A Folha de S. Paulo traz uma matéria, assinada por seu correspondente em Israel (MARCELO NINIO), que merece a nossa leitura. Reproduzo alguns textos. Se tiver acesso, leio a matéria na íntegra no próprio jornal.
É sobre o eventual uso ideológico de descobertas arqueológicos nos tempos bíblicos.
MARCELO NINIO
Com o Velho Testamento numa mão e a réplica de um antigo selo hebreu na outra, o jovem guia israelense incendeia a imaginação do grupo de turistas em Jerusalém.
“Aqui, estão as ruínas do palácio de Davi. Aqui, os profetas Jeremias e Isaías disseram suas palavras eternas”, diz ele, diante das escavações na Cidade de Davi, parque multimídia que atrai 400 mil visitantes por ano.
Situado no bairro árabe de Siluan, um dos pontos mais sensíveis do conflito palestino-israelense, o parque também se transformou em foco de intensa polêmica no mundo da arqueologia.
Para muitos estudiosos do assunto em Israel, há abuso político da arqueologia no local para justificar o direito histórico dos judeus sobre a terra e o desalojamento de residentes palestinos.
No centro da polêmica está uma organização privada chamada Elad, também conhecida como Fundação Cidade de Davi, que controla as escavações em Siluan. (…)
O bairro fica na área de Jerusalém ocupada por Israel em 1967 e que os palestinos veem como parte de sua futura capital.
Aumentando a sensibilidade, a poucos passos dali está o ponto nevrálgico da disputa religiosa: Monte do Templo para os judeus, onde teriam sido erguidos e destruídos os dois templos sagrados, Esplanada das Mesquitas para os muçulmanos, onde o profeta Maomé teria subido aos céus.
Com ordens judiciais ou comprando propriedades por meio de terceiros, a organização Elad instalou cerca de 500 colonos, cercados de forte segurança, no meio da população de 45 mil palestinos de Siluan, criando um foco de tensão permanente.
A arqueologia reforça o argumento dos colonos. Para eles, a “Bacia Sagrada”, como também é conhecido o vale de Siluan, faz parte inseparável da história judaica.
Foi dali, afirmam, que o rei Davi unificou as tribos e converteu Israel num império, três milênios atrás. (…) Nos últimos anos, arqueólogos identificados com a direita exibiram descobertas que comprovariam as histórias da Bíblia, principalmente da época de Davi.
O caso mais proeminente é o de Eilat Mazar, da Universidade de Jerusalém. Em 2005, ela anunciou ter achado uma parede do palácio de Davi. (…)
Tais achados são questionados pela maioria dos arqueólogos de Israel, muitos deles frustrados com a inclusão da disciplina na agenda da direita nacionalista.
(…) A disputa pelo passado se estende ao outro lado do conflito. A liderança palestina nega que um dia existiram os templos sagrados do judaísmo em Jerusalém.
Em 1997, o fundo islâmico Waqf, que administra a Esplanada das Mesquitas, causou revolta em Israel ao retirar toneladas de terra do local numa escavação secreta. Mais tarde, foram achadas relíquias arqueológicas no entulho.
“Há absurdos de ambos os lados. Não há santos em Jerusalém”, diz Israel Finkelstein, um dos mais respeitados arqueólogos israelenses. “Pelo bem da ciência, é preciso tirar a arqueologia do campo minado da política.”
(…)
O premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, classificou na última sexta-feira como “absurda” a decisão da Unesco de não reconhecer que dois santuários venerados tanto por judeus como por muçulmanos teriam interesse histórico.
O motivo apontado pela órgão das Nações Unidas para a cultura é o fato de ambos estarem em território palestino ocupado por Israel.
“A tentativa de desconectar o povo de Israel de sua herança é absurda”, disse o premiê, referindo-se ao Túmulo dos Patriarcas, em Hebron, e ao Túmulo de Raquel, em Belém.
(…) Os muçulmanos conhecem os dois locais como mesquita de Ibrahim e mesquita de Bilal bin Rabah, respectivamente.
Na semana passada, a Unesco se recusou a reconhecê-los como parte integrante de Israel.
O órgão da ONU afirmou ainda que as mesquitas fazem parte do território palestino e que qualquer tentativa de Israel de incluí-los em seu patrimônio cultural violaria as leis internacionais vigentes.