Lucas 17.7-10: A CEIA COMO OPORTUNIDADE

A CEIA COMO OPORTUNIDADE
Lucas 17.7-10

Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 6.8.2000 – manhã

1. INTRODUÇÃO
Jesus propõe uma ilustração muito estranha; estranha, se imaginarmos que o senhor a que  se refere é o Senhor de nossas vidas.
Esta ilustração soa também estranha para uma celebração da Ceia do Senhor, porque ela fala de outro tipo de ceia, aquela comum do dia a dia, não aquela em memória do Salvador.
No entanto, esta estranha ilustração fala de uma situação real: de senhores que governam despoticamente e de escravos que têm que servir nos afazeres do campo e nos cuidados da casa. Os servos desta história, como acontece em todos os tempos, tinham que esperar a sua hora de comer e sua hora de descansar. Esta estranha comparação é um retrato da vida, retrato que Jesus não sacraliza, mas mostra como é.
Ao mesmo tempo, este estranho enunciado nos ajuda a compreender a atitude que nos deve presidir quando participamos da Ceia do Senhor. Nós somos servos, diz o Senhor. Como servos, temos um papel e um lugar. Como servos, nosso dever é obedecer ao nosso Senhor.

2. PARTICIPAR DA CEIA É LEMBRAR QUE TEMOS UM SENHOR
Gostamos de pensar que temos um Salvador, mas nos incomoda imaginar que somos servos, nem que o sejamos de Jesus Cristo.
Houve um esforço, nos anos 80, para se traduzir a Bíblia de uma forma politicamente correta, em que não figurassem as palavras servo e senhor como aplicadas a nós e a Deus. Deste modo, quem segue a Deus não é servo e nem serve a um Senhor, relacionamento considerado inadequado para uma época democrática como a nossa.
Não há o que fazer, infelizmente, nesta área. A Bíblia nos chama de servos de um Senhor. Para complicar as pretensões humanas, a palavra doulos, que aparece no Novo Testamento, pode ser traduzida tanto como servo quanto como escravo. Assim, Paulo principia três de suas cartas (Romanos, Filipenses e Tito) auto-denominando-se como tal: doulos de Jesus Cristo. Tiago se apresenta de igual modo, o mesmo fazendo Pedro e Judas. O próprio Jesus foi considerado pelos Seus primeiros seguidores como um santo dolos (Porque verdadeiramente se ajuntaram, nesta cidade, contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, não só Herodes, mas também Pôncio Pilatos com os gentios e os povos de Israel.– At 4.27)
Portanto, diferentemente dos nossos fundadores, queremos confessar a Jesus como Senhor, mas nos constrange a idéia de sermos Seus servos.
Esta pequena parábola de Jesus torna as coisas ainda mais difíceis, ao nos considerar, não apenas servos, mas servos inúteis.
Certamente, seus ouvintes devem ter dito:
— Menos, Mestre. Pega mais leve, Professor.
No entanto, eis que nos ensina nosso Senhor, numa adequada preparação para participar da Ceia que Ele inventou.
Este não é um enunciado sobre um senhor e menos sobre o Senhor, mas sobre o servo, de qualquer natureza.

3. PARTICIPAR DA CEIA É LEMBRAR QUE SOMOS IGUAIS
Nós queremos ser reconhecidos pelo que somos, pelo que temos e pelo que fazemos. Chegamos até a desenvolver uma paranóia do reconhecimento. Quando não somos louvados, achamo-nos desprestigiados, desvalorizados e até mesmo perseguidos. Portamo-nos, não como servos, que fazem porque é seu dever fazer, mas como pessoas em busca de promoção, glória, elogio, aplauso e destaque.
Nossa dificuldade em admitir o Senhorio de Cristo vem de que a condição de servos nos torna iguais (uns dos outros). Aprendemos que, na participação da Ceia, desde a experiência apostólica, não havia servos nem senhores. Até mesmo os servos comprados (escravos) podiam se assentar na mesma mesa com o seu dono. Devia ser fácil para um escravo, e muito difícil para um dono de escravos, participar dela, mas este foi, e deve ser, o escândalo do Evangelho. A Ceia, pois, nos mostra que somos todos iguais. Não importa o que temos feito: somos apenas servos.
A Ceia é, portanto, uma oportunidade de reconhecermos que somos iguais uns aos outros, não importam nossas diferenças, sejam elas de dinheiro, de herança, de educação formal, de talento, de roupa, de idade, de sexo, de experiência religiosa, de conhecimento teológico. Essas diferenças ficaram lá fora, porque não têm o menor valor.
Num grande shopping center uma caravana de sem-teto é uma caravana de diferentes, que precisam ser vigiados, controlados, discriminados. Na Igreja que celebra a Ceia não há com-teto, nem sem-teto
O Cristianismo que celebra a Ceia é um escândalo.

4. PARTICIPAR DA CEIA É LEMBRAR QUE TEMOS UM COMPROMISSO
As funções do servo mencionadas na comparação são apascentar o gado e trabalhar na lavoura, além de cuidar do bem estar do seu senhor em casa.
Essas funções resumem bem a essência do que é ser um cooperador de Jesus Cristo. Assim, o compromisso de todo cristão é apascentar o gado, cuidar da terra e louvar ao Senhor.
Nossa tarefa implica em cuidar do rebanho de Deus, mantendo alimentados os que estão dentro e buscando trazer os que estão fora. Esta não é tarefa para pastores, mas de todos os servos de Jesus. Como temos dificuldade de manter os que estão dentro, ejetando-os por visões exclusivas que temos disto ou daquilo, visões que não nascem do coração inclusivo de Deus! Como temos facilidade de sair por causa de um pequeno problema com outro membro do rebanho ou mesmo com o pastor humano deste rebanho!
Todos também somos agricultores da lavoura de Deus (1Co 3.9). Nela, plantamos, regamos e colhemos. Quem já plantou conhece o ciclo da vida: preparar a terra, plantar a semente, adubar a terra, cuidar da planta, colher os frutos. A vida cristã é assim. Nem sempre queremos cooperar na lavoura de Deus, deixando que as plantas definhem ou morram, quando nosso compromisso de lavradores é fazer tudo para que a lavoura de Deus seja viçosa e dê muitos frutos.
Apascentar o rebanho de Deus e cuidar de suas plantações são tarefas que exigem paciência, espera e perseverança. O Senhor aguarda isto de nós.
Todos temos ainda o compromisso de preparar a comida e pôr a mesa para que o Senhor ceie. Eis o que fazemos quando o louvamos, celebrando o seu caráter santo, justo e gracioso. Há servos que parecem ter “bronca” do seu Senhor. Seu louvor é burocrático, desanimado, lúgubre, quase como se fosse uma obrigação que deve terminar logo.

5. PARTICIPAR DA CEIA É LEMBRAR A INUTILIDADE DE NOSSA UTILIDADE
O texto revela bem a natureza do serviço cristão, ao perguntar:
Porventura agradecerá ao servo, porque este fez o que lhe foi mandado? (v. 9)

e também ao recomendar o conteúdo da fala dos que atuam no Reino:

Somos servos inúteis; fizemos somente o que devíamos fazer. (v. 10)

Se é duro nos acharmos servos, mais duro ainda é sermos considerados servos inúteis. É assim que deve proceder o servo, porque o arrogante pensa bem diferente: “como Deus deve estar satisfeito por ter um servo como eu”…
O servo não pode se orgulhar de suas realizações. Antes, deve ter em mente que tudo o que faz ele o faz para Deus. Nosso erro, por vezes, consiste em imaginar que aquilo que fazemos para Deus nós o fazemos para o outro ou para a Igreja. Nós nunca fazemos nada para o outro (que é capaz de reconhecer nosso esforço) ou para a Igreja (que é capaz de aplaudir nossos feitos), pois o que fazemos nós o fazemos para Deus, que nos recompensa, não em função de nossos méritos, mas pela regra da graça.
Afinal, como ensina o apóstolo Paulo,

Não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor; e a nós mesmos como vossos servos por amor de Jesus (2Co 4.5).

A mesa está posta, mas foi Jesus quem a providenciou. Diferentemente do senhor injusto da ilustração, Jesus mandou pôr a Ceia para que dela nós, os servos, pudéssemos participar.

6. CONCLUSÃO
Como temos feito aquilo que Deus nos pôs para fazer? Temos nos comportado como servos ou como senhores?
Ao participarmos da Ceia, lembremos que temos um Senhor a Quem radiantemente servimos. O nosso Salvador — ah que bom termos um Salvador! — é também o nosso Senhor — e isso nos dá a perspectiva correta para a vida.
Ao participarmos da Ceia do Senhor, sintamo-nos desafiados ao exercício da igualdade e da amizade. Descubramos ou redescubramos o prazer em estar uns com os outros, para o que um retiro é uma excelente oportunidade.
Ao participarmos da Ceia memorial da vida/morte/ressurreição/ascensão de Jesus Cristo, sintamo-nos responsáveis pelo rebanho e pela lavoura de Deus e nos comprometamos a torná-la maior e mais saudável. Ao participarmos da Ceia do Senhor, coloquemos nossas vidas ao seu serviço, motivados tão somente pelo interesse em alcançar a Sua misericórdia.