JUSTOS, MAS POBRES
Salmo 37
Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 25.8.1999
1. INTRODUÇÃO
A pobreza dos justos e a prosperidade dos ímpios é um desafio à nossa compreensão. Esta dissonância provoca em alguns até mesmo um sentimento de desânimo, moral (para que ser justo/correto, se os incorretos ganham dinheiro e tiram dele o máximo proveito?) e espiritual (por que ser justo/santo, se os injustos/inconversos parecem ser recompensados?)
As indagações são tão antigas quantos as sociedades humanas e o poeta do Salmo 37 as coloca com muita força ao longo de todo o poema. Na verdade, o salmo é um conjunto de versos que repetem a mesma idéia: os ímpios triunfam, mas seu triunfo é aparente e passageiro.
2. O PROBLEMA
O Salmo 37 é sobre um problema (o triunfo dos transgressores). Em sua mensagem, ele traz uma informação, a de que o autor jamais viu um justo (nem sua descendência) passar necessidades (v. 25). O problema é que temos visto justos passarem necessidades. Podemos ampliar, para dizer que temos visto justos passarem por imensas dificuldades, como a fome, o desemprego e a doença.
3. PARA RESOLVER OS DILEMAS
Temos, então, não apenas um problema (contido na informação-promessa), mas dois problemas: o fato inconteste da prosperidade dos incrédulos e a informação-promessa.
3.1. O dilema da prosperidade dos incrédulos
O problema da prosperidade dos ímpios é tratado pelo próprio salmista. Repetidas vezes, o salmista garante que eles:
. definharão e murcharão como a erva (v. 1)
. serão exterminados (v. 8, 22, 36, 38a), eles e suas descendências (vv. 28, 38b)
. deixarão de existir (v. 10), virando fumaça (v. 20)
. serão objeto do escárnio de Deus (v. 13)
. seus meios de destruição serão destruídos (v. 15)
. seus braços (suas bases de sustentação) serão quebrados (v. 17)
Repetidas vezes também salmista fala do que devem fazer as pessoas que buscam refúgio em Deus e não nas estratégias do mal. Eles devem:
. não se indignar/invejar/irritar/impacientar/enfurecer diante da existência dos malfeitores (vv. 1, 7, 8),
. confiar em Deus, apegando-se à sua presença e aos seus valores, fazendo sempre o bem/vivendo corretamente (vv. 2-5, 37)
. descansar (deixar sobre) em Deus (v. 5)
. viver segundo a lei de Deus, inscrita em seu coração (v. 31)
. recordar que o seu eventualmente pouco é melhor do que o eventualmente muito do malfeitor [daquilo obtido ilicitamente] (16)
. recordar que sua herança terá valor permanente e não será corroída (v. 18)
. lembrar que Deus tem prazer no estilo de vida dos justos (23)
. lembrar que Deus jamais os desamparará (vv. 25, 28), nem à sua descendência (v. 26)
Os motivos (promessas) para isto são claros:
. as vitórias dos malfeitores são passageiros e não nos devem impressionar (vários)
. Deus satisfará as necessidades daqueles que nEle confiam/esperam (vv. 4, 5)
. Deus fará justiça aos justos no tempo próprio (v. 6)
. os justos herdarão a terra [possuirão terra, o único bem à época] (vv. 11, 29)
. mesmo nas crises, os justos não passarão fome (v. 19) e serão sustentados pela mão [forte mão, segundo Ralph Carmichael] pela mão de Deus (vv. 24, 37)
3.2. O dilema da informação-promessa
. A informação-promessa era uma verdade para Davi. Ele não diz que os justos não mendigam, mas que nunca viu um deles mendigando.
. No contexto da economia hebréia, esta era uma verdade por causa da natureza comunitária da sociedade (não havia a idéia de indivíduo) e do direito vigente, como o direito do ao respigamento (colheita secundária após a colheita principal; segundo Lv 19.10, Dt 24.21 e Rt 2.2, durante a colheita aquilo que caísse no chão não deveria ser recolhido para ficar para os pobres, que teriam o direito de recolher o que tivesse sobrado. Infelizmente, nem sempre isto funcionava, porque sobrava muito pouco; por esta razão, Boaz deixou propositadamente mais grãos para Rute).
. O autor falava também de uma sociedade ideal. Até hoje o padrão divino para as sociedades é este; que ninguém mendigue pão. No entanto, permanece a estrutura injusta de nossas sociedades, como o reconhece o próprio salmista (v. 14). Esta estrutura faz com que os ricos floresçam como cedros do Libano (viçosos, com raízes profundas e espalhadas [bens de raiz], altos e bonitos [v. 35]) Dois exemplos recentes: quando surgiu a CPFM, era para drenar recursos financeiros da sociedade exclusivamente para equipar e remunerar o sistema público de saúde Acabou se tornando mais um imposto para financiar o governo. Já houve várias tentativas de se taxar as fortunas, num país em que a maioria dos grandes bancos e banqueiros não paga sequer imposto de renda. Já houve várias tentativas de se implementar um programa de renda mínima, que está circunscrito a algumas cidades. Agora, o senador Antonio Carlos Magalhães propõe medidas compensatórias para os pobres. Ele explicou, em entrevista ao jornalista Boris Casoy, que seu objetivo é evitar que os pobres fazem uma revolução.
4. APRENDENDO COM O DILEMA
1. Não devemos sacralizar a pobreza, como fazem alguns a partir da frase de Jesus que sempre teríamos os pobres conosco (Jo 12.8). Ela não faz parte da economia divina. É fruto do pecado social (não o individual). É fruto do fato de o mundo jazer no maligno.
2. Não devemos achar que a pobreza é uma espécie de castigo divino para uns (a maioria) e que a riqueza é a sua bênção para outros (a minoria). Nós conhecemos muitas pessoas pobres, que são esplêndidos crentes (como foi o caso da viúva pobre, que continua pobre, embora elogiada por Jesus — Lc 21). A teologia dos fariseus contemporâneos de Jesus era que a desgraça de uma pessoa (no caso, a cegueira congênita de uma pessoa) era fruto do seu pecado pessoal ou dos pecados de seus pais. A resposta foi: ele não sofre por causa do seu pecado e do pecado dos seus antepassados (Jo 9.3). Os pobres, portanto, não são pobres porque Deus quer, mas porque a sociedade é injusta e porque alguns nada fazem para não continuarem na miséria. Não devemos achar que a riqueza seja uma bênção de Deus. É fato que Deus, por sua soberania, pode abençoar especialmente a algumas pessoas, mas a riqueza pode ser fruto do trabalho inteligente, mas também fruto da inteligência da exploração do outro, dos esquemas desonestos. Não há, pois, relação de causa e efeito entre santidade e prosperidade.
3. Devemos nos indignar/irritar com a prosperidade dos ímpios, quando obtida fraudulentamente ou quando construída a partir de um sistema injusto (por meio de favores, isenções, informações privilegiadas, etc). Devemos nos indignar e denunciar este sistema, porque é ele que mantém a miséria da desigualdade. Devemos também contribuir para mudar este estado injusto de coisas, por meio de uma visão crítica das estruturas sociais e por meio da generosidade (Mc 10.21 — Jesus disse a um candidato a discípulo: “ Vai, vende tudo o que tens; dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu; então, vem e segue-me”, para indicar como deve ser a nossa relação como dinheiro; Gl 2.10).
4. Devemos tomar o cuidado para não imitar os ímpios. De tal modo são as coisas, que acabamos achando o errado como certo e embarcar na mesma visão de mundo. Não devemos imitar os ímpios, por mais sedutora que nos pareça sua vida. Eles serão exterminados e, se fizemos o mesmo, também o seremos (v. 17). Deixemos que Deus nos sustenha. Sustentemo-nos firmados na justiça e na certeza de que Deus não nos desampara. Não nos esqueçamos que Deus fará justiça aos ímpios, embora nem sempre a vejamos (vv. 16, 19, 22,38), conquanto também às vezes vejamos (como ocorreu com PC Farias, cujo fim foi ser morto numa cama, nada lhe tendo valido o dinheiro e glória [glória que matou a própria esposa] do passado. O importante, no entanto, é o ensino bíblico (neste e em centenas de outros textos): não nos preocupemos sequer em ver justiça; deixemos isto para Deus; isto é um assunto dele.
5. Devemos buscar a prosperidade, mas a verdadeira prosperidade, que é aquela que imita o agir de Deus (Sl 1). Próspera é a pessoa que tem prazer em compartilhar o que tem. Neste sentido, por exemplo, todo dizimista é próspero.
Este ainda é um assunto a merecer mais estudo. A chamada teologia da prosperidade ensina que Deus promete riqueza material a quem for fiel a Deus. Afinal, nós somos filhos do Rei. A bênção de Deus para nós geralmente está associada a emprego, saúde, conforto, fama e dinheiro. [Carta de leitor à revista Vinde.) Tem muita igreja cheia por prometer essas coisas aos seus seguidores. É possível que aqui mesmo, hoje, haja gente que venha cultuar à espera deste tipo de bênção. Sim, Deus nos faz prósperos, mas seu conceito de prosperidade é decepcionantemente diferente do nosso.
5. CONCLUSÃO
Ser abençoado é viver no mundo segundo os padrões divinos (v. 1).
Ser abençoado é viver alimentando-se da verdade que procede do coração de Deus (v. 3).
Ser abençoado é poder entregar a Deus as suas preocupações (vv. 3, 5).
Ser abençoado é viver de um modo que abençoa os filhos, nesta geração e na próxima (v. 37).
Ser abençoado é ter prazer em fazer o que é reto (v. 23).
Ser abençoado é confiar (pela fé) na justiça de Deus para com os ímpios e para conosco (v. 28).
Ser abençoado é viver de tal modo generoso que contribuamos para que nenhum justo mendigue o pão (v. 25), de modo a podermos dizer, hoje e ao final de nossas vidas, que também não vimos (não permitimos) que haja miseráveis entre nós.
Estas bênçãos devemos buscar.