Orar é básico na vida, o que não quer dizer que oremos como cremos e como devemos.
É confortador, mas também desafiador, ouvir o apóstolo Paulo nos exortando:
Não andeis ansiosos por coisa alguma;
antes em tudo sejam os vossos pedidos conhecidos diante de Deus
pela oração e súplica com ações de graças.
(Filipenses 4.6 )
Exorto, pois, antes de tudo que se façam
súplicas, orações, intercessões e ações de graças
por todos os homens.
(1Timóteo 2.1 )
Ao nos ensinar a orar sem cessar, Paulo nos lembra que há varias dimensões na oração, uma palavra, portanto, de ricos significados semânticos e existenciais. Ele parecia convencido que era sua tarefa ajudar seus leitores na caminhada da oração.
Estou convencido que esta é a tarefa principal de um pastor (como recomenda Eugene Petersen). Por isto, quero apresentar hoje as várias dimensões da oração, conquanto sabendo que tendemos a privilegiar uma ou outra dimensão.
1. PETIÇÃO ou SÚPLICA (Neemias 9.32-33; Efésios 3.20; Mateus 6.11)
Pedindo a Deus por nossas próprias necessidades
A dimensão da oração-pedido por nós mesmos é a que mais praticamos. É a que tem mais ibope conosco. Jesus nos ensinou a pedir. Na oração do Pai Nosso, somos convidados a pedir o pão de cada dia. Esta expressão abarca todas as nossas necessidades pessoais, sejam elas físicas, emocionais ou materiais.
Quando reuniram o povo para um culto de despertamento e compromisso, Esdras e seus sacerdotes fizeram um pedido ao Senhor, um pedido de natureza espiritual.
Agora, pois, oh Deus nosso, oh Deus grande, poderoso e temível,
que guardas a aliança e a misericórdia
[vejamos aqui o louvor, mesmo na petição],
não menosprezes toda a aflição que nos sobreveio,
a nós, aos nossos reis, aos nossos príncipes,
aos nossos sacerdotes, aos nossos profetas,
aos nossos pais e a todo o teu povo,
desde os dias dos reis da Assíria até ao dia de hoje.
Porque tu és justo
[eis-nos, de novo, diante da oração de louvor, misturada com petição e confissão]
em tudo quanto tem vindo sobre nós;
pois tu fielmente procedeste, e nós, perversamente.
(Neemias 9.32-33)
Jesus nos garantiu que receberemos tudo o que pedirmos na oração, desde que creiamos (Mateus 21.22). Suas afirmações não deixam dúvida quanto a esta promessa divina: E mesmo agora sei que tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá (João 11.22). O nosso Deus, insiste Paulo conosco,
é poderoso para fazer tudo
muito mais abundantemente
além daquilo que pedimos ou pensamos,
segundo o [Seu] poder que em nós opera.
(Efésios 3.20)
O filho de Abraão experimentou a força desta verdade, quando orou insistentemente ao Senhor por sua mulher, porquanto ela era estéril; e o Senhor ouviu as suas orações, e Rebeca, sua mulher, concebeu (Gênesis 25.21). Ana passou pela mesma experiência ao desejar a gravidez. Ela o pediu, banhada em lágrimas, e recebeu (1Samuel 1.10). Jonas teve a sua oração atendida, mesmo tendo clamado ao Senhor a partir de um estranho lugar: as estranhas de um peixe (Jonas 2.1).
No entanto, quando nos deparamos com estas promessas e nos recordamos dos prodígios operados por Deus no Antigo e no Novo Testamentos, nós nos perguntamos se o Pai realmente nos atende em tudo o que pedimos. Ficamos, no fundo, com a sensação que o tempo das respostas majestosas passou, restando-nos apenas as migalhas da grande mesa das bênçãos do Senhor. Seu Filho Jesus teve todas as suas orações respondidas, menos uma, a única em que pediu algo para si mesmo. Segundo lemos na Bíblia, retirando-se mais uma vez, orou, dizendo: “Pai meu, se este cálice não pode passar sem que eu o beba, faça-se a tua vontade” (Mateus 26.42).
Estas indagações se aplicam às orações que fazemos tendo como alvo as nossas próprias necessidades bem como quando pretendemos que a graça de Deus alcance outras pessoas de cujos dramas nos afeiçoamos.
2. INTERCESSÃO (Tiago 5.17)
Pedindo a Deus pelas necessidades dos outros
A oração intercessória é também uma oração de pedido, com a diferença que nela rogamos algo ao Pai por outra pessoa ou por alguma instituição ou causa. Oramos intercessoriamente quando pedimos por um um parente, por um amigo, por um pastor ou por alguém que mal sabemos o nome. Oramos intercessoriamente quando pedimos por uma causa, por uma instituição, por uma comunidade, por uma igreja ou por um país.
Moisés era por excelência um intercessor. O Pentateuco o apresenta como como um homem que levava a causa do seu povo diante de Deus (Números 27. 5). Deus o ouvia. Um exemplo dramático está no capítulo 11 de Números. Passando por muitas dificuldades, os israelitas começaram a reclamar de Deus. O Senhor ficou irado e fez cair fogo em cima deles. O fogo queimou no meio deles e destruiu uma ponta do acampamento. Então o povo gritou, pedindo socorro a Moisés; Moisés orou ao Deus Eterno, e o fogo se apagou (Números 11.1-2). Numa batalha, Móisés manteve seus braços levantados em direção ao exército, que triunfava. Se sua mão baixava, a derrota vinha (Êxodo 17.8-13).
A Bíblia fala de outros intercessores. Elias [, que] era um homem sujeito às mesmas paixões que nós, orou com fervor para que não chovesse, e por três anos e seis meses não choveu sobre a terra (Tiago 5.17). Seu sucessor, Eliseu, orou clamando ao Senhor que fizesse voltar à vida o filho de sua protetora, uma mulher de Suném. Deus atendeu (2Reis 4.18-27). Pedro fez o mesmo com uma adolescente. Deus também o atendeu (Atos 9.38-42).
No entanto, nada tipifica melhor a oração intercessória que o diálogo de Abraão, o pai da fé, com o Senhor, ao interceder pelas cidades de Sodoma e Gomorra. Sua pergunta-chave foi: Destruirás o justo com o ímpio? (Gênesis 18.20-33) Ele também orou pela saúde do rei Abimeleque, sua esposa e suas servas, e Deus os sarou (Gênesis 20.17).
Orar uns pelos outros é uma recomendação bíblica. O apóstolo Paulo orava pelos seus irmãos (Pelo que também rogamos sempre por vós, para que o nosso Deus vos faça dignos da sua vocação, e cumpra com poder todo desejo de bondade e toda obra de fé — 2Tessalonicessenses 1.11) e pedia que os crentes orassem por ele e sua equipe missionária. (Irmãos, orai por nós — 1Tessalonicenses 5.25).
Quando oramos intercessoriamente por um irmão que sofre, irmão que também ora, realizamos o encontro entre as orações de petição e intercessão. Lendo a Bíblia, aprendemos que Deus as responde . Olhando nossas próprias vidas e a de nossos irmãos, temos que nos perguntar se essas respostas ainda são atuais.
Nos casos das enfermidades, o problema se torna mais agudo, especialmente numa época como a nossa, em que, por exemplo, o câncer ainda é um desafio tanto à medicina quanto à oração, às vezes letal. Temos conhecimento de histórias de curas e de histórias que não terminam com curas. Precisamos nos aprofundar neste tema, e o faremos proximamente (provavelmente no segundo domingo de janeiro, se Deus nos permitir). Por agora, no entanto, afirmemos que Deus sempre responde, seja com um “sim”, que os nossos corações desejam, sejam com um “não”, que precisamos aprender a ouvir. Não tenhamos dúvidas que “Deus é glorificado quando cura” e também “quando nos capacita a sofrer com esperança e dignidade”. (BANISTER, Doug. A igreja da palavra e do poder. Tradução de Yolanda Krevin. São Paulo: Vida, 2001, p. 187)
Não sabemos todas as respostas, mas sabemos que devemos orar e prestar atenção à voz de Deus. Ele fala. Ele faz.
Uma família atravessava uma dificuldade que afligia a todos. Num domingo em que estavam no culto, veio uma senhora, que não vem sempre por razões de saúde, mas que leva a sério o ministério da intercessão. No dia seguinte, ela procurou um dos membros da família no trabalho e disse:
— Vi vocês ontem e senti que não estavam bem, que estavam com problemas. De madrugada, senti Deus me acordar para orar por vocês. Agora, estou aqui para dizer que vocês são servos de Deus e que não pode desanimar. Deus está com vocês.
Era tudo verdade. A família passava por uma imensa dificuldade, mas se encheu de ânimo para continuar a lutar. Aquela irmã intercessora retomava a experiência do poeta bíblico: Eu, porém, Senhor, clamo a ti; de madrugada a minha oração chega à tua presença (Salmo 88.13). Com lágrimas nos olhos, um dos membros da família me disse que saber que alguém orava por eles deu-lhes confiança para o enfrentamento das dificuldades.
É bom ter gente orando pela gente.
Continuemos rogando a Deus por nós mesmos. Continuemos rogando a Deus por outras pessoas.
3. GRATIDÃO (Isaías 12.1-2)
Agradecendo a Deus pelos seus feitos para conosco (individualmente e coletivamente)
Esta atitude pode nos levar à terceira dimensão da oração, que é a gratidão. Devemos orar para agradecer. Como cantaram os poetas bíblicos, bom é render graças ao Senhor, e cantar louvores ao nome [do] Altíssimo (Salmo 92.1), porque ele é bom; porque a sua benignidade dura para sempre (1Crônicas 16.34).
É uma inspiração ver os olhos cheios de lágrimas de Ana diante de Deus, mas também o é escutar os seus lábios exultando diante do Senhor, regozijando-se com a bênção recebida (1Samuel 2.1).
As orações de Jesus eram basicamente de dois tipos: intercessão e gratidão. Quando tomou a Ceia com seus discípulos, deu graças pelo pão (Lucas 22.17). Quando orou a Deus por Lázaro, agradeceu antes mesmo de ver manifesto o poder do Pai (João 11.41). Quando alimentou a multidão, agradeceu antes de multiplicar os pães e os peixes (Mateus 15.36).
O apóstolo sempre dava graças a Deus pelas igrejas com as quais tinha relacionamento (1Coríntios 1.4, entre outras). Tanto valor dava o grande missionário que chega a “exagerar”:
Em tudo dai graças;
porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco.
(1Tessalonicenses 5.18)
Todas as coisas criadas por Deus são boas,
e nada deve ser rejeitado
se é recebido com ações de graças.
(1Timóteo 4.4)
Perseverai na oração,
velando nela com ações de graças.
(Colossenses 4.2)
Só quem dá graças a Deus pode rogar algo a Ele. É a oração de gratidão que nos capacita a suplicar, a interceder e a louvar. Se cremos que Deus é Senhor, podemos dar graças por tudo, cumprindo a vontade de Deus em nós. Talvez esta semana, você tenha recebido um dianóstico que o deixa apavorado; como dar graças? Talvez esta semana, você não ganhou R$ 1,00 sequer; como agradecer? Talvez esta semana, você a tenha passado afundado na tristeza; como ser grato? Talvez esta semana nada lhe tenha dado certo; como cantar “graças te dou, Senhor”?
Você dará graças até por essas coisas, se tiver a convicção de que Deus é o Senhor da sua vida e que, portanto, a vontade dEle prevalecerá.
John Brown defendia o fim da escravidão nos Estados Unidos e, por essa razão, foi condenado à morte, em 1859. A história guarda seu testemunho e também uma carta de despedida, escrita às vésperas da execução e na qual afirma: “A idéia de que um Deus sábio e misericordioso, justo e santo reina sobre todas as coisas deste mundo é uma rocha onde podemos firmar os pés em todas as circunstâncias. Não tenho dúvida de que o nosso aparente desastre resultará por fim no mais glorioso triunfo. Portanto, tenham ânimo e confiança em Deus, pois “Ele transforma todos os males em bens. Rendo graças a Deus, pois nunca senti mais firme confiança no certo e próximo advento de uma brilhante manhã e de um dia esplêndido”. (ALEX, Ben, ed. Cartas Inspirativas. Tradução de Wanda Assumpção. São Paulo: Mundo Cristão, 1998, p. 20,21)
O conselho paulino precisa ser repetido:
Perseverai na oração,
velando nela com ações de graças.
(Colossenses 4.2)
Dito de outro modo, este conselho quer dizer: continue orando e insistindo em ações de graças. Ore sempre, não de vez em quando; faça acompanhar sua oração, sinceramente, não burocraticamente, de palavras de gratidão. A súplica e a intercessão têm uma sentinela na guerra da oração: é a gratidão.
Se damos graças é porque reconhecemos a benignidade de Deus. Se reconhecemos esta benignidade como algo vivo, podemos pedir, por nós mesmos e pelos outros.
Gratidão é uma experiência muito pessoal, tal como a súplica. A experiência da súplica é natural em nós; brota da necessidade. A experiência da gratidão espiritual; nasce do convívio com Deus.
Aprendamos a orar com o profeta Isaías, que coloca nossas palavras e atitudes na ordem correta:
Orarás naquele dia:
Graças te dou, oh Senhor,
porque, ainda que te iraste contra mim,
a tua ira se retirou, e tu me consolas.
Eis que Deus é a minha salvação;
confiarei e não temerei,
porque o Senhor Deus é a minha força e o meu cântico;
ele se tornou a minha salvação.
(Isaías 12.1-2)
4. LOUVOR (Neemias 9.5-25; Mateus 6.9c)
Exaltando o ser de Deus
Se a gratidão é um estilo de vida, ela se expressa como a experiência de respostas específicas de Deus. O louvor, não, este é fruto de uma visão de Deus. Só pode dizer que o nome dEle é santificado (Mateus 6.9c) quem o vê como santo.
Talvez a mais linda oração da Bíblia a pôr o foco no louvor seja a dos retornados a Jerusalém, sob a liderança de Esdras. Deus é louvado por Suas ações na vida do povo, especialmente o perdão sempre renovado.
Bendito seja o nome da tua glória,
que ultrapassa todo bendizer e louvor.
Só tu és Senhor,
tu fizeste o céu, o céu dos céus e todo o seu exército,
a terra e tudo quanto nela há,
os mares e tudo quanto há neles;
e tu os preservas a todos com vida,
e o exército dos céus te adora.
(Neemias 9.5b-6)
Em seguida, o poeta reconta sinteticamente a história do seu povo, povo a quem Deus multiplicou e trouxe à terra prometida, para cumprir nela a Sua vontade. Eles tomaram cidades fortificadas, terra fértil e possuíram casas cheias de toda sorte de coisas boas, cisternas cavadas, vinhas, olivais e árvores frutíferas em abundância; comeram, fartaram-se, engordaram e viveram em delícias, pela tua grande bondade (Neemias 9.23-25).
Isto foi no passado. Agora, a situação do povo, por causa do seu próprio pecado, era aflitiva. Os filhos Abraão tinham voltado para casa, mas o que encontraram? Escombros! Se quisessem sua cidade de volta, teriam que reconstruí-la! Se quisessem seu templo de volta, teriam que reconstruí-lo!
A prece que os sacerdotes fazem em nome do povo revela, no entanto, confiança: o Deus que transformou a família de Abraão em um povo, que conduziu este povo à terra da promessa, que permitiu que o mesmo povo, um dia exilado, voltasse para casa, este mesmo Senhor estaria com eles na reconstrução do muro e na edificação do templo. E não foi precisamente o que aconteceu?
Se formos esperar que tudo esteja 100% em nossas vidas, para então louvarmos ao Senhir, nós jamais O louvaremos. Louva quem tem certeza que o Deus de ontem é o mesmo Senhor de hoje. Louva ao Senhor aquele que pode dizer como Jó, ainda no tempo da desolação, mas pensando no amanhã: “Eu sei que o meu Redentor vive!” (Jó 19.25).
Nossas orações devem sempre conter expressões de louvor, isto é, de exaltação da santidade e da soberania de Deus. Há salmos na Bíblia apenas de clamor, como o salmo 88, mas boa parte deles contém apenas louvor. Na verdade, há muitos poemas bíblicos apenas de louvor, sem um petição sequer.
Será que dedicamos pelo menos 50% de nossas palavras de oração para celebrar o amor de Deus? Será que conseguimos orar e apenas louvar, sem fazer um pedido sequer?
Quando louvamos, tiramos água das fontes da salvação (Isaías 12.3). Prestemos, portanto, atenção ao conselho do profeta Isaías:
Dai graças ao Senhor,
invocai o seu nome,
tornai manifestos os seus feitos entre os povos,
relembrai que é excelso o seu nome.
Cantai louvores ao Senhor,
porque fez coisas grandiosas;
saiba-se isto em toda a terra.
Exulta e jubila, oh habitante de Sião,
porque grande é o Santo de Israel no meio de ti.
(Isaías 12.4-6)
Todo o tempo é tempo de louvar. Paulo e Silas louvaram a Deus presos numa cadeia fedida e amarrados nos pés, como se fossem animais irracionais. Enquanto cantavam, sobreveio tamanho terremoto, que sacudiu os alicerces da prisão; abriram-se todas as portas, e soltaram-se as cadeias de todos (Atos 16.26).
5. CONFISSÃO (Neemias 9.34-37; Sl 32.5; Mateus 6.12)
Pedindo perdão a Deus para os nossos pecados
Se orar é comparecer diante de Deus, a confissão dos pecados é condição essencial para que nossos pedidos sejam atendidos. Foi o reconhecimento do seu pecado, e do seu povo, que levou Isaías a tremer no templo. Ao ouvir os anjos entoando seu cântico de louvor a Deus (Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória — eis como celebravam ao Senhor), o futuro profeta exclamou, como devemos exclamar: Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos! (Isaías 6.5)
Daniel nos põe a seqüência adequada. Enquanto estava eu ainda falando e orando, e confessando o meu pecado, e o pecado do meu povo Israel, e lançando a minha súplica perante a face do Senhor, meu Deus, pelo monte santo do meu Deus, quando foi tocado pedo mensageiro de Deus (Daniel 9.20-21). A ordem repetida pelo Senhor ao seu povo é: santificai-vos, e sede santos, porque eu sou santo (Levítico 11.44).
Esdras sabia disso e levava seu povo a uma atitude necessária ainda hoje. Enquanto Esdras orava e fazia confissão, chorando e prostrando-se diante da casa de Deus, ajuntou-se a ele, de Israel, uma grande congregação de homens, mulheres, e crianças; pois o povo chorava amargamente (Esdras 10.1).
A nossa oração, coletivamente, deve ser a de Esdras e seus sacerdotes (Neemias 9.16, 17, 34, 31):
Senhor, nossos pais, se houveram soberbamente, e endureceram a sua cerviz, e não deram ouvidos aos teus mandamentos (verso 16).
Recusaram ouvir-te e não se lembraram das tuas maravilhas, que lhes fizeste;
endureceram a sua cerviz e na sua rebelião levantaram um chefe,
com o propósito de voltarem para a sua servidão no Egito.
Porém tu, oh Deus perdoador, clemente e misericordioso,
tardio em irar-te e grande em bondade, tu não os desamparaste (verso 17).
Os nossos reis, os nossos príncipes, os nossos sacerdotes e os nossos pais
não guardaram a tua lei,
nem deram ouvidos aos teus mandamentos e aos teus testemunhos,
que testificaste contra eles (verso 34).
Mas, pela tua grande misericórdia, não acabaste com eles nem os desamparaste;
porque tu és Deus clemente e misericordioso (verso 31).
A minha oração deve ser a de Davi, depois de confrontado por Natã:
Compadece-te de mim, oh Deus, segundo a tua benignidade;
e, segundo a multidão das tuas misericórdias, apaga as minhas transgressões.
Lava-me completamente da minha iniqüidade
e purifica-me do meu pecado.
Pois eu conheço as minhas transgressões,
e o meu pecado está sempre diante de mim.
Pequei contra ti, contra ti somente,
e fiz o que é mal perante os teus olhos,
de maneira que serás tido por justo no teu falar e puro no teu julgar.
Restitui-me a alegria da tua salvação
e sustenta-me com um espírito voluntário.
(Salmo 51.1-4, 12)
Davi sabia, eu sei, nós sabemos que é bem-aventurado aquele cuja iniqüidade é perdoada, cujo pecado é coberto (Salmo 32.1). Davi sabia, eu sei, nós sabemos que, enquanto calamos, nossos ossos envelhecem de tantos gemidos (Salmo 32.3). Davi sabia, eu sei, nós sabemos que, sem confissão, a mão de Deus pesa sobre nós (Salmo 32.4).
A graça de Deus, por meio de Jesus Cristo, não é para banalizar o pecado. Ela apaga o pecado, mas só o pecado confessado. O pecado continua atentando contra Deus. O perdão não se obtém com uma oraçãozinha protocolar ou uma frasezinha vaga no final de nossas orações. O perdão implica em pedido sincero, em lágrimas derramadas.
De igual modo, o louvor não pode se tornar uma lisonja manipuladora (isto é, um conjunto de elogios, produzidos não com prazer, mas como esforço para obter algo de Deus, como se Ele não visse nosso íntimo). O louvor deve ser fruto de lábios que confessam os pecados e reconhecem a Jesus como o provedor do perdão. Por isso, por ele, pois, ofereçamos sempre a Deus sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o seu nome (Hebreus 13.15). O louvor deve nascer da contrição e da santidade; o louvor deve ser uma experiência estética e ética, ao mesmo tempo.
Faz parte da oração que Jesus nos ensinou pedir perdão a Deus (perdoa-nos as nossas dívidas (Mateus 6.12). A Bíblia nos ensina que aquele que encobre as suas transgressões nunca prosperará; mas o que as confessa e deixa, alcançará misericórdia (Provérbios 28.13). Sim, se confessarmos os nossos pecados, [Jesus Cristo] é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça (1João 1.9).
6. COMPROMISSO (Isaías 6.8; Mateus 6.10)
Selando nosso compromisso com Deus
A oração é uma experiência de envolvimento tríplice.
Na oração, Deus se envolve conosco. Deus nos chama para o envolvimento. Deus se revela para nos envolver. Noé foi envolvido por Deus. No caso de Abraão, isto fica ainda mais claro: praticamente todas as orações retratam o Senhor se envolvendo com o seu filho. Moisés é envolvido por Deus. Jeremias é envolvido por Deus. Pedro é envolvido por Deus. Paulo é envolvido por Deus. Eles puderam ter a escolha de não se deixar envolver, mas eles descobriram que não há prazer maior do que se aninhar nas asas do Criador.
Boaz abençoa Rute de um modo que faz eco a esta realidade: O Senhor recompense o que fizeste e te seja concedido pleno galardão da parte do Senhor Deus de Israel, sob cujas asas te vieste abrigar (Rute 2.12).
Os salmos da Bíblia estão cheios desta imagem de envolvimento.
Guarda-me como à menina do olho;
esconde-me, à sombra das tuas asas.
(Salmo 17.8)
Quão preciosa é, ó Deus, a tua benignidade!
Os filhos dos homens se refugiam à sombra das tuas asas.
(Salmo 36.7)
Compadece-te de mim, ó Deus, compadece-te de mim,
pois em ti se refugia a minha alma;
à sombra das tuas asas me refugiarei,
até que passem as calamidades.
(Salmo 57.1)
A oração é uma experiência de envolvimento tríplice porque também nos envolve com o Senhor.
Ao ser envolvido por Deus, pelas asas de Deus, pela voz de Deus, pela presença de Deus, pela glória de Deus, Isaías demontra como devemos completar o primeiro ângulo da oração (Isaías 6.8). Depois de ter ouvido a voz de Deus, que dizia:
— A quem enviarei e quem há de ir por nós?I
Envolver-se foi sua resposta.
— Eis-me aqui, envia-me a mim.
O compromisso está presente na oração modelar de Jesus.
Só um envolvido pode dizer ao Envolvedor: venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu (Mateus 6.10). Orar é esetar compromissado com a vinda do Reino. Orar é submeter-se à desejar conhecer e querer submeter à vontade de Deus.
Oração é mudança. A oração nos muda, ao fazer com que a nossa vontade coincida com a vontade Deus. A oração envolve Deus em nossos projetos. A oração nos faz parceiros de Deus. A oração traz Deus para o território da nossa vida diária.
A oração é uma experiência de envolvimento tríplice, uma vez que nos aproxima dos nossos irmãos. Só um envolvido por um Deus amoroso pode se comprometer com o perdão: perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores (Mateus 6.12b). Quem não ora não pode viver este compromisso. É atitude forte demais para ser gerada por nós mesmos.
A grande reunião de Esdras, registrada em Neemias 9, culmina como deve terminar toda experiência de adoração. Depois de louvar a Deus pelo que Ele é, a oração termina com um compromisso: Por causa de tudo isso, estabelecemos aliança fiel e o escrevemos; e selaram-na os nossos príncipes, os nossos levitas e os nossos sacerdotes (Neemias 9.38).
7. CONHECIMENTO DE DEUS (Jeremias 9.23-24)
Crescendo no entendimento do ser de Deus
Se há uma pobreza próxima da absoluta em nossa sociedade é a pobreza de Deus. Tomemos os programas de televisão mais populares. Deus está ausente. Eu não falo de religião institucional. Eu falo de valores espirituais. Se existem, não são fortes o suficiente para mover as pessoas em direção a atitudes elevadas.
Na Inglaterra, um grupo de pesquisadores planeja refazer um estudo realizado nos 50 do século 20. Eles colocaram algumas pessoas numa casa, com o objetivo de ver quanto tempo conseguiriam conviver e sobreviver. O limite logo se tornou insuportável na casa. Houve registros até de tortura. Os humanos estavam humanos demais. O experimento teve que ser suspenso.
Todo “cada um por si”, todo “vale tudo” é uma manifestação materialista, de miséria de Deus, de escassez de Deus. Para todos os lados (ou canais?) só sobra a desolação. Permanece lamentavelmente atual o diagnóstico de Oséias (apresentado 8 séculos antes de Cristo):
O meu povo está sendo destruído,
porque lhe falta o conhecimento.
Porquanto rejeitaste o conhecimento,
também eu te rejeitarei,
para que não sejas sacerdote diante de mim;
visto que te esqueceste da lei do teu Deus,
também eu me esquecerei de teus filhos.
(Oséias 4.6)
Falta ao ser humano o conhecimento vital do amor de Deus, conhecimento que se manifesta na adoração e no desejo de uma vida em sintonia com a vontade do Senhor (CRABTREE, A.R. O livro de Oséias. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1961, p. 83). Este conhecimento se obtém por meio da oração. Por isto, aconselha-nos o próprio Deus:
o sábio não se deve gloriar na sua sabedoria,
nem o forte, na sua força,
nem o rico, nas suas riquezas;
mas o que se gloriar, glorie-se nisto:
em me conhecer e saber que eu sou o Senhor
e faço misericórdia, juízo e justiça na terra;
porque destas coisas me agrado, diz o Senhor.
(Jeremias 9.23-24)
Muitas pessoas têm uma visão de Deus que mais um clarão de um deus que se encolhe, não de um Deus que se expande esplendorosamente em misercórdia, que comanda a história (juízo) e que deseja ver praticada a justiça. Sobretudo, Ele deseja se relacionar conosco. E oração é precisamente isto: relacionamento.
Muitas pessoas têm um conceito de Deus que torna impossível um relacionamento com Ele, visto como o pipoqueiro da praça. O relacionamento Deus-homem/homem-Deus é diferente daqueles que mantemos com nossos semelhantes. Deus é perfeito e não não o somos. Ele é santo e nós não o somos. Nós nós relacionamos com Deus em temor e tremor, como aprendemos com todos aqueles que foram íntimos dEle. Deus só se relaciona com o aflito e com o abatido, com aquele que treme diante da Sua palavra (Isaías 66.2).
Quando oramos, portanto, somos convencidos do nosso pecado e também levados a fazer aquilo que Lhe agrada. O conhecimento de Deus é um conhecimento completo, porque inclui o Conhecido (Deus) e o conhecedor (nós). É por isto que é tão difícil orar. A medida que conhecemos a Deus, conhecemo-nos a nós mesmos e vemos nossa própria impureza, não minimizamos nossos pecados mas maximizamos a graça de Deus em Jesus Cristo.
Será que vale a pena nos contentarmos em conhecer a nós mesmos, e apenas a nós mesmos, vistos como medidas de todas as coisas? Será que vale a pena abrir mão de nossa auto-suficiência? Será que vale a pena nos relacionar com um Deus santo que revela a nossa falta de santidade? Será que vale a pena perder a nossa dignidade diante de Deus? O apóstolo Paulo responde com um grito:
Sim, deveras considero tudo como perda,
por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor,
por amor do qual perdi todas as coisas
e as considero como refugo,
para ganhar a Cristo.
(Filipenses 3.8)
Quando conhecemos Jesus Cristo, todos os outros conhecimentos ficam em segundo plano. Eles têm valor, mas um valor secundário. Nossa sociedade idolatra as pessoas famosas. Por isto, a meta de muita gente é ser conhecida.
Glória Trevi era uma cantora mexicana, que conheceu o máximo possível da fama. Em seguida, em função do vazio de sua própria riqueza pública, ela se envolveu na pobreza pessoal, formada por orgias de sexo e droga. Descoberta, fugiu para o Brasil onde foi presa. Ser conhecida não lhe valeu nada. Conhecer pessoas apenas fez com que afundasse ainda mais no pecado e no desespero. Conhecida, faltava-lhe o conhecimento essencial: conhecer a Deus, para ter um relacionamento com Ele. Ela teve muitos relacionamentos, mas não teve aquele relacionamento que realmente importa, a intimidade com Deus.
É o conhecimento de Deus em Jesus Cristo que nos faz triunfar em meio ao caos pessoal. É o conhecimento do amor de Jesus Cristo que nos torna “escravos” da esperança. Quem conhece a Deus confia nEle (Em ti confiam os que conhecem o teu nome; porque tu, Senhor, não abandonas aqueles que te buscam. — Salmo 9.10)
Orar é conhecer a Deus. Como todo conhecimento, ele é progressivo; cada dia conhecemos mais (Colossenses 1.10). A recomendação do apóstolo Pedro é que cresçamos no conhecimento de Jesus (2Pedro 3.18). Portanto, como nos recomenda Oséias, conheçamos e prossigamos em conhecer ao Senhor (Oséias 6.3), por meio da oração.
8. PRÁTICA DA PRESENÇA DE DEUS (Salmo 16.11)
Vivendo na intimidade do Pai
Quando nossas orações deixam de ser exclusivamente destinadas a pedir coisas a Deus e passam ser expressões de nosso desejo de comunhão com Deus, estamos nos tornando verdadeiramente íntimos de Deus. O irmão Lourenco, um cristão do século 17, propunha que a oração deve culminar na prática da presença de Deus.
Segundo ele, “não há no mundo um estilo de vida mais doce e delicioso do que viver numa contínua conversa com Deus”. (Irmão LOURENÇO. Disponível em ) Nesta experiência, estar com o nosso Senhor “torna-se um prazer” e “a certa altura” da nossa experiência torna-se o “nosso deleite maior”, nosso interesse maior. (CRABB, Larry. O lugar mais seguro da terra.Tradução de Eduardo Pereira e Ferreira. São Paulo: Mundo Cristão, 2000, p. 198-199).
A prática do irmão Lourenco é onde podemos chegar. Uma de suas tarefas no mosteiro era lavar pratos. Pois era nesses momentos em que travava as suas mais profundas e íntimas conversas com Deus. Billy Graham escreveu que, numa fase de sua vida, gostava de pescar para poder orar mais longamente.
Ambos estavam na trilha de Abraão, que não era um homem de muitas palavras de oração, mas um homem ficar na presença de Deus, com ou sem palavras (Gênesis 18.22). Pratica a presença de Deus quem acostuma “o seu espírito a ter sempre Deus presente, no sentimento, na intenção e no amor” (ECKHART. Conversas espirituais. Em: Mestre Eckhart, a mística de ser e não ter. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 106).
Praticar a presença de Deus é ser habitado por ele, não pelas dificuldades da vida, que são reais mas não nos podem dominar. Habitados por Deus, Ele nos faz conhecer a vereda da vida e a experimentar a plenitude de alegria da sua presença, uma vez que diante dEle há delícias perpetuamente (Salmo 16.11).
Eu não sou fã de Elvis Presley e nem tenho qualquer interesse por ele, exceto em ouvir a sua magistral interpretação de “Amazing Grace” (Maravilhosa Graça). Assim mesmo, fui conhecer sua casa em Memphis, no Tennesse. Não foi fácil achar encontrar o local. A casa já estava fechada, por causa da hora. Pude vê-la da calçada, na companhia de muitas outras pessoas. Não fiquei frustrado. Os fãs de Elvis ali presentes, no entanto, ficaram frustrados por não poderem entrar na casa do seu ídolo.
Orar é entrar na casa de Deus, não olhá-la de fora. Há muitos cristãos que contemplam o tabernáculo de Deus do lado de fora, às vezes com um binóculo. O tabernáculo de Deus, diferentemente da casa de Elvis, não fecha momento algum. Está sempre aberta para entrarmos na presença de Deus e fruirmos da Sua orientação e da Sua glória. Sua casa não tem muros. Os portões não têm cadeados com segredos. A entrada não é guardada por seguranças armados. É por isto que, como Salomão, podemos achar confiança para orar na presença de Deus (1Crônicas 17.25).
O convite do poeta bíblico deve ser um desafio para todos nós:
Alegrem-se os justos
e se regozijem na presença de Deus
e se encham de júbilo.
(Salmo 68.3)
CONCLUSÃO
Eu estou engatinhando na oração.
Façamos um inventário de nossas orações. Qual delas está mais presente em nossas orações, a sós com Deus e em público com Deus.
Quando se começa a orar, não se sabe o que vai acontecer.
Você está pronto?