Salmos 126: SEMEANDO COM LÁGRIMAS

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SEMEANDO COM LÁGRIMAS

Salmo 126
 
Provavelmente, o salmo se refira à volta do exílio da Babilônia, fato memorável da história do antigo Israel, narrado no livro de Esdras. O contexto nos ajuda a entender o salmo, mas seu significado aplica-se ao alívio de qualquer situação aflitiva, o que inclui os que amam a Deus; nós também, em nosso país e em nossa casa, podemos estar na condição de exilados ou de ex-exilados. Muitas vezes em nossas vidas, “a alegria parece morar no passado, porque o presente é feito só de lágrimas”. (MOTYER, J.A. Salmos. Comentário bíblico Vida Nova, 2008, p. 868) Podemos estar exilados de Deus e voltar para Ele.
 
1. Precisamos celebrar as nossas libertações (versos 1-3)
 
“Quando o Senhor trouxe os cativos de volta a Sião, foi como um sonho.   
Então a nossa boca encheu-se de riso, e a nossa língua de cantos de alegria.
Até nas outras nações se dizia: ‘O Senhor fez coisas grandiosas por este povo’.   
Sim, coisas grandiosas fez o Senhor por nós, por isso estamos alegres”. 
(Salmo 126.1-3)
O poeta olha para o seu presente e talvez se aflija (como parece indicar o verso 4: “restaura-nos”). Então, olha para o passado do seu povo e fica extasiado diante do que Deus fez. Ele diz que a libertação (a volta para casa) foi tão esperada (esperada, porque desejada) e tão inesperada (inesperada, porque não dependeu das ações das pessoas, mas da providência de Deus) que pareceu um sonho, algo irreal.
Voltar para casa é uma das experiências mais sublimes de uma pessoa. Chico Buarque perenizou o sonho dos anistiados voltando ao Brasil de 1977:
 
“Pode ir armando o coreto e preparando aquele feijão preto
Eu tô voltando
Põe meia dúzia de brahma prá gelar, muda a roupa de cama
Eu tô voltando
Leva o chinelo prá sala de jantar
Que é lá mesmo que a mala eu vou largar
Quero te abraçar, pode se perfumar porque eu tô voltando”
(Chico Buarque de Hollanda)
 
Depois de tantos anos impedidos de pisar no Brasil, os refugiados políticos foram voltando. Parecia um sonho, para ele, seus familiares, seus amigos, seus partidários.
Precisamos da memória da nossa libertação. Precisamos cantar a nossa libertação. 
O poeta bíblico celebra a libertação, comparando-a a um sonho.
Precisamos saber que a nossa libertação pareceu um sonho, de tão extraordinária, mas aconteceu de fato. Se ainda nos parece um sonho, precisamos acordar do sonho. E às vezes demora percebermos o que Deus fez. Acostumamos tanto em pedir que, quando Deus faz, não acreditamos, como se estivéssemos anestesiados. Muitas vezes, precisamos de um tempo para a restauração plena após a vitória. De um tempo para despertar do sonho da vitória. De um tempo para o coração se acostumar com a nova realidade. De um tempo para o corpo se tranqüilizar.
Também precisamos sonhar a com a nossa libertação. São os sonhadores que preparam as grandes mudanças. Não há mudança sem desejo. Não há mudança se alguém não a sonhar. Nossas vidas não mudam se não sonhamos em muda-las.
 
2. Precisamos continuar orando para que a ação de Deus seja plena (verso 4)
 
“Senhor, restaura-nos, assim como enches o leito dos ribeiros no deserto”.
(Salmo 126.4)
 
O poeta, depois de agradecer a libertação, pede restauração.
Por que?
Será que ele não tinha ainda se acostumado com a vitória?
Será que ele ora por aqueles que ficaram na Babilônia, logo em dificuldade ainda (como sugeriu Atanásio de Alexandria, no século 4)?
Não: ele sabe que o Deus que agiu no passado agirá no presente. Por isto, sua oração é para que Deus complete o que começou a fazer ou que faça de novo, embora em outro contexto. É um pedido por plenitude.
“Restaura-nos” é oração de quem se volta para Deus, depois de estar exilado. “Restaura-nos” é oração de quem confia por ter visto a libertação. “Restaura-nos” é oração de quem reconhece que precisa de Deus. “Restaura-nos” é oração de quem olha para o seu problema e vê a solução que Deus providencia, como já fez no passado. “Restaura-nos” é oração de quem sabe que pode desanimar, mesmo depois de tudo o que viu Deus fazer. “Restaura-nos” é oração de quem está certo que não há plenitude fora do amor de Deus. 
 
3. Precisamos semear, mesmo em lágrimas (versos 5-6)
 
“Aqueles que semeiam com lágrimas,
com cantos de alegria colherão.   
Aquele que sai chorando enquanto lança a semente
voltará com cantos de alegria, trazendo os seus feixes”. 
(Salmo 126.5-6)
 
Semear com lágrimas é semear sem ver a colheita. Não há como semear, senão com lágrimas, porque a semeadura precede a colheita. Ah esta é a ordem: primeiro a semeadura, depois a colheita. Ouço diretores de empresas reclamarem de jovens que já querem começar pelo topo, indo logo para a colheita, sem passar pela semeadura.
Semear chorando é semear sem saber que vai colher, até mesmo contra a esperança de colher, como quem lança pão sobre as águas (Eclesiastes 11.1). Semeia assim aquele para quem plantar faz parte do seu estilo de vida. Não importa se valerá a pena ou não: ele planta. 
Semear com lágrimas é semear colocando no solo o grão que falta para a boca hoje. É passar fome hoje para ter amanhã. É acordar de madrugada, contra a vontade, para estudar, para trabalhar, para preparar a marmita que talvez esteja fria na hora do almoço. É saber que a vida é feita de esforço.
Semear chorando é viver de um modo em que não há vergonha nas suas práticas. É viver não para ser reconhecido em seu valor, mas viver de tal modo que será reconhecido. Lembro de uma professora do ensino médio cuja vida deu muitas voltas. Ela deu aulas por muito tempo em escolas particulares da sua cidade, o Rio de Janeiro. Sua vida e a de seus alunos seguiram seus naturais cursos. Suas filhas cresceram e alcançaram a universidade. Para o bem delas, a família voltou ao Rio de Janeiro, mas sem emprego. Através de uma comunidade no Orkut, voltou a ter contato com vários de seus alunos. Um deles, empresário, lhe perguntou se precisava de algo e, mais tarde, lhe deu um emprego, ofereceu trabalho para uma de suas filhas e lhe alugou uma casa em condições muito favoráveis. Este seu aluno disse que jamais poderia esquecer a atenção que recebeu quando era estudante. Essa professora semeou; muitos anos depois, colheu; ela não plantou para colher, mas plantou e colheu. Ela viveu de um modo que gerou gratidão.
Semear com lágrimas é para quem sabe que a vida é feita de lágrimas e sorrisos, de insônias e sonos, de sonhos e frustrações, de sombra e luz, de vales e montanhas, de medo e paz, de derrotas e vitórias. Ninguém chega ao topo da montanha, se não subir e ninguém sobe sem suar, sem se perder, sem se cansar, sem tropeçar. Ninguém atravessa o rio, se não nadar ou tomar um barco. Ninguém chega ao seu destino, se não fizer a viagem. Ninguém terminará de ler um livro, se não o vencer página por página. Ninguém construirá uma casa, se não puser tijolo após tijolo na obra. Ninguém formará uma biblioteca, se não colocar nela livro por livro. Ninguém participará da sua própria formatura (num curso) ou passará num concurso, se não faltar a festas, deixando sua rotina alegre para construir uma outra rotina sisuda dominada pelo verbo estudar. Ninguém colherá, se não plantar. Ninguém alcançará uma coisa, se não abrir mão de muitas coisas.
Semear chorando é plantar sabendo que não há missão impossível, mas missão a ser realizada, porque Deus faz convergirem as coisas para aqueles que O amam. Só então haverá júbilo, sim, o cântico da colheita será entoado “só quando a cansativa semeadura tiver sido completada e os campos estiverem maduros para a colheita. É neste ponto que nos encontramos no plano perfeito de Deus”. (MOTYER, J.A. Salmos. Comentário bíblico Vida Nova, 2008, p. 868) O conselho de Tiago é inspirador: “Portanto, irmãos, sejam pacientes até a vinda do Senhor. Vejam como o agricultor aguarda que a terra produza a preciosa colheita e como espera com paciência até virem as chuvas do outono e da primavera” (Tiago 5.7).
Semear com lágrimas é fazer o que precisa ser feito e consagra-lo a Deus, no sentido de feito para Deus.  
 
NOSSO COMPROMISSO
Celebremos nossas libertações. Sejam materiais, emocionais ou espirituais. Desfrutemos as bênçãos recebidas. Fruamos as vitórias alcançadas.
Continuemos orando para que Deus complete o que começou em nós e através de nós. Só depois de celebrarmos o que Deus nos deu é que devemos Lhe pedir mais.
Prossigamos semeando, mesmo banhado em lágrimas, mesmo que com muitas dificuldades. Não há missão impossível. Plantemos. A colheita virá.
 
ISRAEL BELO DE AZEVEDO