CHEGA DE “MINH`ALMA” (Adalberto A. de Sousa)

 

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“Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida descontente,

Repousa lá no céu eternamente,

E viva eu cá na terra sempre triste.”

 

O verso é de Camões, e foi escrito nos idos de 1560. Hoje não faria sentido usar algo parecido com “alma minha”. Mas por que será que em pleno século 21 ainda encontramos essa enxurrada de “minh`alma” nos cânticos que estão sendo produzidos?

Acredito que um dia algum poeta tentou encaixar “minha alma” em um verso e percebeu que só dispunha de espaço para três sílabas, por causa da métrica. Daí raciocinou: como “minha” termina com “a” e “alma” começa também por “a”, bastava cortar o primeiro, colocar um apóstrofo e unir as duas palavras. “Minha alma”, com quatro sílabas, virou “minh`alma”, com três, e estava resolvido o seu problema.

Mas parece que nossos poetas nutrem um gosto especial por esta expressão, e a usam mesmo quando não são forçados pela métrica.

O Hinário para o Culto Cristão, que já caminha para os 20 anos de idade, aboliu “minh`alma”, mas até hoje não encontrei uma congregação que entoe “Canta minha alma, canta ao Senhor”. Todas (todas sem exceção, como dizem aqueles que adoram um pleonasmo) continuam cantando “minh`alma”. Mas este já é um caso de “uso do cachimbo”, como diziam os antigos.

Se o policial não registra “minh`arma”, se a autoridade não declara “minh`alçada”, se o artista não diz “minh`arte”, e se nas páginas dedicadas ao público feminino não encontramos “minh`amiga”, com certeza já passou da hora de aposentar “minh`alma”. De verdade. Do fundo de minha alma. 

Adalberto A. de Sousa