OUTRO INTERLÚDIO PARA OS IDOSOS
2Timóteo 4
Sabemos que a chamada Terceira Idade é um dos fenômenos mais interessantes do século 20, por força da melhoria da qualidade de vida da população, inclusive a brasileira.
Esta é uma carta de um idoso para um jovem. Quem fala é Paulo, o velho (Filemon 9). O apóstolo estava, quando a escreveu,na faixa dos 60 anos. Timóteo, quando a recebeu, tinha pouco mais de 30 anos e era seu colaborador havia uns 15 anos.
Há um tom de desânimo nos versos 9-18, mas o objetivo de Paulo, do alto de 30 anos de ministério, é instruir a Timóteo, tratado como uma espécie de sucessor/continuador de sua obra, à qual tinha dedicado 30 anos de sua vida.
Portanto, o capítulo 4 é um texto de alto conteúdo humano, por isto mesmo útil para todas as idades, especialmente a Terceira.
PAULO, UM IDOSO CARENTE (versos 9-16)
Paulo , que em outro texto se chama a si de velho, está diante de uma situação de aflição, marcado especialmente pela solidão, solidão decorrente de seu trabalho missionário.
Sozinho, no calabouço, ele medita sobre sua presente condição. No retrospecto de sua vida recente, ele reflete sobre o que lhe falta na vida.
1. As memórias de Paulo são:
. tristeza e mesmo de amargura, diante da infidelidade e da resistência de alguns ao seu ministério. Entre suas tristezas, está a perda de Demas, que fora seu auxiliar, mas que o abandonara (verso 10), o comportamento de Alexandre, que o denunciou (verso 14) por pregar o Evangelho, e a enfermidade de Trófimo (verso 20). Seu sentimento agora era de desamparo e profunda solidão (verso 16), como, por vezes, sentem as pessoas idosas.
. saudade, diante das separações necessárias decorrentes do trabalho e mesmo da natureza da vida. Ele sentia falta de pesoas e coisas. O próprio Timóteo (verso 9), destinatário da carta; Crescente, Tito e Tíquico, tiveram que ir para outros campos missionários ( v, 10b; 12). Entre as coisas que lhe eram caras, ele sentia falta da sua capa, que lhe protegeria do frio iminente, e os livros, cujos conteúdos desconhecemos (verso 13). A equipe missionária estava em ação e isto era doloroso, conquanto necessário.
. alegria, diante da companhia graciosa de Deus (versos 17-18), pelo valor das amizades (como a de Marcos, verso 11, o mesmo com quem tivera problemas tempos atrás (At 15.39). Apesar das memórias amargas, Paulo estava feliz por sentir o que sentiu: “o Senhor esteve ao meu lado e me fortaleceu, para que por mim fosse cumprida a pregação, e a ouvissem todos os gentios; e fiquei livre da boca do leão, e o Senhor me livrará de toda má obra e me levará salvo para o seu reino celestial; a quem seja glória para todo o sempre” (versos 17-18).
2. Somos todos carentes
Paulo precisava de amigos, agasalhos e livros . Embora tivesse o amor de Jesus, precisava do afeto das pessoas; embora tivesse o calor da graça de Deus, precisava de roupas quentes para seu corpo; embora tivesse a iluminação de Deus, precisava de livros para se instruir mais acerca de Deus e do mundo. “Não é falta de espiritualidade”, diz Sttot, admitir que carecemos deste tipo de realização. Não precisamos nos julgar superpessoas, inatingíveis pelas situações da vida. A graça não nos desnaturaliza (como lembra Moule).
Como Paulo, devemos:
. buscar a convivência com outras pessoas. Paulo buscava, mesmo diante das decepções. Não se fechou em si mesmo, porque muitas (a maioria, este era o seu sentimento) o abandonaram.
. cuidar da saúde. Como o frio estava próximo de chegar, ele queria se proteger. Ele, portanto, procurou cuidar de sua saúde.
. ler bons livros. Paulo não podia ficar sem os seus livros. Por isso os pediu, solicitando que Timóteo viesse logo.
UM IDOSO CONFIANTE (versos 6-8)
O Paulo carente é um Paulo crente.
1. Mesmo ciente do que lhe aguardava, ele mantinha sua certeza de fé em Deus por meio de Jesus Cristo.
Ele se oferecia, neste momento final de sua jornada, para ser derramado como libação (verso 6a), vinho que era derramado na base do altar como oferta a Deus (como prescreve o Pentateuco). Paulo sabia que sua partida (morte) esta próxima (verso 6b). Ele diz então, em outras palafras: “estou levantando acampamento; estou recolhendo minha barraca; estou soltando o bote das amarras (para amarrá-lo em outro porto, porto seguro, de destino certo)”. Afinal, o fim desta vida é começo de outra.
3.2. Paulo tinha combatido o bom combate (verso 7a). Ele tinha participado da grande luta da arena da vida, numa alusão à luta romana. Paulo é o soldado de Cristo, o combatente da causa de Jesus.
Paulo tinha completado a carreira (verso 7b). Ele tinha terminado sua carreira de missionária, responsável por levar o Evangelho a praticamente todo o mundo conhecido de então, junto com seus colaboradores. Ele, que tinha dito que seu projeto de vida era completar o ministério (Atos 20.24), tinha-o conseguido. Paulo é o atleta, que participa de uma corrida olímpica. É fácil começar uma corrida (garra total), mas o difícil é levá-la até o fim. Ele o fez.
Escrevendo aos coríntios, o apóstolo usam imagens semelhantes: Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm, mas um só é que recebe o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis. E todo aquele que luta, exerce domínio próprio em todas as coisas; ora, eles o fazem para alcançar uma coroa corruptível, nós, porém, uma incorruptível. Pois eu assim corro, não como indeciso; assim combato, não como batendo no ar. Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à submissão, para que, depois de pregar a outros, eu mesmo não venha a ficar reprovado” (
1Coríntios 9.24-27). Para um comentário a Coríntios, veja o meu As mensagens nas epístolas aos Coríntios: vocabulário para uma vida viva” (Juerp).
Paulo tinha guardado a fé (verso 7c). Ele tinha mantido a fé no seu Senhor. Quantos, olhemos ao nosso redor, não mantiveram a fé! Paulo guardou o tesouro. Paulo é o vigia de um grande tesouro. Poderíamos compará-lo ao segurança do carro que transporta valores.
Agora, então, aguardava a coroa da justiça (verso 8a). Esta coroa era uma grinalda, feita de folhas verdes e entregue aos vencedores nos jogos gregos, como predecessoras das medalhas olímpicas de hoje. A coroa aqui é a coroa da justificação, isto é, da aprovação por Deus, imagem cara a Paulo, que espera a morte sob Nero. Não se trata de uma coroa de obras, mas coroa que evidencia a justificação.
Este prêmio não era só, mas era/é de todos quanto amam a vinda de Jesus (v8b). A expressão faz um contraponto com quem ama sua própria vida. A terceira idade é a época em que já se aprendeu esta diferença. Amar a vinda de Jesus não é odiar esta vida. É colocar Jesus como princípio e fim da vida, cujo fim é o louvor da glória de Jesus, e não a auto-exaltação.
Este deve ser o projeto de cada um de nós.
Os mais jovens devem olhar para os velhos da igreja como aqueles que combateram o bom combate, sabendo que o combate por Cristo é um combate bom.
Os mais fortes devem olhar para os velhos da igreja como aqueles que completaram a sua maratona, sabendo que o ministério (somos todos ministros de Deus) é uma excelente obra.
Os mais novos devem olhar para os velhos da igreja como aqueles que mantiveram a sua fé e se comprometer a chegar, com eles, à mesma fidelidade.
Os da feliz idade devem procurar viver de modo que sejam um exemplo, não apenas pela idade, mas pelo testemunho de vida.
Vocês devem ser imitados. Vocês precisam ter algo a ser imitado. Se viverem assim, serão guias, a serem imitados (Hebreus 13.7).