Salmo 39 — SABER QUEM SOMOS

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SABER QUEM SOMOS

(Salmo 39)
 
O salmista olha para a sua própria vida, mergulhada na tristeza, por razões que não diz (isto é da arte), e procura um caminho para voltar a sorrir.
Sua primeira tentação foi soltar a língua e falar tudo o que lhe viesse à mente. Olhou em volta e desistiu. Suas palavras seriam mal interpretadas.
Decidiu, então, se calar, mas não deu certo. Sua angústia solitária só aumentou.
Tomou, por último, a melhor escolha: decidiu orar e abrir  seu coração, com sinceridade, falando tudo o que lhe ocorresse mas ao Senhor Deus.
Em seu pedido, ele reconhece a sua fragilidade e a inutilidade dos seus esforços em direção à felicidade. Ao faze-lo, mistura afirmações contraditórias, entre a bondade e a severidade de Deus. Termina, dizendo que só Deus pode lhe restituir a alegria da vida.
 
É como se o poeta cantasse também assim:
 
SALMO 39
Esqueço da realidade posta além do momento:
o diâmetro dos meus dias é a largura de um copo;
quando olho a envergadura do divino escopo
noto que, mesmo longo, é ínfimo o meu tempo.

Meu vigor é como o calendário de um sopro.
Valho tanto quanto o dinheiro lançado ao vento:
Sou tão sólido quanto a sombra de um corpo.
Não passo de um estrangeiro à espera de documento.

Próximo estou — eu o sei — de deixar de existir
para então existir num horizonte sem fim
numa casa que Deus me tem preparado.

Distante dEle sou apenas o templo do pecado,
mas com Ele comigo eu sou o perdoado
que desde já a alegria plena pode sentir.
 
Deste salmo, que tem um conjunto de ensinos para uma vida sábia, podemos fazer algumas aplicações para as nossas vidas.
 
1. PRECISO SABER QUEM EU SOU.
O poeta faz um autorretrato que nos descreve.
Três certezas ele tem de si mesmo.
 
ELE É FRÁGIL — Para falar de como é frágil, ele compara a sua vida a um sopro (versos 5 e 11), como fazem outros autores (como no Salmo 78.33 — “Por isso, ele encerrou os dias deles como um sopro e os anos deles em repentino pavor”; no Salmo 62.9 — “Os homens de origem humilde não passam de um sopro, os de origem importante não passam de mentira; pesados na balança, juntos não chegam ao peso de um sopro”; no Salmo 144.4 — “O homem é como um sopro; seus dias são como uma sombra passageira”, e em Isaías 2.22 — “Parem de confiar no homem, cuja vida não passa de um sopro em suas narinas. Que valor ele tem?”)
Então, compara a sua vida breve (verso 4) ao cumprimento de um palmo (verso 5). Quando olha para suas conquistas, sobretudo as patrimoniais, vê que a riqueza — que tanto valor tem — que acumular não terá para ele qualquer valor (verso 6) quando não mais existir.
Ele lembra ainda que não passa de um estrangeiro que, por melhor que esteja em outra pátria, será o que é: estrangeiro. 
Assim somos nós também: completamente frágeis.
Somos tão frágeis que, com dificuldade para conviver com a realidade, inventamos a arrogância para negar a nossa fragilidade.
 
ELE É INFLUENCIÁVEL — O poeta começa seu salmo como uma dupla promessa: “Vigiarei a minha conduta e não pecarei em palavras; porei mordaça em minha boca enquanto os ímpios estiverem na minha presença”. (verso 1)
O salmista, como todo ser humano, está cercado de pessoas. Ele não precisa temer as pessoas de boa índole, mas sabe que precisa temer aquele/aquela que gosta de falar da vida alheia (eu não disse “falar mal”, porque os maledicentes não acham que falam mal, apenas falam ou apenas falam a verdade…), sabe precisa temer aquele/aquela que enche as suas bocas de palavras torpes, sabe que precisa temer aquele/aquela, sabe que precisa temer aquele/aquela que acha que o fim (ganhar dinheiro) justifica o meio, sabe que precisa termer aquele/aquela que o prazer está acima do pecado.
O salmista sabe que essas práticas são perigosas. Primeiro, elas são abominadas. Depois, são relativizadas. Depois, são valorizadas. Depois, são imitadas.
Somos influenciáveis. Nenhum de nós está imune á influência, mesmo aquela inicialmente considerada perniciosa e algo a ser evitado. Cercados por ímpios, podemos cair na sua armadilha de pensar como eles pensam ou de agir como eles agem.
 
ELE É PECADOR — “Livra-me de todas as minhas transgressões” (verso 8) — eis o que pede o poeta, consciente que o pecado tem conseqüências (verso 11 — “Tu repreendes e disciplinas o homem por causa do seu pecado”) Eis um de nossos problemas: achar que o pecado não tem um salário, como se Deus não visse quando o praticamos ou como Deus também gostasse dele.
O pecado não confessado é um impedimento a que tenhamos comunhão com Deus.  O pecado confessado é a antessala da comunhão com Deus. A comunhão com Deus termina quando o pecado entra na nossa vida. A comunhão com Deus começa quando abrimos o nosso coração para confessar que somos pecadores e que pecamos especificamente e sempre contra Ele, porque todo pecado é pecado contra Deus.
 
2. POSSO FALAR COM DEUS.
A primeira tentação do poeta, em sua experiência desolada, é falar mal de Deus para os maus.
Ele se corrige e, em sua experiência desolada, passa a falar com Deus.
Ele começa com o pensamento voltado para os ímpios, com a boa intenção de não os imitar. Mas ele vai imita-los, a menos que olhe para Deus. Num primeiro momento, esta contemplação o deprime ainda mais (“Meu coração ardia-me no peito e, enquanto eu meditava, o fogo aumentava” — verso 3), ao perceber a grandeza de Deus e a sua nulidade.
No entanto, a medida que vai conversando com Deus, vai encontrando paz, ao ponto de concluir que em Deus estava a sua esperança. 
Esta certeza nasce de uma convicção: Deus o ouve. Por isto, pede: “Ouve a minha oração, Senhor; escuta o meu grito de socorro; não sejas indiferente ao meu lamento. Pois sou para ti um estrangeiro, como foram todos os meus antepassados” (verso 12).
Entendemos este verso, quando olhamos para o modo como Deus vê o estrangeiro na experiência do povo hebreu.
Como estrangeiros, foram libertados, deixando a terra da escravidão. A partir daí, os estrangeiros entre os hebreus deviam ser tratados como Deus os tratou. A legislação era firme a este respeito:
 
. “Não maltratem nem oprimam o estrangeiro, pois vocês foram estrangeiros no Egito. (Êxodo 22.21)
. “Não passem duas vezes pela sua vinha, nem apanhem as uvas que tiverem caído. Deixem-nas para o necessitado e para o estrangeiro. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês”. (Levítico 19.10)
. “Amem os estrangeiros, pois vocês mesmos foram estrangeiros no Egito”. (Deuteronômio 10.19)
. ‘Maldito quem negar justiça ao estrangeiro, ao órfão ou à viúva’. Todo o povo dirá: ‘Amém!’ (Deuteronômio 27.19)
 
O laço de fita aparece na imagem acerca do próprio Deus como sendo aquele que “defende a causa do órfão e da viúva e ama o estrangeiro, dando-lhe alimento e roupa”. (Deuteronômio 10.18)
Quando o salmista, então, fala de si mesmo como estrangeiro, está simplesmente dizendo que sabe como Deus o ama, tratando-o como alguém que precisava (e o era) ser protegido por Deus.
Não é o que acontece conosco? Olhamos para dentro de nós mesmos e não vemos saída. Olhamos para fora e não vemos saída. Olhamos para Deus e tudo se ilumina! Somos alcançados pela certeza de que Deus cuida de nós.
O desespero dá lugar à esperança. O verso 4 anuncia o desespero: “Mostra-me, Senhor, o fim da minha vida e o número dos meus dias, para que eu saiba quão frágil sou”. O verso 7 prenuncia o contentamento: “Mas agora, Senhor, que hei de esperar? Minha esperança está em ti”.
Deus não se importa que reclamemos dEle com Ele. Se formos honestos, veremos onde está o problema. Se falamos com Ele, com franqueza, vamos ser conduzidos a uma visão melhor de Quem Ele é.
v. 12 Tenho quem me ouve.
Se continuarmos, notaremos que precisaremos tirar os sapatos dos pés, porque os nossos sapatos vão se incendiar diante da santidade de Deus. Precisaremos andar descalços,  porque os pés descalços são os pés santos.
Quanto mais nos aproximarmos de Deus,  mais o pecado não confessado doerá no nosso estômago. Mais veremos o quanto Deus é santo e mais notaremos o quão pecadores somos e mais desejaremos ser santos. 
Quando falamos com Deus, em sinceridade, longe da lisonja e cauteloso com o clichê, menos cínicos (diante do nosso próprio pecado) seremos. Os cínicos são os que pecam e negam o seu pecado. Os cínicos são os que pecam e não lutam para não pecar. Os cínicos são os que pecam e querem ser aprovados em seu erro. Os cínicos são os que pecam e continuam tocando suas vidas no “piloto automático” como se a energia divina do seu veiculo não tivesse sido cortada.
 
 
3. SEI QUE HÁ ESPERANÇA PARA MIM.
Qual é tema deste salmo?
O tema só aparece explicitamente uma vez, e no verso 7: “Mas agora, Senhor, que hei de esperar? Minha esperança está em ti”.  Contudo, todo o salmo cheira esperança.
Então, o poeta ora, agora cheio de esperança.
E o que ele pede? O que nós podemos pedir!
 
O poeta pede perdão para suas transgressões (verso 8), de modo a não sentir mais o peso do seu pecado (verso 11). O poeta não quer manter escondido o seu pecado, mas quer ser purificado (verso 11), mesmo que isto lhe custe um preço.
O poeta reconhece que tudo está sob o controle de Deus. Até mesmo os ímpios estão sob o domínio de Deus. Então descansa (verso 9). Sabe por que não descansamos? Porque achamos que Deus perdeu o controle.
O poeta sabe que Deus o socorre no dia da dificuldade (verso 12).
O poeta desiste de toda forma de alegria, cuja fonte não é Deus (verso 13).
 
Está dado o roteiro para a nossa felicidade.
 
ISRAEL BELO DE AZEVEDO