Marcos 12.14-17: O que (não) é do Estado

O que (não) é do Estado   
(Marcos 12.14-17)

(14) [Os fariseus) se aproximaram [de Jesus] e disseram:
— Mestre, sabemos que és íntegro e que não te deixas influenciar por ninguém, porque não te prendes à aparência dos homens, mas ensinas o caminho de Deus conforme a verdade. É certo pagar imposto a César ou não? (15) Devemos pagar ou não?
Mas Jesus, percebendo a hipocrisia deles, perguntou:
— Por que vocês estão me pondo à prova? Tragam-me um denário para que eu o veja.
(16) Eles lhe trouxeram a moeda, e ele lhes perguntou:
— De quem é esta imagem e esta inscrição?
— De César, — responderam eles.
(17) Então Jesus lhes disse:
— Dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.
E ficaram admirados com ele.

PARTE 1

A PERGUNTA
A pergunta dos fariseus tinha uma motivação e uma razão.

MOTIVAÇÃO DA PERGUNTA — A motivação interna dos perguntantes era colocar Jesus numa “saia justa”. Se ele se posicionasse a favor do pagamento de impostos pelos judeus ao império romano, poderia ser visto como um colaboracionista. Se ele se colocasse contrário ao pagamento de impostos, poderia ser denunciado às autoridades romanas como sedicioso.

RAZÃO DA PERGUNTA — A razão da pergunta tem a ver com a cupidez dos Estados no estabelecimentos de impostos e/ou com a dificuldade de abrir mão de parte daquilo que se obteve com o trabalho ou com a renda.
Acontece que a vida em comunidade, da menor (como num condomínio) à maior (como a um de país) demanda responsabilidades, que incluem o pagamento de impostos.
Pagar imposto é algo de que ninguém gosta, pois implica em entregar parte do produto do seu trabalho ou renda para o Estado por meio do governo. Para gerir o Estado, o governo (em qualquer lugar e tempo) fixa as regras e os valores para o pagamento dos impostos (sempre no plural). 

A RESPOSTA
Jesus oferece uma resposta que atinge a motivação e a razão da pergunta, estabelecendo princípios universais para a vida em sociedade.

1. Jesus não se abstém da vida, com todas as suas implicações.
Ele sabe que existe o Estado (no caso, o poderosíssimo Império Romano), que cobra impostos.
Ele sabe que há relações econômicas e que há injustiça, contra as quais o Estado pouco pode e as quais ele mesmo pratica, quando deveria prover a justiça. Jesus sabe disso e se interessa pela prática da justiça. A vida floresce melhor onde há justiça, que o Estado deveria prover.
Deus tem interesse na vida. Deus não tem interesse apenas em religião. A religião organizada (com seus símbolos, ritos e propostas) é o espaço para que a religião individual se desenvolva de forma saudável. Assim como Deus tem interesse pela vida, incluída a justiça, a religião deve ter interesse pela vida, incluída a justiça.
Jesus não se absteve. O cristão não pode se abster, seja por dever, seja por obediência a Deus, seja por medo. Sim, medo de cair nas mãos de um Estado governado por maus.

2. Jesus estabelece esferas na vida
Quando diz que se deve dar a César o que é de César, Jesus mostra que há uma esfera espiritual e outra política.
A espera espiritual trata do relacionamento do ser humano com Deus. Nesta relação não há espaço para a coerção, mas adesão, que é voluntária. Não há lugar para o medo, porque é território para a liberdade. Neste relacionamento, o homem recebe instruções para o seu próprio bem, incluída a sua vida em sociedade. Essas instruções visam o aperfeiçoamento do indivíduo e, por extensão, da comunidade.
A esfera política visa organizar a vida em sociedade. No caso de uma democracia, a política é organizada por delegação, em que a maioria escolhe alguns para gerir a vida coletiva. A vida em sociedade demanda deveres, que são impostos pelo Estado e devem ser obedecidos. Os deveres, que devem visar o bem-estar de todos, são vivenciados por escolha e por coerção.
Deus não deseja uma teocracia, porque seu senhorio (ou domínio) é de outro tipo. Na verdade, toda teocracia é a “cracia” (governo) de uma pessoa ou de um grupo. Deus, portanto, delega aos homens a tarefa de governar os homens. Como está interessado no bem-estar de todos e o Estado tem esta tarefa, Deus deixou Seu livro — a Bíblia — como uma fonte para as constituições nacionais
O cristão deve cumprir as leis. Não lhe cabe no plano privado achar que uma lei é injusta e decidir não cumpri-la. Ele precisa discuti-la publicamente, visando sua mudança, o que pode até incluir um boicote coletivo e é preciso sublinhar o “coletivo”.
Isto quer dizer que se você acha que determinado imposto não é justo ou não é bem empregado, você não está autorizado a deixar de pagá-lo. Se você acha o pedágio é caro ou injusto, posse procurar uma rota alternativa, mas não pode se recusar a pagar, uma vez que escolheu uma via pedagiada.

3. Essas esferas são interdependentes
A existência das duas esferas emula a natureza humana, uma estética (religião) e outra ética (política). Uma depende da outra. Elas se influenciam mutuamente.
A existência das duas esferas mostra que ambas têm limites, que devem ser respeitados. O Estado, por exemplo, não tem o direito de cercear o exercício da liberdade individual, a menos que seja uma ameaça ao bem-estar coletivo.
Esta interdependência não pode ser transformada em dependência. Toda vez que um tentou se apropriar do outro ou mesmo se unir ao outro, os desastres foram totais. Foi a união da religião com o estado que assassinou Jesus. Foi a apropriação da religião pelo Estado que fez surgir uma religião oficial, como o catolicismo medieval. Foi o uso da força do Estado por Lutero que manchou sua biografia no massacre aos camponeses. Foi a subserviência da Igreja ao Estado no Brasil que legitimou a escravidão.
Assim, uma igreja não pode ter um projeto político hegemônico. Se uma igreja contribui para eleger pessoas para o poder legislativo (ou executivo ou judiciário), deve saber que esses representantes não mais a representam, mas idealmente ao povo. Legitimar esse tipo de representação é concordar com o loteamento do poder. Uma vez eleitos, os eleitos devem eleger os interesses coletivo (não o de grupos, mesmo religiosos) como sendo os seus.
O reconhecimento, por Jesus, das duas esferas mostra que Ele põe limites ao Estado. O Estado não pode exigir o que não pode exigir.
De igual modo, a palavra de Jesus mostra que o Estado deve fazer a sua parte para o bem coletivo. Acontece que o Estado não é uma figura abstrata. Ele é feito por pessoas. Ele é governado por pessoas, de carne e osso, como de carne e osso são as pessoas que precisam de educação, saúde e segurança.
É neste ponto, no papel do Estado, exercido ou não, por e para pessoas, que entra o compromisso cívico.

Parte 2
O CIVISMO

A discussão a partir da fala de Jesus sobre os impostos pode ser ampliada, para nos ajudar a refletir na natureza de nossos compromissos com a pátria em que nascemos.
Temos deveres e privilégios para com esta pátria. Civismo é a palavra que nos conecta com estes deveres e privilégios.
Dar a César o que é de César é um dever cívico de todo aquele que é cidadão. Cidadania e civismo são, na verdade, palavras sinônimas.

1. Civismo é desejar o melhor para o país, sem ufanismo e sem derrotismo.
O ufanista só vê as possibilidades nacionais como realizações. O derrotismo salienta as mazelas nacionais, que não são poucas.
Precisamos ver os valores brasileiros, sem esquecer os males brasileiros.
Desejar o melhor para o país é orar pela pátria e seus governantes. Será que não temos abandonado aqueles que elegemos, deixando de orar por eles?

2. Civismo é pagar impostos e vigiar sua aplicação.
Já que os temos de pagar, por que não vigiar seu uso.
Há cidades que tèm praticado orçamentos participativos, ocasiões em que os cidadãos podem comparecer e opinar sobre as prioridades do governo municipal. Nos planos estadual e federal, este trabalho é (ou deve ser) feito pelas Câmaras estaduais e pelo Congresso Nacional.
Precisamos acompanhar o planejamento das despesas e sua execução. Não é fácil, mas se tivermos interesse, conseguiremos formas de o fazer, mesmo que modestamente.

3. Civismo é não corromper.
O motorista, flagrado em erro no transito e que aceita ser subornado, é melhor que o policial rodoviário?
Uma destes, numa parada na estrada, enquanto esperávamos nossos lanches no balcão de um restaurante, travamos eu e um homem o seguinte diálogo:
— Essa estrada está muito perigosa.
— Muito movimento.
— E a gente acaba fazendo o que não deve. Há alguns quilômetros o guarda me parou. Minha documentação está toda ok. Acontece que fiz uma ultrapassagem em lugar proibido.
— A multa é alta.
— O problema são os pontos na carteira. Estou perto do limite. Saiu por 60 reais.
— Mas a multa é mais alta.
— O guarda me disse que era 240, mas que podia resolver por 120. Negociei pela metade.
Então, ele me mostra uma nota de 10.
— E ele ainda queria este 10, mas eu disse que precisaria caso me furasse um pneu do carro.
Só ouvi.
— A gente acaba cometendo crimes (ultrapassar na contramão e pagar propina) e chega em casa e ainda tem que encarar os filhos.

4. Civismo é escolher conscientemente em quem vai votar.
Precisamos aprender a votar.
Nossa atuação neste campo é vergonhosa. Segundo uma pesquisa, apenas 3% dos cariocas se lembravam em novembro de 2009 em quem votaram para deputado federal em outubro de 2006. Em quem você votou para vereador nas últimas eleições. Eu me lembro e ele perdeu.
Segundo outra pesquisa, 21% dos eleitores (17 milhões de pessoas) admitem já ter trocado voto por emprego, dinheiro ou presente. A pesquisa, de âmbito nacional, revela também 12% dos entrevistados dizem estar dispostos a mudar seu voto por dinheiro. A maioria (79%) acreditam que os brasileiros vendem voto e 33% concordam com a idéia de que não é possível fazer política sem um pouco de corrupção. Ao mesmo tempo, 94% condenam a comercialização do voto. (Dados do DataFolha, divulgados pela Folha de S. Paulo, em 4.10.2009)
Se você já vendeu (ou trocou, que é mais suave) o seu voto, arrependa-se e não pratique mais isto.

5. Civismo é candidatar-se
No Brasil, ser político tornou-se uma profissão, uma forma de ascensão social. Mesmo pessoas sem qualquer chance disputam, esperando que, quem sabe, possa lhe sobrar um cargo em algum órgão público.
Apesar disto, a política não pode ser deixada para os profissionais. É preciso que os idealistas e apaixonados, que tenham propostas, se candidatem. O jogo é bruto, mas os vocacionados devem joga-lo, com sabedoria e temor a Deus. Se conhecemos pessoas em quem acreditamos, devemos apoiá-las, com trabalho, dinheiro e oração.

6. Civismo é conhecer os símbolos nacionais, sem os cultuar (no sentido de adorar, verbo que só podemos conjugar para Deus).

É cívico conhecer os símbolos nacionais brasileiros, que são, segundo a Lei 5.700 de 1º de setembro de 1971, os seguintes:

— BANDEIRA NACIONAL

alt

A esfera azul, representando nosso céu estrelado, tendo ao centro com a seguinte frase “Ordem e Progresso”. As 27 estrelas representan os 26 estados e o Distrito Federal.
O losango amarelo ao centro representa o ouro (ou a riqueza nacional).
O retângulo verde representando nossas matas e florestas.

— ARMAS NACIONAIS

alt

No centro há um escudo circular sobre uma estrela verde e amarela de cinco pontas. O cruzeiro do sul está ao centro, sobre uma espada. Um ramo de café está na parte direita e um de fumo a esquerda. Uma faixa sobre a parte do punho da espada apresenta a inscrição “República Federativa do Brasil”. Numa outra faixa, abaixo, apresenta-se “15 de novembro” (direita) e “de 1889” (esquerda)

SELO NACIONAL
É usado para autenticar documentos oficiais e atos do governo federal. É usado também para autenticar diplomas e certificados emitidos por unidades de ensino oficialmente reconhecidas. É representado por uma esfera com as estrelas (semelhante a da bandeira brasileira), tendo ainda a inscrição “República Federativa do Brasil”.

alt

É cívico cantar o Hino Nacional Brasileiro, por exemplo, sabendo-o de cor e conhecendo sua história e significado.
Primeiramente surgiu a música, composta por Francisco Manuel da Silva (1795-1865), entre 1823 e 1831 (uma vez que a data é disputada), servindo-se de outra letra. A letra foi escrita por Joaquim Osório Duque Estrada (1870 – 1927), que em 1909 venceu um concurso para a escolha da letra para o hino, que ele mesmo modificaria em 1916 e seria tornada oficial em 1922. Em de 22 de setembro de 2009, o hino nacional brasileiro tornou-se obrigatório em escolas públicas e particulares de todo o país, devendo ser executada pelos menos uma vez por semana.
A parte instrumental tem uma introdução, que possuía uma letra, que foi excluída da versão oficial do hino. Atribuída a Américo de Moura, diz:

Espera o Brasil
Que todos cumprai
Com o vosso dever.
Eia avante, brasileiros,
Sempre avante!

Gravai com buril
Nos pátrios anais
Do vosso poder.
Eia avante, brasileiros,
Sempre avante!

Servi o Brasil
Sem esmorecer,
Com ânimo audaz
Cumpri o dever,
Na guerra e na paz

À sombra da lei,
À brisa gentil
O lábaro erguei
Do belo Brasil.
Eia sus, oh sus!

A letra do hino nacional brasileiro precisa ser interpretada, por causa da sua construção fraseal e do seu vocabulário:

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heróico o brado retumbante,
E o sol da Liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da Pátria nesse instante.

As margens plácidas (calmas) do riacho Ipiranga ouviram o brado (grito) retumbante (forte, com barulho) de um povo heróico (o povo brasileiro). Trata-se de uma referência ao grito da independência, dado por D. Pedro quando ia de Santos para São Paulo. Próximo ao riacho do Ipiranga, no dia 7 de setembro de 1822, ele levantou a espada e gritou: “Independência ou Morte!”.
A partir daí, o sol da liberdade brilhou, em raios fúlgidos (brilhantes), raiou no céu do Brasil no momento da proclamação da Independência.

Se o penhor dessa igualdade
Conseguimos conquistar com braço forte,
Em teu seio, o Liberdade,
Desafia o nosso peito a própria morte!
O Pátria amada,  Idolatrada,  Salve! Salve!

 
Conseguimos conquistar com braço forte o penhor (garantia) desta igualdade.
Por isto, no seio (coração) da liberdade, nosso peito desafia a própria morte, isto é, somos capazes de desafiar a própria morte para defender a liberdade da nossa idolatrada (amada) pátria.

Brasil, um sonho intenso, um raio vívido
De amor e de esperança à terra desce,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido,
A imagem do Cruzeiro resplandece.

O Brasil é fruto de um sonho intenso; é um raio vívido (intenso, claro), feito de amor e de esperança, que alcança a terra, terra onde no céu risonho e límpido (puro) resplandesce (brilha) a constelação de estrelas chamada de Cruzeiro do Sul.

Gigante pela própria natureza,
És belo, és forte, impávido colosso,
E o teu futuro espelha essa grandeza
Terra adorada, Entre outras mil,
És tu, Brasil,Ó Pátria amada!
Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada, Brasil!

Os recursos naturais do Brasil fazem dele um gigante, bonito, forte, corajosamente grande. Isto vai ter reflexos no futuro. A pátria é a mãe gentil (generosa) de todos os que nascem no Brasil.

Deitado eternamente em berço esplêndido,
Ao som do mar e à luz do céu profundo,
Fulguras, o Brasil, florão da América,
Iluminado ao sol do Novo Mundo!
Do que a terra mais garrida
Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
“Nossos bosques têm mais vida”,
“Nossa vida” no teu seio “mais amores”.
O Pátria amada, Idolatrada, Salve! Salve!

Localizado belamente à margem do oceano Atlântico, que lhe dá um longo e ensolarado litoral, o Brasil desponta na América como um florão (flor feita de ouro)
O Brasil é um país enfeitado com flores. Então, o autor cita o poeta Gonçalves Dias, para dizer que nossos bosques têm mais vida e neste país podemos amar intensamente.
Por isto, nós a amamos.


Brasil, de amor eterno seja símbolo
O lábaro que ostentas estrelado,
E diga o verde-louro desta flâmula
– Paz no futuro e glória no passado.

O lábaro (bandeira) cheio de estrelas, representando os estados, deve visto como o símbolo do nosso amor pela pátria. Que esta flâmula (bandeira) de corres verde-louro (verde e amarelo) nos inspire a desejar paz no futuro, à luz de um passado de glórias.

Mas, se ergues da justiça a clava forte,
Verás que um filho teu não foge à luta,
Nem teme, quem te adora, a própria morte.
Terra adorada, Entre outras mil,
És tu, Brasil,Ó Pátria amada!
Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada, Brasil!

Se na defesa da justiça, é preciso o uso da clava forte (arma primitiva de guerra, tacape), os brasileiros não fugirão à luta. Quem ama o Brasil não teme nem a morte para defende-la.

Civismo é cantar o Hino Nacional Brasileiro, com emoção e compromisso.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO