OS INIMIGOS DA GRAÇA
Filipenses 3.2-3
1. INTRODUÇÃO
Podemos, os cristãos, viver no compasso da graça, fora deste compasso ou até mesmo contra ele.
O compasso da graça, com seus traços formados pela cruz de Cristo, é tão escandaloso que muitos não o entendem. Como, por exemplo, aceitar o fato que Deus ame tanto o ser humano que decidiu viver como humano e morrer como humano. Como, também, admitir o fato que este amor divino encontre adversário ou indiferentes.
Acredite quem quiser: a graça tem inimigos. O apóstolo Paulo nos fala de três destes inimigos, em Filipenses 3.
2. OS INIMIGOS DA CRUZ
Paulo adverte-nos, portanto, contra três tipos de inimigos da cruz, que ele nomeia como sendo: os cães, os maus obreiros e os seguidores da falsa circuncisão.
Estes inimigos ainda nos rodeiam, construindo muros para nos afastar da cruz e da graça. Seus rostos podem não ser os mesmos dos do tempo do apóstolo, porque fizeram plásticas de disfarce. No entanto, continuam em ação, afastando da graça e afastados da graça.
2.1. Os cães
Quem são estes cães a que se refere o apóstolo Paulo?
Lembremos que, com exceção de uma passagem, quando os guerreiros de coragem são os que, na história de Gideão, bebem água como os cachorros (Juízes 7:5), a Bíblia representa os cães de uma maneira bastante negativa, bem diferente dos tempos mais recentes em que eles se tornaram animais de estimação no âmbito das famílias. A visão bíblica repercute, no plano dos símbolos, o fato de os cães, nos tempos antigos, estarem apenas semidomesticados. Em Israel, por exemplo, os que não estavam a serviço da agropecuária (Isaías 56.10, Jó 30.1) se alimentavam do que encontrassem pelos campos e cidades, fossem restos de comida (Lucas 16.21) e até de cadáveres (1Reis 14.11, Salmo 59.6,14), como fizeram com o corpo da rainha Jezabel (2Reis 9.10).
1. Sabemos que os cães guardam pessoas e propriedades (Isaías 56.10, Jó 30.1), mas também sabemos que se tornam perigosos quando deixam de escutar ao seu dono.
No sentido espiritual, podemos generalizar que os cães são os que se auto-elegem em guardiães da moral e da doutrina… sempre para os outros. Estão sempre de plantão para denunciar o erro alheio. Há cristão especialista em latir para avisar que seu irmão fraquejou. Paulo pede que tenhamos cuidado com este tipo de pessoa. Eles estão nas igrejas, achando que as edificam, quando, na verdade, as desmontam com seu legalismo rancoroso. A graça, para eles, ficou na cruz, não podendo hoje ser mais ministrada. São cães, negativamente falando, porque não ouvem mais a voz de Deus. Quando a ouvem, é pela metade. Quando lêem Jesus dizer
Vinde a mim, todos os que estai cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.
Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração;
e achareis descanso para as vossas almas.
Porque o meu jugo é suave e o meu fardo e leve
(Mateus 11.28.30),
eles só ouvem o que lhes interessa: Vinde a mim; Tomai sobre vós o meu; Jugo; Fardo. O verbo aliviarei, o substantivo descanso, os adjetivos manso, humilde, suave e leve não entram no dicionário da sua fé.
Cuidado com eles. Seu cristianismo, sem graça, não é o de Cristo. Como os cães do Primeiro Testamento, eles se alimentam, não da comida pura de Deus, mas de restos estragados de um Evangelho mutilado.
2. Podemos pensar também nestes cães como aqueles que só querem tirar de Cristo. Há pessoas, dentro e fora das igrejas, que não têm o mínimo compromisso com Cristo, mas querem ser tratados por Ele como se Lhe fossem fiéis…
Como certos cães, essas pessoas só querem Suas bênçãos, mas nunca um relacionamento com Ele, porque a maior bênção não é uma intervenção espetacular dEle, mas uma vida na Sua presença. Esses cães integram a religião do “o que o Senhor vai me dar hoje?” e não “o que darei eu ao Senhor por todos os seus benefícios que tem trazido?
É duro o conselho de Jesus com relação a estas pessoas:
Não deis aos cães o que é santo,
nem lanceis aos porcos as vossas pérolas,
para não acontecer que as calquem aos pés
e, voltando-se, vos despedacem
(Mateus 7:6).
Não sejamos como estes cães.
3. O livro do Apocalipse nos fala de um terceiro tipo de cão.
Ficarão de fora os cães, os feiticeiros, os adúlteros, os homicidas,
os idólatras e todo o que ama e pratica a mentira.
(Apocalipse 22.15)
Esses cães são os pecadores rebeldes, que não se arrependem dos seus pecados, razão porque não terão casa no condomínio celeste.
Rebelde é aquele que não permite que a voz de Deus alcance o seu coração. O rebelde até ouve, mas não pratica. Sua mente até sabe que Jesus é o Senhor, mas seu coração não permite que seus lábios o confessem.
O rebelde é rebelde porque acha que seu jeito de viver é melhor que o de Cristo. O rebelde peca contra o Espírito Santo ao não se deixar convencer por Ele do seu pecado e, logo, do juízo que terá que terá que enfrentar apenas porque quer, já que absolvição foi promulgada na cruz para todos que a aceitarem.
2.2. Os maus obreiros
A edificação do Corpo espiritual de Cristo é tarefa de todo aquele que recebeu de Deus um dom e o exercita. Não há crente para quem Deus não tenha reservado um dom, mas há crentes que ainda não reservaram uma oportunidade para Deus lhe mostrar qual é o seu, assim como há crentes que enterraram ou atrofiaram o(s) seu(s).
Todos os membros do Corpo de Cristo são obreiros de Cristo. Podemos escolher ser bons ou maus obreiros.
Os maus obreiros são aqueles que, não importando a sua função, buscam seus próprios interesses, usando sua fé ou a dos outros para benefício próprio.
Os maus obreiros são aqueles que fazem os outros tropeçarem. Há muitos cristãos que nunca conduziram uma pessoa a Cristo, mas já levaram, por palavras e e atitudes, muitos para bem longe do Salvador. Há quem, oh contradição das contradições, em nome de Cristo, machucam e ferem e maltratam os outros.
Os maus obreiros são aqueles cujos ministérios são movidos pela vaidade, às vezes sem fronteiras. Esses se auto-promovem por vezes no limite do ridículo. Certa feita contei num periódico institucional 12 fotos do seu presidente,12 das 14…
Os maus obreiros têm uma doutrina correta, mas uma motivação errada. Têm um ministério correto, mas uma motivação errada. Por isto, continua válido o critério apostólico para se discernir um falso obreiro era verificar para quem apontava a mensagem: se para o mensageiro, ele era falso; se para Cristo, ele era verdadeiro.
Os maus obreiros são aqueles que, por displicência ou por preguiça, fazem de qualquer maneira o trabalho que o Senhor lhes confiou.
Uma velha piada tem um pastor como personagem, mas se aplica a qualquer obreiro (logo, a qualquer cristão).
Uma senhora foi acordar seu filho no domingo pela manhã, poucos minutos antes de a Escola Dominical começar. Ele respondeu:
— Dê-me duas razões para eu acordar agora.
Sua mãe respondeu:
— A primeira razão é que faltam 15 minutos para a Escola Dominical começar. A segunda é que você é o pastor da igreja…
Muitas iniciativas na igreja não prosperam por falta de responsabilidade dos obreiros, tanto de líderes quanto de liderados.
2.3. Os da falsa circuncisão
O apóstolo Paulo se refere aqui aos judaizantes, que achavam que os não judeus tinham que se fazer judeus para se tornarem cristãos.
Há ainda cristãos tão legalistas que temos de nos perguntar se suas crenças são realmente cristãs.
Há cristãos que têm orgulho de serem cristãos, como se não tivessem sido alcançados pela graça e de graça, sem esforço algum.
Os da falsa circuncisão, falsa porque feita de aparência, são os que, em nome de Jesus, machucam e ferem e maltratam os outros.
Quando nos arvoramos em cães de Cristo, tendemos a defender nossas visões como sendo dEle e não nossas, o que seria mais honesto.
Nossa igreja tem o salutar hábito de não rebatizar irmãos já batizados (imersos) por igrejas não batistas, aceitando-os por declaração (aclamação), bem como de ministrar a Ceia do Senhor a todos que confessam que Jesus é seu Senhor e não há nisto nenhuma vantagem, já que a Ceia não é nossa mas do Senhor.
No entanto, há ainda uma prática nossa que espero podermos rever, se o Espírito de Deus a isto nos conduzir. Eu me refiro ao fato de não batizarmos cônjuges não casados no civil. Estou convencido pelo Espírito Santo que não podemos negar o batismo a uma pessoa que se converta e que, por razões alheias à sua vontade, viva sob aquilo que a Lei considera como união estável. Não quero com isto desprestigiar a instituição do casamento, entendendo que as cerimônias civil e religiosa são ordenações divinas. Exigir de um cristão (no caso um preceito legal, que o próprio Estado abriu mão e ao qual o seu cônjuge não quer se submeter) é uma demanda da falsa circuncisão, que corta a igreja em pedaços.
3. OS AMIGOS DA CRUZ
Na seqüência do texto, o apóstolo Paulo mostra como devemos viver.
3.1. Devemos adorar a Deus no Espírito
Os cães estão preocupados em proteger o sistema religioso, mas os verdadeiros cristãos estão ocupados com a adoração a Deus, sabendo que o sentido da sua/nossa religião é o culto que prestamos ao Senhor de suas/nossas vidas.
Quando o dia começa, eu preciso dizer: “Senhor, tudo o que eu pensar, desejar ou fizer hoje, seja para Te adorar e para Te dar glória”. Quando o dia termina, eu preciso perguntar: “Senhor, minha feita foi hoje um altar ao Teu nome?”
Quando o culto começa, eu preciso desejar: “Senhor, eu quero Te adorar em espírito e em verdade. Então, que o Teu Espírito domine minha mente e meu corpo”. Quando o culto se encerra, eu preciso poder dizer: “Senhor, o que eu ouvi, o que eu falei, o que eu cantei, o que eu fiz foi tudo para Ti, por todos os benefícios que me tens oferecido”.
A religião só tem um sentido e uma direção: Deus. Quando ela me ilumina, é para apontar o meu pecado. Quando ela aponta para mim, é para mostrar o quanto sou amado por Deus.
3.2. Devemos nos gloriar em Cristo Jesus
Os maus obreiros estão no caminho do erro porque visam seus próprios benefícios. Gostam de vencer para mostrar o quanto são abençoados por Deus. A vaidade os move. Até fazem grandes obras, mas a motivação dessas obras tira-lhes o valor.
Os maus obreiros podem ser até vencedores, mas são triunfos vazios os seus porque buscados segundo os métodos da impiedade.
Os bons obreiros não adoram visando o auto-elogio ou o aplauso, porque seu culto é um culto, prestado para Deus assistir.
É verdade que a religião é para nos tornar mais fortes e mais cheios, mais cheios do poder… do poder do Espirito Santo, mais fortes para viver e para conviver, fortes para amar, fortes para respeitar, fortes para cuidar.
3.3. Devemos confiar na cruz (e não na carne).
Aprendemos de uma vez por todas: quando nos sentimos fortes, é que estamos fracos, à beira do desânimo; quando achamos bons, é que estamos prontos para pecar com mais sofisticação.
Quando nos firmamos na carne, nossos pés resvalam para o buraco. Por que, então, somos tão orgulhosos? tão cheios de nós mesmos? tão preconceituosos? tão capazes de separar as pessoas, como se o julgamento fosse nosso e não de Deus?
Se somos alguma coisa (salvos), não há merecimento nenhum em nós. É a graça de Jesus que veio até nós; não foi o nosso esforço que nos levou a Ele. Por que não sermos um pouco mais humildes?
4. CONCLUSÃO
Somos todos obreiros e devemos tomar cuidado para não fazermos o mesmo que condenamos nos outros.
A verdadeira circuncisão é espiritual e não física (Romanos 2:25-29; Colossenses 2:11; Efésios 2:11).
Ouçamos, de novo e completa, a advertência do apóstolo Paulo:
Cuidado com os cães!
Cuidado com os maus obreiros!
Cuidado com os da falsa circuncisão!
Porque os que receberam a verdadeira circuncisão fomos nós, e não eles.
Nós adoramos a Deus por meio do seu Espírito
e nos alegramos na vida que temos em união com Cristo Jesus em vez de pormos a nossa confiança em cerimônias religiosas como a circuncisão.
É verdade que eu também poderia pôr a minha confiança nessas coisas.
Se alguém pensa que pode confiar nelas, eu tenho ainda mais motivos para pensar assim. Fui circuncidado quando tinha oito dias de vida
. Sou israelita de nascimento, da tribo de Benjamim, de sangue hebreu.
Quanto à prática da Lei dos judeus, eu era fariseu.
E era tão fanático, que persegui a Igreja.
Quanto ao cumprimento da vontade de Deus por meio da obediência à Lei,
ninguém podia me acusar de nada.
No passado, todas essas coisas valiam muito para mim;
mas agora, por causa de Cristo, considero que não têm nenhum valor.
E não somente essas coisas, mas considero tudo uma completa perda,
comparado com aquilo que tem muito mais valor,
isto é, conhecer completamente Cristo Jesus, o meu Senhor.
Eu joguei tudo fora como se fosse lixo,
a fim de poder ganhar a Cristo e estar unido com ele.
Eu já não procuro mais ser aceito por Deus por causa da minha obediência à Lei.
Pois agora é por meio da minha fé em Cristo que eu sou aceito;
essa aceitação vem de Deus e se baseia na fé.
Tudo o que eu quero é conhecer a Cristo
e sentir em mim o poder da sua ressurreição.
(Filipenses 3.2-10a)