BÍBLIA, PALAVRA INSPIRADA
2Timóteo 3.14-16
(Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 18.6.2000, manhã)
1. INTRODUÇÃO
[TEXTO BÍBLICO]
2 Timóteo 3
14 Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido, e que desde a infância sabes as sagradas letras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela que há em Cristo Jesus.
16 Toda Escritura é divinamente inspirada e útil para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente preparado para toda boa obra.
2. EXPOSIÇÃO APLICADA
A exposição sublinhará as seguintes expressões:
tu, porém
permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado
desde a infância
podem fazer-te sábio para a salvação
toda Escritura é divinamente inspirada
perfeitamente preparado para toda boa obra
1
tu, porém
Nos versículos anteriores, descreve o mundo de sua época, em nada diferente do nosso. Ele descreve a moral (escrava dos deleites pessoais, porque as pessoas só amam a si mesmas — v. 4), a filosofia (orgulhosa de suas próprias perspectivas e sem o temor de Deus — v. 4) e a religião (que tem aparência de piedade e é capaz de arrastar multidões, embora não tenha o poder de Deus — v. 5).
Contra esta correnteza, Paulo lembra (tu, porém) a Timóteo que ele é de outra estirpe (raiz), aquela a quem Pedro chama de “geração eleita” (Vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as grandezas daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós que outrora nem éreis povo, e agora sois de Deus; vós que não tínheis alcançado misericórdia, e agora a tendes alcançado — 2Pd 2.9-10)
Somos mesmo de outra estirpe? Somos mesmos geração eleita?
Nossa época elegeu o relativismo como sua filosofia e sua conduta. A essência do ensino desta visão pode ser resumida em duas frases: tudo é verdade; a verdade é o que eu acho ser a verdade. Predomina a noção do “politicamente correto”, que é um cuidado que devemos exercer, mas que não pode levar ao exagero de mais não julgarmos os comportamentos dos outros, como se todos estivessem corretos tanto do ponto de vista intelectual quanto do moral.
O que diz o relativismo, num plano, o moral, por exemplo? Não é politicamente correto condenar o homossexualismo, por se tratar de um direito que uma pessoa tem sobre sua sexualidade. No entanto, se somos de outra estirpe, lemos na Bíblia claramente, que Deus abomina todas as manifestações de pecado, o do homossexualismo entre eles, mas não somente o homossexualismo.
Segundo o relativismo vigente, não é politicamente correto afirmar que só quem segue a Cristo como Senhor será salvo, para não incorrermos em algum tipo de etnocentrismo, ao julgarmos o mundo pela ótica dos que seguem a Jesus. Afinal, todas as religiões são verdadeiras… Ora, se somos geração eleita, lemos na Bíblia que só há um caminho para a salvação; logo, não podemos inventar outro evangelho. É claro que isto não nos dá direito de massacrar as culturas dos outros povos (como os ingleses fizeram com os indianos e os portugueses com os índios), nem considerar ninguém inferior.
Quem integra o sacerdócio real nada contra a correnteza, por mais forte que ela seja.
O apóstolo Pedro nos adverte contra as fábulas engenhosas. (Porque não seguimos fábulas engenhosas quando vos fizemos conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, pois nós fôramos testemunhas oculares da sua majestade — 2Pd 2.16)
Todo modo de pensar e viver que esteja em contradição com a Bíblia é uma fábula engenhosa, como o caso do corbã, que ilustra bem a capacidade humana de “dar uma volta” em Deus.
A legislação do antigo Israel era muito severa. Era uma obrigação dos filhos cuidarem dos pais velhos ou pobres. O castigo, para quem não cumprisse, era a morte (Ex. 21:17). Os judeus deram um jeito de fugir a este mandamento. Alguns entravam em acordo com o pessoal do templo e dedicavam (corbã) seu patrimônio ao Senhor. Assim, seus bens não poderiam ser usados. Quando seus pais morriam, davam um jeito (subornando algum religioso) de recuperar o que tinham `oferecido’ a Deus.
Por isto, Jesus ficou tão indignado contra esses espertos (Mc 7.9-13).
Contra o relativismo, que é uma forma de subjetivismo, a Bíblia é o melhor anteparo.
2
permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado
Não há qualquer contradição entre a ciência e a fé. Ou melhor: pode haver contradição entre a ciência e a fé, mas não entre a fé e a ciência. Um cristão se extasia com as descobertas da ciência e com as maravilhas da tecnologia. A diferença é que o cristão não vê a ciência e a tecnologia como fins em si mesmas, mas competências humanas, dadas por Deus, para o domínio equilibrado da natureza e da vida.
Isto não quer dizer que a ciência faz coisas condenáveis, como armas químicas ou eletrônicas de grande poder de destruição. Não basta dizer que esses artefatos são neutros; ruim é o uso que fazemos delas. Não! Arma não presta para nada.
Esses erros não podem levar os cristãos a se posicionar contra a ciência. Aliás, esta atitude tem levado muitos homens de ciência a fugirem da fé.
Não há qualquer contradição entre a inteligência e a oração. Nós devemos viver nestes dois níveis, sabendo que um não se esgotam sem o outro. A inteligência pode saber todas as características de uma laranja, mas só a experiência de chupá-la pode revelar o sabor da laranja. A inteligência nos ajuda a entender Deus, mas só a oração nos capacita a fruir de sua presença. Nós precisamos entender Deus, pela inteligência; nós precisamos fruir Deus, pela oração.
Nós precisamos apreender. Quem não aprende está longe de fruir o sabor da vida. Quem não estuda a Bíblia não pode alcançar a profundidade de sua verdade. Às vezes, queremos aprender, mas sem esforço. Alguns chegamos a sucumbir à tentação da iluminação direta, que é pedir para Deus nos falar, não por sua Palavra (que dá trabalho), mas por sua comunicação direta conosco (por meio de visões e sonhos, que são meios excepcionais e a critério de Deus, não sendo, pois, legítimo, pedir por eles, embora devamos aceitá-los se Deus os usar para conosco).
Aprendamos de Deus por meio da sua Palavra, porque ela é útil para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito (v. 16b).
3
desde a infância
Timóteo era um privilegiado, como há muitos cristãos privilegiados, por ter desde a infância aprendido as sagradas letras.
Os mais jovens devem agradecer a Deus este privilégio e pedir a Ele que os mantenha neste caminho, apesar das fábulas engenhosas. Muita gente tem que experimentar o horror do pecado e mesmo a perda da fé, para descobrir que o salário do pecado é a morte e então se voltar para Deus, alguns já alquebrados sem poder fruir aqui o prazer da presença do Pai.
Ouvi de uma senhora cristã, solitária, que começou a namorar um homem e em poucas semanas o colocou em sua casa, em seu quarto e em sua cama. Quando contestada com a Palavra de Deus, ela se saiu com esta: “Estou dando um tempo para Deus”. Ela reconhece seu erro, mas prefere viver nele. Ela não permanece aquilo que aprendeu.
Os mais jovens devem respeitar aos mais velhos, parando para lhes ouvir, buscando seus conselhos. Há muitos juniores, adolescentes e jovens que acham que já sabem tudo da vida, quando não sabem nada. Se os mais velhos sabem quase nada, quanto mais os jovens… É um privilégio ser instruído.
Não importa a nossa idade, devemos permanecer na Verdade que nos escolheu. Crianças, juniores, adolescentes, jovens e adultos, que já temos uma história de fé pessoal, permaneçamos na verdade. Consideremos esta experiência um privilégio. Não precisamos viver longe do Pai para sabermos que sua casa é a melhor de todas as casas.
Ainda para os mais velhos, vamos conservar nossas crianças, nossos adolescentes e nossos jovens. Isto não quer dizer que nunca os vamos corrigir, porque eles precisam da correção da Palavra de Deus, como os adultos também. Nós somos muito intolerantes com eles e muito tolerantes com os adultos, que cometem os mesmos deslizes.
Os mais jovens são mais tolerantes com os mais velhos do que o contrário. Querem um exemplo? Eles agüentam uma forma de culto que nos dão muito prazer e pouco prazer a eles. No entanto, quando há um culto mais ao gosto deles, nós não o toleramos. Há pessoas que olham a ordem do culto e não voltam à noite (ou voltam da porta), se percebem que o culto tem instrumentos e cânticos considerados jovens. Se o culto não lhe agrada e sai, o mais jovem mostra que não tem fé… Se o culto não lhe agrada e não vem, o mais adulto mostra que é zeloso… Não estou legitimando a atitude dos mais jovens, mas estou lamentando profundamente condenando a atitude dos que se acham defensores de um estilo verdadeira de culto. Ambas são intolerantes e ambas se esquecem que o culto é para dar prazer a Deus. Essas atitudes são próprias de fariseus e imprópria para pessoas verdadeiramente piedosas.
Não importam a nossa idade, não importam os nossos gostos, formemos a comunidade dos que aprendem a Palavra Deus, para viver por ela e para Ele.
4
podem fazer-te sábio para a salvação
O objetivo da Bíblia é apresentar Cristo. Ela pode conter ensinos para a vida, mas será insuficiente se não for lida como o caminho por excelência para a salvação em Jesus Cristo.
No Antigo Testamento, a Bíblia aponta para o Messias que virá para salvar toda a humanidade. No Novo Testamento, a Bíblia apresenta o Messias Jesus que veio e voltará. Assim, portanto, a Bíblia é a história da salvação. Por isto, temos que ler Gênesis com os olhos fixos em Jesus. Temos que ler Crônicas, mesmo as seções genealógicas, com os olhos voltados para Jesus. As genealogias estão na Bíblia por causa de Jesus.
Deus sabe que sem Jesus a história da humanidade, e por inclusão a história de cada um de nós, é vazia. A Bíblia é a história de Jesus.
Jesus é a revelação completa porque é a Palavra de Deus para a salvação. A Lei e a religião falharam como canais de comunicação. Por isto, veio o próprio conteúdo da comunicação divina (Jo 1.1; Ap 9.13).
Jesus é a revelação completa porque comunica o caráter (o próprio ser) de Deus (Jo 14.9). Por Ele, o Deus invisível do Antigo Testamento se tornou o Deus visível do Novo. Não há mais véu. Não há mais rocha no caminho. Não é preciso mais uma nuvem. Não precisamos mais de mediadores institucionais ou pessoais, embora o homem os prefira.
Jesus é a revelação completa pela sua singularidade. Diante dEle, a razão deve se tornar cativa. Diante dEle, as religiões se tornam o que são: insuficientes. Diante dEle, nossa atitude deve ser de adoração, com joelhos (auto-suficiência) dobrados e lábios (competência) contritos.
Jesus é a revelação porque exige uma resposta. O perfeito Comunicador não lança sua mensagem ao léu, mas a envia diretamente ao recebedor e espera uma resposta (Ap 3.20).
A leitura da Bíblia nos torna, assim, sábios para a salvação, como ensina o apóstolo Paulo a Timóteo.
5
toda Escritura é divinamente inspirada
A expressão divinamente inspirada é uma só palavra no idioma utilizado por Paulo, significando soprada por Deus.
O modo como Deus soprou, inspirou, halitou sua Palavra no homem vem sendo objeto de disputa. Uns acham que os autores da Bíblia foram apenas digitadores das palavras ditadas por Deus. Neste caso, eles sequer sabiam o que estavam escrevendo. O caso de Moisés ilustra bem esta visão. No final de Deuteronômio, há uma descrição da morte de Moisés. Para os que defendem esta maneira de Deus agir acham que Ele ditou para Seu servo seu próprio necrológio.
No extremo oposto, há os que acham que a Bíblia é um livro completamente humano, escrito por pessoas que criam em Deus. Neste sentido, ela deve ser lida como se lê Parmênides, Anselmo, Lutero, Dostoievski, Tolstoi, Machado de Assis, Bonhoefer ou Carlos Drummond de Andrade (para ficar com meus preferidos…). Humano, logo datado, foi válido para uma época, podendo não ser mais para a nossa.
Uma posição equilibrada considera como dinâmico o processo de inspiração de Deus. Quando construiu a terra, Deus lhe deu forma, porque estava vazia e caótica. Quando fez o homem, Deus lhe soprou o hálito da vida, porque não passava de um conjunto de células. Gosto de pensar que o processo de inspiração da Bíblia guarda a mesma semelhança.
Como ensina Pedro, a Bíblia foi produzida por vontade dos homens, mas pela orientação do Espírito Santo, que moveu seus corações e suas mentes (2 Pd 1.21)..
Ao Seu modo e ao seu tempo, Deus tomou os pensamentos humanos, a criatividade humana, os estilos literários humanos, as percepções humanas, próprios de pessoas tementes e em comunhão com Ele e soprou neles seu hálito. Ao fazê-lo transformou o resultado desta produção humana numa obra singular, única, sem par, divinamente inspirada, na sua origem e no seu propósito.
Nela, o homem é plenamente humano e Deus é plenamente divino. Se fosse apenas humana, não valeria a pena lê-la com a mesma disposição. Se fosse apenas divina, não conseguiríamos compreendê-la. Pelo sopro do Seu Espírito, Deus transformou o carvão em diamante, diamente que nos ilumina e nos penetra, por conter o brilho e a plenitude de Deus. Para a apreendermos, temos que lê-la, por esta sua característica divino-humana, com os olhos da inteligência e com a força da oração.
Ao lê-la com inteligência, não seremos presas do literalismo, tenha ele intenções boas ou más, ambos incapazes de nos vivificar, porque assassinadas pelas picuinhas. Antes, usaremos nossa razão para tirar o máximo proveito dela. Ao lê-la com inteligência, não seremos presa do atomismo, que consiste em ler apenas versículos isolados e selecionados da Bíblia, mas permitiremos que ela toda nos penetre. Ao lê-la com inteligência, não seremos presas do legalismo, que põe numa determinada interpretação a verdade, como se a verdade estivesse na interpretação e não na Palavra, porque nossa interpretação (e somos livres para lê-la) é falha. Nossa interpretação, seja qual for sua procedência e carimbo, não é a Verdade.
Ao lê-la com a força da oração, nós nos deixaremos moldar por sua Verdade. Nós iremos além das palavras. Nós meditaremos nela, tanto nos textos conhecidos como nos desconhecidos. Nós a usaremos para nos unir, não para nos dividir como objeto de discórdia. Nós a leremos contra nossas convicções pessoais ou denominacionais. De nada seremos escravos, porque libertos pela Palavra.
6
perfeitamente preparado para toda boa obra
A Bíblia Sagrada, ensina o apóstolo, é útil para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, perfeitamente preparado para toda boa obra.
Sem a Bíblia, não temos o que dizer. Quando a lemos, ficamos de prontidão. Que lhes dizer quando pessoas nos procuram para uma palavra de esclarecimento, livramento ou consolo?
Uma das maiores desgraças do Cristianismo é que a maioria dos seus seguidores não está preparada para dar a razão da sua esperança, o que os coloca sem condições de dialogar com o seu tempo e os faz merecedores dos mais duros deboches.
Todos queremos ter as palavras próprias para determinadas horas. Elas se encontram na Bíblia, não para uma recitação mecânica, mas para uma apropriação honesta e profunda. Apropriando-nos do seu conteúdo, elas nos serão úteis na hora em que precisarmos.
Sem a Bíblia, não sabemos como agir adequadamente. Todos queremos fazer a boa obra. Quando estamos impregnados da Palavra de Deus, os exemplos nela expressos (mesmo os negativos) nos ajudam a viver como Deus deseja.
Se queremos estar preparados para toda boa obra, leiamos a Bíblia. Sua leitura se completa quando a aplicamos. A leitura de um poeta nos extasia. Devemos ler os poetas. A leitura da Bíblia nos extasia, nos muda e nos molda.
3. CONCLUSÃO
Se estamos convencidos disto, por que a lemos tão pouco?
FALTA DE TEMPO? É um erro viver na agitação e na competição. Há tempo para tudo nesta vida (Ec 3), mas por vezes atropelamos tudo e não fazemos as coisas como devem ser feitas. Tempo é uma questão de prioridade.
FALTA DE DISCIPLINA? A disciplina é uma meta para a vida como um todo. Veja um horário, um estilo, e organize a sua vida.
FALTA DE CONHECIMENTO? Procure se superar. Não se contente com a sua falta de conhecimento. Não perca os tesouros escondidos sob seu braço (ou colocados sobre suas pernas).
Matricule-se na Escrita. Use o Diário de Crescimento Cristão. Anote os sermões. Ponha perguntas na caixa de sugestões. Venha estudar a Bíblia na quarta-feira. Abra a sua casa para um núcleo de estudos bíblicos, sejam estudos iniciais para interessados no Evangelho, sejam para estudos de aprofundamento.