Salmo 84
Quando olhamos para a igreja de que participamos, notamos que nela há coisas boas e ruins.
Muitas vezes, pensamos na igreja, como se não fôssemos parte dela. Mas somos.
Muitas vezes, pensamos na igreja como se fosse apenas um lugar (templo, santuário, tenda, salão). A igreja inclui um lugar, mas é mais que um lugar.
Muitos vezes, pensamos que nossas vidas como homens e mulheres que levam Deus a sério devem ficar guardadas na igreja-templo, como se o nosso compromisso fosse tão restrito quanto o espaço separado para adoração pública.
Muitas vezes, pensamos que podemos viver sem a igreja. E este pensamento vem por experiências amargas e também por egoísmo.
Então, voltamos a Bíblia e observamos que ela foi escrita para ser lida em público, o que não nos impede de a lermos em particular. Notamos também que muitos dos livros bíblicos foram dirigidos a comunidades, especialmente as cartas apostólicas.
Devemos ter em mente que o movimento deve do particular ao comunitário e do comunitário ao particular. Esta reciprocidade fortalece o indivíduo e a comunidade.
Com este horizonte diante de nós, ficamos surpresos com a leitura do Salmo 84.
O DEUS DAS METÁFORAS
Primeiramente, somos surpreendidos por suas metáforas. Parece que o poeta sabe que só podemos falar de Deus por metáforas. Fica-nos assim claro que “as metáforas não são apenas o melhor modo para descrever” as verades eternas, “mas são o modo que Deus escolheu para se expressar nas Escrituras” (OSBORNE, Grant. A espiral hermenêutica. São Paulo: Vida Nova, 2009, p. 499.)
Vejamos as metáforas, algumas comuns ao Antigo Testamento e outras exclusivas:
. templo como “lugar da habitação de Deus” (verso 1) — A ideia vem da crença hebréia de haver um lugar para Deus falar e ser ouvido, herdada da função da arca como símbolo da presença de Deus, razão porque estava guardada numa área específica do templo, chamada de lugar santo dos santos
. “Senhor dos Exércitos” (versos 1, 3, 8 12) — Este título para Deus (Yahweh Sabaoth, no hebraico) indica a sua invencibilidade
. pardal/altar (verso 3) — O poeta deseja ser como um pardal (ave que só aparece neste salmo, para indicar um pássaro de pouco valor) ou uma andorinha que ele deve ter visto alguma vez (e agora imagina) fazendo seu ninho junto ao altar, o lugar onde os pecadores são reconciliados com o Deus santo.
. “peregrinos de coração” (verso 5) — Esta expressão é também exclusiva neste Salmo, conquanto a idéia de uma vida peregrina seja comum tanto no Antigo quando no Novo Tesatmento. O poeta, enquanto se imaginava em peregrinação, reconhece que precisa ir além de um peregrino com os pés, para ser um peregrino da alma, indo além da caminhada e do ritual, para alcançar o prazer enquanto caminha e cultua.
. vale de Baca” (verso 6) — Vale hoje chamado de Baka, em Israel, é um vale árido, mas nele também Deus está presente. Por causa desta presença, pode-se experimentar chuvas de bênçãos, mesmo durante o outono quando as chuvas são fracas e raras.
. Deus de Jacó (verso 8) — Esta é uma expressão para se referir a Deus, indicando que Se revelou ao do povo de Israel
. ungido (verso 9) — Deve-se referir ao rei, que era ungido (com óleo) como uma indicação da escolha por Deus para o exercício de deu ofício. Pode ser aplicado a todos os que amam a Deus (como lemos no Salmo 23 e aprendemos no Novo Testamento, que diz em 2 Coríntios 1.21-22: “Ora, é Deus que faz que nós e vocês permaneçamos firmes em Cristo. Ele nos ungiu, nos selou como sua propriedade e pôs o seu Espírito em nossos corações como garantia do que está por vir”).
. “átrios” (verso 10) — São as áreas externas (pátios) do templo, onde o acesso era livre, já que entrada no interior do templo era menos comum.
TRÊS COMPROMISSOS NECESSÁRIOS
A partir da leitura do Salmo 84 podemos derivar algumas convites ao leitor moderno.
1. Precisamos de um compromisso com a igreja de Deus.
Nosso compromisso com a igreja deve resultar do nosso compromisso com o Deus da igreja (verso 1).
Devemos ir além do ritual, como peregrinos do coração (verso 5) que tiram alegria até da adversidade (simbolizada na aridez do vale do Baca) ou mesmo da rotina
A igreja será um lugar insubstituível se nela a Palavra de Deus foi lida e explicada, com o convite a que cada um aplique na sua vida.
A igreja será relevante se permitir e estimular que as pessoas tenham comunhão e sejam mutuamente fortalecidas.
A igreja valera se foi efetivamente usada por Deus para multiplicar a sua graça pelo mundo.
A igreja deve ter um lugar no nosso coração se for uma referência de justiça no tempo e no lugar em que estiver.
2. Precisamos de um compromisso em confiar em Deus.
Não precisamos confiar na igreja, que significaria confiar em nós mesmos, em outros poderes humanos ou instituições humanos. Elas precisam de nossa cooperação, não de nossa confiança.
Precisamos renovar nosso compromisso em confiar em Deus? Como sabemos se confiamos nEle. O teste é: se confiamos nEle, descansamos nEle.
Quem confia não espera em Deus por ser digno, mas procura ser digno por que confia em Deus. Não somos abençoados por sermos retos. Somos retos porque confiamos. Não precisamos “usar”as pessoas, porque Deus nos proverá.
3. Precisamos de um compromisso com uma vida íntegra
A participação na igreja (peregrinação até o templo) precisa desembocar numa conduta digna (verso 11). A experiência do culto deve ir além do momento.
O culto deve nos ensinar a viver uma vida digna do Evangelho. Cada culto deve ser uma experiência de autopercepção de nossa indignidade e um desejo por santidade.
Nossa participação na igreja reunida deve nos fortalecer para vivermos pela força de Deus. Podemos viver sozinhos ou ser fortalecidos mutuamente na e pela comunidade. Dela participando, fortalecemos os outros.
Nossa experiência de adoração coletiva deve nos capacitar para enfentar, individualmente, as adversidades com fé inabalável. Se o culto é uma visão da glória de Deus e levamos esta visão para a vida, no dia a dia, esta visão continuará conosco, de modo a vermos os problemas como Deus os vê.
Tudo o que cantamos e tudo o que ouvimos no culto só terá valor se nos capacitar a ter uma ética peregrina (focada em Deus, não nos nossos direitos)
Então, cada um de nós pode desejar assim.
Há muitos lugares para eu estar,
mas onde quero é onde posso louvar,
ali onde posso fazer meu ninho,
ali onde Deus me dá carinho,
enquanto palavras de amor lhe alinho.
Há muitos lugares para passear,
mas meu destino para viajar
é onde posso fazer minha oração
e ser ouvido em minha lamentação
como um peregrino do coração.
Há tantas e tantos em que me firmar,
mas sei que devo com todos estar,
mas só em Deus minha alma descansa
mesmo quando no vale avança
crente tão só no cuidado da confiança.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO