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Filipenses 4.8-9
Pregado na Igreja Batita Itacuruçá, em 3.7.2005, manhã
Estou cansado da graça. Estou cansado da lei.
Estou cansado daquelas pessoas que têm os olhos fitos, cupidamente, na graça de Jesus, como se ela não implicasse em compromissos de nossa parte, não para recebê-la, mas para vivê-la. Já ao tempo do Novo Testamento, havia aqueles que se tornaram inimigos da cruz de Cristo, por só pensarem nas coisas terrenas (Filipenses 3.19). O libertinismo é, portanto, sedutor, mas não gera paz, o desejo de todos nós.
Estou cansado daquelas pessoas que têm os olhos fitos, doentiamente, nas regras, como se apenas a sua prática fosse suficiente para nos tornar cidadãos dos céus, a meta final de todos nós. Já ao tempo do Novo Testamento, havia aqueles sempre prontos para impor regras e vigiar o seu cumprimento. O legalismo é, portanto, atraente, mas não traz paz, o desejo de todos nós.
Ouçamos a instrução do apóstolo Paulo (Filipenses 4.6-7):
Não andem ansiosos [inquietos] por coisa alguma,
mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças,
apresentem seus pedidos a Deus.
E a paz de Deus, que excede todo o entendimento,
guardará o coração e a mente de vocês em Cristo Jesus.
(Filipenses 4.6-7)
O DESEJO DE TODOS NÓS
Todos desejamos a paz, que é a ausência de inquietação (ou ansiedade), tomada como a excessiva preocupação, paz possível quando Deus guarda nossos corações e mentes em Cristo Jesus.
Eu me enterneço com as promessas de paz feitas por Deus na Sua Palavra. E não são poucas. Há 371 expressões de paz na Bíblia. Eu me encanto em saber que há uma paz que vem quando lançamos nossas ansiedades sobre os ombros de Deus, por meio da oração. Nosso problema é que pedimos a paz, mas tendemos a não entregar nossas preocupações a Deus. Quando eliminamos a preocupação, a paz de Deus vem e ela guarda as nossas mentes e os nossos corações em Cristo Jesus. Em outras palavras, Deus nos esconde, protegendo-nos, em Jesus Cristo; Deus nos blinda com a graça; Deus cobre as nossas vidas com o insulfilm do Seu amor; Deus monta guarda diante das casas de nossas vidas; Deus transforma nossos em castelos fortes; é como se seus anjos se acampassem ao nosso redor.
Esta tão extraordinária ação divina para conosco excede o nosso entendimento.
Esta paz nos vem por dois meios:
1. pela oração de suplica e ações de graças. Para ter esta paz, só nos resta orar;
2. pela prática da vida cristã como ela deve ser. Para ter esta paz, só nos resta viver como Jesus nos ensina.
Precisamos entender bem este segundo meio.
Em outra carta, o apóstolo Paulo recomenda: “Não se deixem enganar; de Deus não se zomba [ou: Deus não se deixa escarnecer]; pois o que o homem semear, isso também colherá. Quem semeia para a sua carne, da carne colherá a destruição; mas quem semeia para o Espírito, do Espírito colherá a vida eterna” (Gálatas 6.7-8).
Este texto, registrado em Gálatas, a carta contra o legalismo, parece legalista. Parece que o apóstolo está dizendo: nossa felicidade vem do nosso esforço. Queremos ser felizes? Esforcemo-nos.
No capítulo 6 de Gálatas, Paulo está incentivando ao cuidado uns com os outros. Por causa da natureza humana, se queremos ser bem tratados, devem tratar bem, porque nem todos estão dispostos a pagar o mal com bem (Romanos 12.21).
Mais ainda: o fato de termos sido alcançados pela graça nos estimula a viver com graça para com os outros. O fato de termos sido alcançados pela graça não nos torna imunes às leis da vida. Somos alcançados pela graça, mas precisamos cuidar de nossa saúde física e emocional. Somos alcançados pela graça, mas precisamos atentar para as leis, inclusive as do trânsito. Somos alcançados pela graça, mas precisamos estudar muito, ler muito, pensar muito, trabalhar muito.
A lei de Deus inclui as leis da física e da moral, portanto.
Quando achamos que, por sermos alcançados pela graça, podemos viver como quisermos, sem prestar, por exemplo, para os Dez Mandamentos, estamos querendo zombar de Deus. E ele nos lembra: as regras da vida são para ser consideradas.
Em Filipenses 4.8-9, Paulo alcança o zênite, encaixando com precisão os braços vertical e horizontal da cruz.
O ponto de encontro destes braços está na ética, isto é, no modo como o cristão é cristão. A vida cristã deve se pautar, então, por seis compromissos.
O COMPROMISSO
Vejamos o compromisso que o apóstolo Paulo nos enuncia (Filipenses 4.6-7)
Finalmente, irmãos,
tudo o que for verdadeiro,
tudo o que for nobre [honesto],
tudo o que for correto [justo],
tudo o que for puro,
tudo o que for amável,
tudo o que for de boa fama,
se houver algo de excelente ou digno de louvor, pensem nessas coisas.
Ponham em prática tudo o que vocês aprenderam, receberam, ouviram e viram em mim.
E o Deus da paz estará com vocês.
(Filipenses 4.6-7)
Não precisamos detalhar estes compromissos, porque eles são suficientemente claros.
1. TUDO O QUE FOR VERDADEIRO — O nosso compromisso é com a verdade, não com a mentira. Uma pessoa verdadeira não precisa ter os seus sigilos fiscal, bancário e telefônico quebrados, mas se forem, vai-se descobrir que aquilo que ela disse é o que está nos documentos. A melhor palavra para a verdade é transparência. A verdade é o que parece e parece o que é. É por isto que a mentira tem o diabo com pai (João 8.44).
A verdade tem a ver com a fala, que tem a ver com a língua, seu principal instrumento. Uma palavra verdadeira, mesmo que dura, constrói; uma palavra mentirosa, mesmo que leve, destrói. É conhecido o caso do deputado federal Ibsen Pinheiro. Em 1993, no auge de sua carreira e por causa de interesses escusos, ele foi acusado por uma CPI de ter movimentado um milhão de dólares em suas contas e acabou cassado. Onze anos depois, com o deputado no ostracismo, o repórter que “descobriu” a movimentação financeira reconheceu que errara e que a movimentação fora de mil dólares.
Como vai o seu compromisso com a verdade? Como vai o seu padrão? Em que altura está a régua do seu compromisso com a verdade?
2. TUDO O QUE FOR HONESTO — O nosso compromisso é com a honestidade, não com a corrupção. Uma pessoa honesta é uma pessoa efetivamente nobre, com um comportamento que merece ser reverenciado, pelo que respeito que produz, talvez porque seja algo difícil.
Se a verdade comporta algo de subjetivo, a honestidade ou nobreza ou reverência é algo bastante objetivo. Se o seu filho encontra algo no chão e leva para casa, e você lhe diz que “achado não é roubado” e permite que fique com o que encontrou, você está claramente dizendo que ele pode transformar em seu o que não é seu. Honesto é o comportamento em que não há engano ou fraude.
Às vezes nos comportamos como os contemporâneos de Malaquias. O profeta perguntava se era possível ao homem roubar a Deus, respondendo que roubamos a Deus quando não lhe devolvemos os dízimos e as ofertas (Malaquias 3.8). Somos desonestos com Deus quando, em lugar de viver uma vida cheia de misericórdia, preferimos apenas lhe apresentar sacrifícios, até mesmo financeiros. Deus quer um relacionamento com Ele, mais do que os holocaustos (Oséias 6.6).
Como vai o seu compromisso com a honestidade? Tem sido fiel no pouco? Será fiel quando tiver muito? Como vai o seu padrão? Em que altura está a régua do seu compromisso com a honestidade?
3. TUDO O QUE FOR JUSTO — O nosso compromisso é com a justiça, não com a injustiça. Disse-me alguém certa vez que, de tanto conviver num meio corrompido, que já não sabe mais o que é certo ou errado. A conduta reta não depende da circunstância, nem da sua conseqüência. Se acho que algo se torna bom porque vai me ajudar, estou fora do padrão bíblico; se acho que algo se torna ruim porque vai me prejudicar, estou também fora do padrão divino.
Na minha vida, como empregado ou como patrão ou como colega, o juízo tem corrido como um rio e a justiça tem sido como um rio perene? (Amos 5.24)
Como vai o seu compromisso com a justiça? Como vai o seu padrão? Em que altura está a régua do seu compromisso com a justiça?
4. TUDO O QUE FOR PURO — O nosso compromisso é com a pureza, não com a imoralidade. Nossos pensamentos, nossas ações, nossas intenções, nossas palavras, nossas intenções precisam ser puras. É por isto que Jesus disse que o que contamina a sociedade em que vivemos não é o que entra na boca do homem, mas o que sai dela (Marcos 7.15). Prova disso é que só a pornografia infantil pela internet movimenta 5 bilhões de dólares por não. A pureza é o território da intenção. A fidelidade conjugal, por exemplo, para ser real, precisa ser primeiro virtual, na mente, no coração.
Como vai o seu compromisso com a pureza? Como vai o seu padrão? Em que altura está a régua do seu compromisso com a pureza?
5. TUDO O QUE FOR AMÁVEL — O nosso compromisso é com a amabilidade, não com a grosseria, mesmo que em nome da verdade ou da honestidade ou da justiça. Ser amável é tomar ações que inspirem amor e afeto em que as recebe. Ninguém deve ter prazer em ganhar o “troféu limão”, mas em ser agradável.
A simpatia é uma virtude a ser buscada. Sorrir é um verbo que convida. Ser amável é ter prazer em receber, em deixar os outros à vontade. Ser amável é ter uma palavra agradável, temperada com o sal da esperança (Colossenses 4.6), conveniente, produtora de vida e alegria. Eu me lembro de um tempo quando as pessoas escreviam cartas. No Seminário, o irmão Roberto Gertner era o carteiro. Nós o aguardávamos na praça; ele podia nos trazer um envelope e dentro poderiam vir palavras doces ou quem sabe um cheque. O diálogo com ele era sempre o mesmo:
— Tem carta pra mim?
Se não tivesse, ele respondia, invariavelmente:
— Hoje, não; amanhã, quem sabe.
Amabilidade tem a ver com beleza, com beleza estética, como uma sinfonia de Bethoven, ou com beleza moral, como a resistência pacífica de Gandhi ou de Martin Luther King Jr.
Como vai o seu compromisso com a cortesia? Como vai o seu padrão? Em que altura está a régua do seu compromisso com a simpatia?
6. TUDO O QUE FOR DE BOA FAMA — O nosso compromisso é com a fama, mas com a boa fama. Devemos viver de modo a que os outros produzam bons relatórios a nosso respeito. Nossas ações devem provocar bons comentários.
Fui ao trabalho de um irmão querido aqui na igreja e disse que era seu amigo. A pergunta, para identificá-lo, foi: :” Ah, você conhece Fulano, aquele que é cristão?”
É bom ser famoso, mas não qualquer fama. O compositor Chico Buarque chama de idiotice a frenética busca pela fama, que começou nos anos 90, segundo o músico. Para ele, muita gente no Brasil “anda cercada de guarda-costas, sobretudo os famosos, porque ter guarda-costas te torna ainda mais famoso”. Idiotice cresce perigosamente no Brasil, diz Chico Buarque. Disponível em <http://www.estadão.com.br/divirtase/música/noticias/2005/jun/27/49.htm>.
É impressionante: as pessoas sabem que a fama é vaidade e desaparece como a fumaça produzida por gelo seco, mas assim mesmo querem ser famosos.
Como vai o seu compromisso com a boa fama? Como vai o seu padrão? Em que altura está a régua do seu compromisso com a verdade?
Todas estas práticas não são práticas para a vida dita espiritual, mas para a vida. Devemos ser verdadeiros, honestos e justos na igreja e, principalmente, fora dela. Devemos ser puros sozinhos e quando estamos em grupo. Devemos ser amáveis com amigos e estranhos. Devemos viver de modo a que nos achem parecidos com Jesus Cristo.
Estas práticas começam no desejo e continuam com as ações aprendidas, recebidas, ouvidas e vistas pela pregação do Evangelho. O padrão dos cristãos precisam estar acima dos que não aceitaram o Evangelho.
Estas são práticas para a vida inteira, como ações contínuas e repetidas, com repercussões no futuro. Devemos, portanto, manter nossas mentes nas boas coisas que Deus nos deu no plano horizontal, como família, saúde e trabalho, ao mesmo tempo em que pensamos em valores superiores, como justiça, justificação e perdão.
O RESULTADO
E, agora, chegamos ao clímax. Diz o apóstolo Paulo que, se desejarmos viver na verdade, na honestidade, na justiça, na pureza, na simpatia e na boa fama, Deus, que é de paz, estará conosco.
Voltemos ao texto de Gálatas: “Não se deixem enganar; de Deus não se zomba [ou: Deus não se deixa escarnecer]; pois o que o homem semear, isso também colherá. Quem semeia para a sua carne, da carne colherá a destruição; mas quem semeia para o Espírito, do Espírito colherá a vida eterna” (Gálatas 6.7-8).
Se plantamos verdade, honestidade, justiça, pureza, simpatia e boa fama, colheremos paz.
Existe um esperanca infinita onde houver arrependimento.
Queremos paz? As instruções de Deus estão-nos dadas.
À prática, irmãos.