrenaturalistas. Segundo esta posição, Deus cura hoje desde que haja necessidade e haja fé no Senhor que cura. A toda hora ele quebra as leis/regras, postas por Ele mesmo, para atender necessidades humanas, geralmente decorrentes da quebra dessas mesmas leis… Uma enfermidade é o resultado de uma lei quebrada (conheçamo-la ou não) por parte do homem; a cura de uma enfermidade é uma quebra por parte de Deus. Uma enfermidade é o resultado de uma ação natural; a cura é o resultado de uma ação espiritual (ou sobrenatural).
A intervenção divina depende da fé, da fé por parte de quem ora, seja o próprio  enfermo, seja algum intercessor, ou sejam ambos. É muito comum, por isto, procurar-se alguém “de fé” (com o dom de curar) para orar por um enfermo. É por isto que muitas pessoas procuram as igrejas, em busca da cura.

3. AS VERDADES DA PRÁTICA DE JESUS
Quando olhamos para a prática de Jesus, ficamos surpresos. Mencionemos alguns versos do Evangelho de Mateus, na ordem em que aparecem:

E a sua fama correu por toda a Síria; trouxeram-lhe, então, todos os doentes, acometidos de várias enfermidades e tormentos: endemoninhados, lunáticos e paralíticos. E ele os curou. (Mateus 4.24)
Chegada a tarde, trouxeram-lhe muitos endemoninhados; e ele meramente com a palavra expeliu os espíritos e curou todos os que estavam doentes. (Mateus 8.16)
E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades. (Mateus 9.35)
Muitos o seguiram, e a todos ele curou. (Mateus 12.15)
Então, lhe trouxeram um endemoninhado, cego e mudo; e ele o curou, passando o mudo a falar e a ver. (Mateus 12.22)
Desembarcando, viu Jesus uma grande multidão, compadeceu-se dela e curou os seus enfermos. (Mateus 14.14)
E vieram a ele muitas multidões trazendo consigo coxos, aleijados, cegos, mudos e outros muitos e os largaram junto aos pés de Jesus; e ele os curou. (Mateus 15.30)
Seguiram-no muitas multidões, e curou-as ali. (Mateus 19.2)
Vieram a ele, no templo, cegos e coxos, e ele os curou. (Mateus 21.14)

4. AS VERDADES NA CURA DO EMPREGADO DO MILITAR ROMANO
Há um episódio na prática de Jesus que nos ajuda superar a tensão, permitindo-nos colocar as coisas nos seus devidos termos. Ele está registrado em Mateus 8.5-13.

[Texto bíblico]
Mateus 8.5-13
Tendo Jesus entrado em Cafarnaum, apresentou-se-lhe um centurião, implorando:
— Senhor, o meu criado jaz em casa, de cama, paralítico, sofrendo horrivelmente.
Jesus lhe disse:
— Eu irei curá-lo.
Mas o centurião respondeu:
— Senhor, não sou digno de que entres em minha casa; mas apenas manda com uma palavra, e o meu rapaz será curado. Pois até eu sou homem sujeito à autoridade, tenho soldados às minhas ordens e digo a este: “vai, e ele vai; e a outro: vem, e ele vem; e ao meu servo: faze isto, e ele o faz”.
Ouvindo isto, admirou-se Jesus e disse aos que o seguiam:
— Em verdade vos afirmo que nem mesmo em Israel achei fé como esta. Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes.
Então, disse Jesus ao centurião:
— Vai-te e seja feito conforme a tua fé.
E, naquela mesma hora, o servo foi curado.

O comportamento que devemos adotar é o do militar romano. O modo de Deus agir encontra-se aqui também apresentado.

4.1. Aprendendo com o centurião
1. O centurião pediu por cura.
Tendo Jesus entrado em Cafarnaum, apresentou-se-lhe um centurião, implorando:
— Senhor, o meu criado jaz em casa, de cama, paralítico, sofrendo horrivelmente (versos 5 e 6).
Diante do sofrimento do rapaz, que pode ter sido seu filho (já que a palavra para “criado” ou “servo” também se aplica a menino, filho), o chefe de um batalhão militar (de cem soldados, daí “centurião”), dirigiu-se a Jesus pedindo por sua cura.
Como o oficial romano, nós também podemos pedir por cura. Todos os que foram curados por Jesus pediram por sua intervenção. Nenhum deles é repreendido porque pede a ação especial do Mestre. Antes, são atendidos.
As intervenções divinas nascem das necessidades e dos pedidos humanos.
Se você tem uma enfermidade, seja ela física ou psíquica, peça a Deus que a cure. Não tenha vergonha de “incomodar” a Deus.

2. O centurião não apelou para sua “autoridade” ou “dignidade”.
O centurião respondeu:
— Senhor, não sou digno de que entres em minha casa; mas apenas manda com uma palavra, e o meu rapaz será curado. Pois até eu sou homem sujeito à autoridade, tenho soldados às minhas ordens e digo a este: “vai, e ele vai; e a outro: vem, e ele vem; e ao meu servo: faze isto, e ele o faz” (versos 8 e 9).

Diante de Jesus, o centurião não apresentou as suas credenciais afirmativas, mas suas credenciais reais. Ele não era digno de receber a atenção de Jesus, mas pedia a sua atenção. Ele não era digno de receber o Mestre em sua casa, mas esperava uma palavra do Senhor. Ele não tinha autoridade para lhe impor a intervenção, mas a pedia humildemente. O centurião sabia que Jesus viera primeiramente para os judeus, mas queria que as migalhas da Sua graça alcançassem a sua casa.
Em outras palavras, não era por seu mérito que esperava a intervenção de Jesus, mas era os méritos de Jesus que queria ver em ação.
Diante do Senhor, não é o nosso mérito que produz a intervenção divina. Não temos dignidade suficiente para que as janelas do céu se abram sobre nós. Há muitas pessoas fazendo coisas (correntes, jejuns, promessas, ofertas, sacrifícios) para “merecerem” a misericórdia. Há muitos cristãos que acham que, por serem fiéis a Deus, são merecedores da fidelidade dEle, esquecidos que a misericórdia do nosso Pai não depende de nossa pureza, santidade ou bondade.
Então, quando orar por cura, não pense em você; pense em Deus. Não espere em você; espere em Deus. Não conte com você mesmo; conte com Deus.

3. O centurião confiou em Jesus
Quando disse a Jesus que Ele nem precisava ir à sua casa (versos 8 e 9), o centurião deixou bem claro que confiava em Jesus.
Como confiava, não precisava Lhe dar ordens.
Como confiava, não estava ansioso pelo que iria acontecer.
Não foi por outra razão que Jesus disse que entre o seu povo, não havia alguém com tamanha fé.

Eis como devemos esperar, quando oramos ao Senhor por cura. Não devemos impor nossos desejos, por mais legítimos que sejam, mas pedir. Corre, por aí, há muito tempo, que diante dos tesouros de Deus disponíveis para nós, basta que tomemos posse. A bênção já foi dada, por antecipação, cabendo-nos tomar posse. Este ensino, estranho à Bíblia, está mais próximo do paganismo do que do Cristianismo. O que Palavra de Deus ensina que devemos pedir e não tomar posse.
Também corre por aí, há muito tempo, que nós devemos determinar o que Deus nos deve fazer. Frases como “eu declaro a cura” acontecem de serem ouvidas por aí, mas são também estranhas à Bíblia, que nos aconselha a pedir e aguardar. Quem espera em Deus não espera com ansiedade, apenas espera.

4.2. Ouvindo Jesus
As ações de Jesus são, na verdade, três afirmações.

1. A primeira (Eu irei curá-lo — verso 7) mostra bem a sua disposição em relação à necessidade do rapaz, que é também a sua atitude em relação a cada um de nós.
Deus cura ainda hoje, como o fez por meio de Jesus. Os apóstolos prosseguiram na prática de Jesus. Pedro e João fizeram como Jesus faria e curaram um paralítico que lhes pedira esmola (Atos 3.3-8). Depois, fizeram o mesmo com muitos outros doentes (Atos 5.16; 8.7; 9.33-35). Não fizeram tanto como Jesus, porque não eram Deus, mas o que fizeram fizeram-no no poder de Jesus.
Paulo seguiu a mesma trilha curando um aleijado (Atos 14.8-10). Ele ressuscitou um jovem que caiu de uma janela do terceiro, enquanto o ouvia (Atos 20.9-10). Numa filha em que se encontrava, aconteceu achar-se enfermo de disenteria, ardendo em febre, o pai de Públio. Paulo foi visitá-lo, e, orando, impôs-lhe as mãos e o curou (Atos 28.8). Como resultado, dezenas de enfermos o procuraram e foram curados (Atos 28.9-10).
Curar como Jesus curou, ninguém mais o fez, mas Ele capacitou seus seguidores para a cura. Nas listas dos dons espirituais, a cura é um deles. Deus cura ainda hoje. A disposição demonstrada para com o membro da casa do centurião é a mesma para qualquer casa hoje.
Se você precisa da cura, se você entende que a cura é a sua alternativa melhor, peça-a, como o centurião, a Deus.

2. A segunda frase é mais longa: Em verdade vos afirmo que nem mesmo em Israel achei fé como esta. Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus, ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes (versos 10-12).
A fé do centurião moveu o coração de Jesus. Ele não foi à casa do oficial, porque esta ação não era mais necessária.
Se queremos ser curados, precisamos de fé. De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam (Hebreus 11.6).
No entanto, não é a fé que cura.
A fé não é o resultado do desespero diante de um problema. Se você está doente, ou tem alguém doente em casa, desenvolva a sua fé, não para ser curado, mas para conhecer a Deus, para agradar a Deus, para adorar a Deus. A sua experiência com Ele vai levá-lo a caminhos que você nunca imaginou. Você sairá ganhando, seja ou não curado.

3. A terceira frase conclui o modo de Jesus agir: Vai-te e seja feito conforme a tua fé (verso 13). A afirmação do Mestre deixa evidente que o poder de curar é dEle. Não há poder na oração, mas nAquele a Quem a oração, com fé, é dirigida.
A fé é o desejo do homem, expresso por meio da oração. A resposta é a ação de Deus, manifesta por meios diversos.

5. OUTRAS VERDADES SOBRE A CURA SEGUNDO JESUS
A história termina deste modo (com o rapaz sendo curado) e certamente conhecemos histórias semelhantes ocorridas sob os nossos olhos. No entanto, muitas histórias contemporâneas que conhecemos não terminam assim.
Por isto ainda é necessário sublinhar o que Jesus não disse. Dizem coisas por aí que o nosso Senhor jamais afirmou.

5.1. No caso desta cura, Jesus não disse que o problema era difícil demais. Tendemos a fazer, quando oramos, uma hierarquia de dificuldades, esquecidos que Deus trata as nossas doenças de modo igual. Para ele, doenças humanamente curáveis são iguais a doenças humanamente incuráveis.
Se você está doente ou tem alguém doente em seu ciclo de parentesco ou amizade, não deixe de orar, seja a enfermidade grave ou simples. Não se intimide porque a doença está fora da sua lista de doença fácil de ser curada. O impossível só existe para os homens.

5.2. Também no caso desta cura, Jesus não disse que o problema era espiritual. Em outra ocasião, perguntaram a Ele quem era a fonte causadora daquela enfermidade. Sua resposta foi: Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus (João 9.3).
Toda vez que um crente padece, diretamente ou alguém de sua família, não faltam os amigos de Jó para apontar o dedo e acusá-lo de culpado. Estas palavras trazem culpa, medo e desespero, nunca liberdade, fé e esperança. Jesus não acusou o centurião de ter pecado e levado a doença para dentro da sua casa. Jesus sabia que as doenças procedem de causas naturais e devem ser curadas de modo natural, quando possível, e, esgotados os recursos médicos, de modo sobrenatural, pela atuação de Deus.
Se você está sofrendo ou tem alguém de sua família sofrendo, não permita que os evangelhos que circulam para aí que nada têm a ver com o Evangelho libertador de Jesus aprisionem você. Não estou negando as conseqüências do pecado, que estão diretamente relacionadas com o que provoca, e não devem ser genericamente aplicadas a todos e quaisquer tipos de sofrimento.

5.3. Há muitos anos eu pude testemunhar como terminam algumas histórias de pessoas tementes a Deus. Eu o conheci porque ele se mudou para o Rio de Janeiro a fim de se tratar de um câncer que o surpreendera no auge da carreira pastoral e com filhos menores, um deles hoje pastor e outro sendo incomodado por Deus para seguir a mesma vocação. Posso dizer que aquele servo do Senhor sofreu em silêncio. Embora milhares de pessoas tenham orado em seu favor, ele morreu. Sua filha mais nova, em cujo casamento preguei muitos anos depois, era ainda uma criança.
Por que morreu de câncer aquele pai, esposo e pastor? Por que Deus não atendeu as suas orações e as preces dos seus irmãos?
Gosto de pensar que essas, com algumas variações, eram as perguntas de Jó. Também gosto de pensar que Deus não as respondeu. Estou certo que Deus não as respondeu apenas para mostrar o quanto é soberano, mas para nos ensinar que as razões de sua resposta ou falta de resposta variam de pessoa para pessoa. Jó não seria uma personagem universal do sofrimento, tipificando a cada um de nós, se Deus lhe explicasse porque sofria. Afinal, as explicações, especialmente as faceizinhas, aumentam-nos a dor, em lugar de levá-la para sempre de nós. Na verdade, saber porque sofremos não nos ajuda em nada.
Igualmente gosto de pensar que caminha por esta mesma região o motivo pelo qual não conhecemos a identidade do espinho na carne de Paulo. Se o espinho do apóstolo não coincidisse com o nosso, não nos bastaria a graça de Deus. Esta graça é universal para nossos espinhos particulares, não importam quais sejam.

5. CONCLUSÃO

1. Não faça orações protocolares. Ore com fé. O Deus do passado é o mesmo Deus de hoje. Reconheça que Deus é Senhor da vida e da morte, da saúde e da dor. Queira ter a fé que teve o centurião romano a quem Jesus ministrou.

2. Não deixe de lutar em oração, pedindo força para viver (para não desistir jamais) e pedindo cura (para a glória de Deus). A religião, como intimidade com Deus, pode lhe dar força para viver, mas também, pode lhe dar a própria vida.

3. Não permita que manipulem a sua dor, para que motivo seja. Não é preciso buscar outra igreja, nem outro pastor. Cada um pode levar seu problema a Deus. Cada um pode pedir à sua igreja para orar pelo seu problema. Sua igreja tem mais compromisso com você do que outra que não o conhece. O poder está em Deus, não em quem ora. A obra é dEle, não dos obreiros.

4. Não deixe de buscar os recursos médicos disponíveis. Seja exigente com os hospitais. Seja crítico das condutas adotadas. É a sua vida que está em jogo.

5. Não aceite nenhum tipo de culpa pelo seu sofrimento físico. Mesmo que ele tenha sido provocado diretamente por seus pecados. lembre-se que Deus já lhe perdoou por meio de Jesus Cristo, se já Lhe confessou.

6. Não se deixe dominar pela ansiedade. Entregue a sua enfermidade a Deus. Entregue e descanse, mesmo que tenha que conviver com a dor. Entregar não é conformar-se. Descansar não é desistir. Entregar é o ponto mais elevado da oração. Descansar é o resultado da entrega.

7. Não deixe de louvar o Seu nome, se Deus curar você. Não deixe de louvar o Seu nome, se Deus não curar você.

8. Não deixe de interceder. Em outras palavras, não olhe apenas para o seu problema; olhe também para o problema dos outros. Ao orar pelos outros, você abencoará pessoas; ao abençoar, você será abençoado. Ao orar pelos outros, você vai entender melhor essas pessoas e vai entender melhor o seu próprio problema. Você não está sozinho no mundo, não só porque há pessoas com experiências dolorosas, como você, mas porque, e principalmente, Deus está com você. Continue sendo um intercessor.