O Jornal da Tarde, de São Paulo, publicou no dia 17.4.2010 um excelente artigo sobre o consumo de álcool no Brasil. Ele foi escrito pelo psiquiatra Ronaldo Laranjeira, que é Professor Titular de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Coordenador do Instituto Nacional de Políticas do Álcool e Drogas (Inpad), órgão do CNPq.
Reproduzimos aqui pelo valor do estudo.
O BRASILEIRO BEBE DIFERENTE
Não existe uma tradição no Brasil de pesquisa sobre o comportamento do beber, apesar de o álcool representar cerca de 8% das mortes, causar mais de 50% das mortes no trânsito e ser responsável por mais de 80% da violência doméstica. É por isso que acaba prevalecendo a impressão subjetiva de cada um. Uma das maiores influências sobre a subjetividade é a propaganda de cerveja, que quer retratar o consumo do álcool como a norma de toda a sociedade brasileira. É por isso que ouvimos com frequência: o que pode haver de mal em beber? Todo mundo bebe um pouquinho.
No entanto, as pesquisas revelam um mundo diferente daquele retratado pelas agências de propaganda das cervejarias. Pela primeira vez, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) realizou um estudo que descreve o perfil de consumo do brasileiro. Utilizou um tipo de metodologia que selecionou uma amostra de 3.005 pessoas escolhidas ao acaso, o que permite que os dados realmente representem o que ocorre no Brasil. O primeiro dado que chamou a atenção foi o de que 48% da população brasileira não bebe (35% dos homens e 63% das mulheres). Esse dado derruba a impressão de que somos um país de bebedores. E a grande proporção de abstêmios brasileiros contrasta muito com o que acontece na Europa, onde apenas 10% da população não bebe.
Em contraposição 24% dos brasileiros bebem excessivamente e representam o grupo responsável pelo custo social do álcool. Esse grupo consome mais de 80% de todo o álcool no Brasil e é o responsável pelas doenças e violência causadas pela cerveja. Vale a pena responsabilizar a cerveja pelo custo social do álcool no Brasil, pois cerca de 70% de todo o consumo é feito dessa forma.
Destruir o senso comum e contribuir para uma melhor forma de ver a realidade é uma das tarefas mais nobres da ciência. Essa pesquisa fornece informações que deverão facilitar a criação de políticas públicas para diminuir o custo social do álcool. Mas, infelizmente, o Ministério da Saúde não tem ouvido o clamor dos dados. Ainda está numa fase oscilando entre a passividade e ações sem planejamento. O desafio é utilizar pesquisas para nos guiar em ações estruturais para proteger a sociedade dos interesses dos únicos que se beneficiam do álcool, a indústria de cerveja.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) está tentando fazer com o álcool algo semelhante ao que foi feito com o tabaco: criar uma política mundial visando a ações com impacto na saúde pública. As principais medidas são: aumento do preço, diminuição do acesso às bebidas, especialmente para os adolescentes, proibição da propaganda do álcool e controle rigoroso do beber e dirigir. Esperemos que o próximo governo ouça mais a OMS do que as cervejarias.
Ronaldo Laranjeira