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INTRODUÇÃO
UMA HERANÇA
Ao longo da história do cristianismo, documentos foram preparados, individual ou coletivamente, que acabaram esquecidos. Autores foram desprezados. Idéias foram abandonadas.
No entanto, ninguém chega à fé cristã agora, mesmo que seja agora que tenha reconhecido a Jesus como Senhor. A fé cristã é sempre individual, mas ela tem um invólucro, que é sempre coletivo e custou estudo ou sangue de muitas pessoas.
Desde cedo, o cristianismo se defrontou com visões acerca da pessoa de Jesus, que não conferiam com os ensinos de Jesus e dos apóstolos. Desde cedo, alguns que se aproximaram da fé cristã sustentavam que Jesus era uma corporificação do ser supremo que misteriosamente se encarnou para trazer o conhecimento à terra. Segundo o gnosticismo, a salvação se dá, então, pelo conhecimento desse mistério. É por estão razão que o apóstolo Paulo escreve aos colossenses que em Jesus “habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Colossenses 2.9). Jesus, então, não se tornou Deus. Ele era Deus desde o princípio (João 1.1). Diferentemente do que ensinavam alguns gnósticos, Ele não era um humano que se tornou divino, mas um um divino que se tornou humano. Por causas dos ensinos, vários livros do Novo Testamento foram escritos. Hoje os lemos como o que são: inspirada Palavra de Deus. Não podemos ignora-los como a fonte de nosso pensamento, como a fonte de nossa ética.
No início, não havia Novo Testamento enquanto livro, mas porções disseminadas (livros ou capítulos), que eram apresentadas nas igrejas por um leitor e depois comentadas por um pregador. Alguns poucos cristãos tinham em casa estas porções, que lhes custava, nos tempos da perseguição, a denúncia de que eram traidores. Alguns eram convidados a entregar suas cópias (de capítulos ou livros) às autoridades. Alguns o entregavam seus exemplares, sendo muitos incinerados; outros, não. Por esta razão, podemos contar hoje com 25 mil cópias fiéis, de textos parciais ou mesmo integrais, do Novo Testamento. Hoje temos Bíblias completas porque cristãos sinceros para com o sangue para que suas cópias não fossem queimadas.
Assim, quando enfrentamos, como cristãos, os desafios de nosso tempo, precisamos nos lembrar que, em outros tempos, também houve desafios. As respostas que os vieram antes de nós deram, no tempo deles, integram as respostas que damos hoje, mesmo sem as conhecer. Não somos assim tão sábios.
A idéia de uma igreja-comunidade nasce da comunhão, e esta comunhão se dá entre vivos e vivos, que agora compartilham o mesmo tempo e o mesmo espaço, mas ela se dá entre vivos e mortos, cujas heranças, nós, os vivos, consumimos. Ao mesmo tempo, vamos deixando heranças para os que veem depois. Vejamos o caso da música.
Temos os salmos que ainda lemos, embora não possamos cantar (por desconhecermos as melodias), mas os primeiros cristãos cantaram. Ao longo dos séculos, os cristãos foram escrevendo suas músicas. Cantamos, por exemplo, uma de Bernardo de Clairvaux (1090-1153), que diz:
“Jesus, o só pensar em tiMinha aflição desfaz;E o ver-te bem melhor será;É descansar em paz”.(Estrofe 4 do hino 70 do Cantor Cristão)
Nós cantamos esta e outras músicas compostas há muito tempo antes de nós. Depois de nós, nossos irmãos cantarão as canções que lhes deixarmos e que eles vierem a achar boas e bonitas, como nós fazemos.
Isto quer dizer que temos raízes, como temos pais e mães biológicos.
Precisamos, portanto, nos lembrar do que temos em comum com todos os cristãos.
Atravessando o tempo, além de músicas, temos os símbolos, como a Ceia do Senhor.
Firmes no tempo, desde o Novo Testamento, além das canções e dos símbolos, temos as doxologias, como estas:
“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação”. (2Coríntios 1.3)“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestes em Cristo”. (Efésios 1.3)“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua grande misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, 4. para uma herança incorruptível, incontaminável e imarcescível, reservada nos céus para vós”. (1Pedro 1.3)
Como centrais no Novo Testamento, estão os seus credos, o mais cristológico sendo o de Filipenses 2.5-11.
“Tende em vós aquele sentimento que houve também em Cristo Jesus,o qual, subsistindo em forma de Deus,não considerou o ser igual a Deus coisa a que se devia aferrar,mas esvaziou-se a si mesmo,tomando a forma de servo,tornando-se semelhante aos homens;e, achado na forma de homem,humilhou-se a si mesmo,tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz.Pelo que também Deus o exaltou soberanamente, elhe deu o nome que é sobre todo nome,para que ao nome de Jesus se dobre todo joelhodos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra,e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor,para glória de Deus Pai” (Filipenses 2.5-11)
Transbordando o Novo Testamento, temos os credos e depois a confissões de fé (ou declarações doutrinárias) mais elaboradas. A Convenção Batista Brasileira, por exemplo, tem a sua Declaração de Fé, que busca atualizar as confissões de fé que os batistas vêm escrevendo desde 1611.
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O CREDO APOSTÓLICO
Entre os credos antigos, está o Credo Apostólico:
Creio em Deus Pai, Todo-poderoso,Criador dos Céus e da terra.Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor,o qual foi concebido pelo poder do Espírito Santo;nasceu da virgem Maria;padeceu sob Pôncio Pilatos,foi crucificado, morto e sepultado;desceu à mansão dos mortos,ressuscitou ao terceiro dia,subiu aos Céusestá sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso,ressurgiu dos mortos ao terceiro dia;subiu ao Céu;está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso,donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.Creio no Espírito Santo;na santa Igreja católica;na comunhão dos santos;na remissão dos pecados;na ressurreição do corpo;na vida eterna.Amém.
Este é o mais conhecido de todos os crentes, repetido por católicos, romanos e não-romanos e também por protestantes.
A forma como o temos hoje é do século 8, mas sua elaboração começou muito antes, frases sobre frase sendo colocada, ao longo de séculos até sua forma final (no referido século).
O nome que recebeu (“Credo Apostólico”) decorre do fato de vir sendo aceito desde a antiguidade cristã como um resumo fiel dos ensinos apostólicos. Neste sentido, não é um credo católico, nem evangélico; é um resumo cristão da fé cristã.
Por que devemos lê-lo, nele refletindo?
Lembremo-nos das instruções finais de Jesus (Mateus 28.19-20).
“E, aproximando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra.
Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a observar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos”. (Mateus 28.19-20)
Tenhamos em mente que Jesus recebeu autoridade como Senhor de todos os seres humanos. Com esta autoridade, Ele nos pede para que sejamos anunciadores do Seu evangelho (oferecendo às pessoas a oportunidade de serem salvas por Jesus) e para que convidemos estas pessoas a serem discípulas de Jesus (isto é, seguidoras dEle).
Temos os cristãos de hoje muito a ver com os cristãos do passado.
Vejamos alguns aspectos desta herança, entre outras:
- Temos ouvido a mesma história de Jesus.
- Cremos nos ensinos de Jesus, como registrado e aplicado pelos seu apóstolos.
- Compartilhamos a mesma Bíblia como nossa regra de fé
- Aprendemos com eles a apresentar Jesus em nossa cultura e em nosso tempo, às vezes com risco de vida.
- Temos a mesma permanente presença de Jesus conosco.
Uma pergunta que se faz é a seguinte: que “todas as coisas” devemos “observar” ou “guardar”?
Somos chamados a viver como Jesus viveu, prestando atenção a TODOS os seus ensinos.
Os credos são resumos destes ensinos.