O ÚNICO
“Tu es digno de receber a gloria, a honra e o poder, porque todas as coisas por tua vontade vieram a existir e foram criadas” (Apocalipse 4.11)
Os outros eram como todos somos
e se tornaram o que não somos.
O Único era diferente de nós
e se tornou o que somos.
Quando nasceu, na linha máxima da pobreza,
foi celebrado por vozes aos ouvidos estranhas
e saudado por gente que se despreza
e recebido por uma mãe toda surpresa
e perfurmado por reis de história rasa.
Os outros deixaram frases de revolução
que trouxeram esperança de guerra ou paz.
O Único viveu palavras de plena verdade,
poesia vivida e roteiro claro para a eternidade.
Quando falou, a muitos pareceu em vão,
porque seus ouvintes preferiam sinais
que o tempo com o tempo desfaz.
Os outros buscaram corajosamente a santidade
e acertaram e erraram no trajeto.
O Único não trilhou um sequer desvio,
não porque já soubesse o caminho,
mas porque era o próprio Itinerário.
Quando viveu, não teve um travesseiro
mas serviu de ombro ao companheiro
que com um beijo renunciaria ao projeto.
Os outros chegaram ao fim como pó,
que é o destino de todo humano.
O Único ia tendo o mesmo destino,
mas dias depois de ter na cruz pendido
ainda partilhou um peixe com os amigos
antes de regressar para Onde veio.
Quando morreu, como parte do seu mistério
a história se rasgou bem no meio
como um relâmpago que o céu divide
como se uma saída para o retorno abrisse.
Os outros deixaram de viver conosco,
mas o Único me escolta todo dia
no percurso do deserto ao oásis desejado,
digno, pelo que fará e agora faz,
de escutar de mim a melodia
da honra e do louvor e da glória, que me traz
à memoria o que sou: amado.
2004
ISRAEL BELO DE AZEVEDO