Isaías 20 — EM QUE CONFIAMOS?

 
O profeta Isaías relacionava suas mensagens e experiências com Deus aos fatos da vida política. Por isto, encontramos a expressões "No ano em que" em quatro lugares do livro. A mais famosa é a do capítulo 6: "No ano em que o rei Uzias morreu, eu vi o Senhor assentado num trono alto e exaltado, e a aba de sua veste enchia o templo" (Isaías 6.1).
A mesma expressão aparece em Isaías 14.28 ("Esta advertência veio no ano em que o rei Acaz morreu") e Isaías 36.1 ("No décimo quarto ano do reinado de Ezequias, Senaqueribe, rei da Assíria, atacou todas as cidades fortificadas de Judá e se apossou delas").
Em todos os textos, a expressão é uma chave para entender o texto, como acontece na outra ocorrência do texto, no capítulo 20 de Isaías, que lemos:
 
No ano em que o general enviado por Sargom, rei da Assíria, atacou Asdode e a conquistou, nessa mesma ocasião o Senhor falou por meio de Isaías, filho de Amoz, e disse: 
— Tire o pano de saco do corpo e as sandálias dos pés. 
Ele obedeceu, e passou a andar nu e descalço. 
Disse então o Senhor:
— Assim como o meu servo Isaías andou nu e descalço durante três anos, como sinal e advertência contra o Egito e contra a Etiópia, assim também o rei da Assíria, para vergonha do Egito, levará nus e descalços os prisioneiros egípcios e os exilados etíopes, jovens e velhos, com as nádegas descobertas. Os que confiavam na Etiópia e se vangloriavam no Egito terão medo e ficarão decepcionados. Naquele dia o povo que vive deste lado do mar dirá: ‘Vejam o que aconteceu com aqueles em quem confiávamos, a quem recorremos para nos ajudar e nos livrar do rei da Assíria! E agora? Como escaparemos?’ (Isaías 20)
 
1. AFIRMEMOS QUE O NOSSO DEUS É O DEUS DE AÇÕES CONCRETAS.
Aprendemos logo uma verdade extraordinária: Deus é um Deus enraizado na história, no sentido em que Ele se manifesta na história. Ele não se apresenta no vazio, mas na plenitude de nossas experiências. Deus é um Deus interessado nas nossas histórias. Deus não se refugia nos céus, para não ser alcançado. Ele fala diretamente. Ele fala através de profetas. Ele fala através de símbolos.
Houve um fato marcante na história nesses dias. Uma das cinco grandes cidades filistéias era Asdode, que devia ter sido conquistada pelos israelitas (Josué 15-46.47), mas não o foi (hoje faz parte do Estado de Israel, como um de suas cinco maiores cidades). Asdode, nessa época, estava sob o domínio da Assíria e era dirigida por um governador nomeado pelo rei Sargom II. No entanto, em 711 a.C., o povo se revoltou e depôs o governador Arkhimiti. Para retoma-la e castiga-la, Sargom determinou que a cidade fosse subjugada, tarefa levada a cabo por um general (Tartã possivelmente, daí a tradução da NVI, era o título para "general"). O povo asdodeu esperava proteção do Egito (ao sul) contra os assírios, mas, para sua decepção, não a recebeu. 
Isaías pede ao povo que olhe para a história dos asdodeus e aprenda. 
Cada um de nós precisa olhar para a sua própria história e aprender. 
A historia não se repete, porque não somos os mesmos, as pessoas não são as mesmas e as circunstâncias não são as mesmas, mas podemos aprender com a nossa história, desde que a conheçamos.
Isaías pede ao povo para ver em quem esperavam os asdodeus e o que lhes aconteceu.
 
2. PERGUNTEMO-NOS EM QUE A NOSSA CONFIANÇA ESTÁ POSTA.
Devemos examinar nossas próprias vidas e nos perguntar em que(m) estamos confiando.
Os asdodeus confiavam no Egito. 
Alguns confiamos em nossa própria força física, como aqueles rapazes que, em turma, agridem os outros, nas ruas ou nos estádios ou nas festas. Eles se acham invencíveis e, às vezes, indescobríveis. Alguns confiam que não serão alcançados, dada a malha de proteção com que contam, às vezes começando com seus próprios pais.
Alguns confiamos em nossa inteligência, certos de que sempre daremos um jeito para vencer as dificuldades.
Alguns confiamos em nossas próprias estratégias para conseguirmos nossos intentos, alguns ímpios. 
Alguns confiamos no dinheiro que temos, mesmo sabendo que não compra tudo. Assim mesmo, é impressionante como pessoas que vão ganhando dinheiro mudam, não só de hábitos e amigos, mas de visões sobre a vida.
Precisamos nos perguntar: em que estamos confiando?
 
3. ESTAMOS DISPOSTOS A OBEDECER?
Temos mantido os nossos olhos fixos em Deus?
Isaías tinha os seus. Por isto, quando recebe a estranha ordem, obedece.
Deus lhe diz, com um claro propósito: "Tire o pano de saco do corpo e as sandálias dos pés" (verso 2), que era o mesmo que dizer: "ande nu e descalço".
A mensagem era clara: as coisas não nos bastam, sejam roupas ou calçados. Trata-se de uma mensagem em forma de símbolos: não é contra roupas e calçados. Não somos o que vestimos. Não somos o que calçamos. O que somos está aquém do que temos, mesmo as mais simples, como roupas e sandálias.
Tirar a roupa e as sandálias era um símbolo de despojamento. Era como dizer: "eu posso viver sem isso".
Tirar a roupa e as sandálias era, e é, um escândalo, no caso, um escândalo para o bem, para que as pessoas prestassem atenção. Tirar a roupa e as sandálias é ter posições claras sobre os temas de hoje, mesmo que desagradem, bíblicas sendo. Tirar a roupas e as sandálias é viver de modo que escandalize os homens mas honrem a Deus. Tirar a roupa e as sandálias é perdoar quando ninguém perdoa. Tirar a roupa e as sandálias é amam quem ninguém ama. Tirar a roupa e as sandálias é deixar Deus agir quando todos fazem as coisas por conta própria.
Tirar a roupa e as sandálias era uma prova de obediência radical. Deus nos pede provas de nossa obediência, para nos examinarmos a nós mesmos. Dizemos que amamos a Deus, mas nós o amaremos se tivermos que pagar um preço? Dizemos que amamos a Deus, mas nós o amaremos se, hipoteticamente, deixar de nos brindar com bênçãos?
Temos a mesma disposição de Isaías?
Isaías teve. Ao faze-lo, Isaias entendeu o significado da palavra parceria, no caso, parceria do homem com Deus. O apóstolo Paulo nos lembra que, parceiros, somos cooperadores de Deus: "nós somos cooperadores de Deus" (1Coríntios 3.9a). Por isto, ele convida: "Como cooperadores de Deus, insistimos com vocês para não receberem em vão a graça de Deus" (2Coríntios 6.1).
Nosso grande problema é saber os nossos limites nesta parceria. 
Lembremos que o teatro da vida acontece em um palco que pode ser demarcado ao meio. O título da peça pode ser este: A PARCERIA.
Numa metade do palco, estão os seres humanos, com seus passos.
Na outra metade, Deus age.
No teatro da vida, cada um age no seu território.
Do lado humano, os passos são dados, sempre em direção ao espaço divino, de olho na linha divisória.
Do lado divino, os passos são dados, sempre em direção ao espaço humano, desejoso de uma parceria que gere bem-estar. Deus não invade jamais o espaço do homem; só faz o que lhe cabe, para que o homem continue humano, em sua liberdade e em sua potencialidade e em sua responsabilidade.
Já o homem, qual menina que tenta calçar o sapato da mãe, qual garoto que tenta imitar os passos largos do pai na rua, não se contenta com o seu território; quer o de Deus, como os habitantes de Babel.
Sim, há dois territórios, com uma linha invisível e móvel a especificá-los.
Deus tem um projeto: que ao longo da linha, avançável para o seu lado, avançável para o nosso, Ele e nós nos entrelacemos e, de braços dados, sigamos na mesma direção.
Não é algo fácil. Uma pessoa me escreveu, falando de seu alvo e sua dificuldade:
"Esta parceria é muito importante, muitas vezes não sei até onde ir, porque em alguns momentos sinto que Deus quer que eu tome certas atitudes que tenho medo das responsabilidades (conseqüências) que elas me trarão. Este equilíbrio é precioso e luto para tê-lo mas como é difícil lutarmos com o nosso ego e ao mesmo tempo com as características das pessoas que nos rodeiam".
 
4. NÃO PISEMOS NOS PÉS DE DEUS
Além desta dificuldade, como, neste balé, não pisarmos nos pés de Deus?
Há um texto no Novo Testamento que nos orienta:
"Tudo o que fizerem, seja em palavra ou em ação, façam-no em nome do Senhor Jesus, dando por meio dele graças a Deus Pai". (Colossenses 3.17)  
Se vou fazer algo, faço-o para Deus?
Refinemos a pergunta: posso honestamente dizer que isto que faço eu o faço em nome do Senhor Jesus.
Isaias ficou nu e descalço. Poderia ele, se tivesse o privilégio de conhecer a Jesus como nós, diz que fez, obedecendo ao Pai, em nome de Jesus. Sem dúvida. Ficar nu e descalço era desagradável. Poderia ele dizer que o fazia dando graças a Deus Pai?
Paulo nos coloca os critérios, que nos ajudam até a não nos enganarmos a nós mesmos:
Retomemos o primeiro critério: cada coisa que faço, posso dizer que a faço em nome de Jesus?
No seu prédio, o síndico está agindo de modo inadequado. Você deve agir, em nome de Jesus, que é o mesmo que dizer: penso que Jesus agiria assim.
No seu trabalho, uma pessoa consegue a simpatia do chefe usando expedientes não-recomendados. Você também quer ser bem tratado pela empresa. Vai agir como o colega ou como Jesus faria?
Na sua igreja, o pastor tem atitudes incompatíveis com o Evangelho. Você precisa agir, mas como o fará: como os ímpios fazem ou em nome de Jesus?
Meditemos no segundo critério: cada coisa que faço, posso dizer que a faço com alegria diante de Deus?
Jesus me manda caminhar a segunda milha (isto é, que eu seja tolerante com os outros, até diante dos abusados) e eu resolvo obedecer, mas obedeço obrigado ou dando graças a Deus Pai, naquela certeza de que nem um fio de cabelo da minha cabeça cai sem que o Pai permita (Lucas 21.18)?
Jesus me manda bater à porta dEle e pedir, e eu peço. Se Deus me dá, me alegro. Se Deus não me dá, me entristeço, como se todas as coisas não contribuíssem para o meu bem (Romanos 8.28)?
 
ISRAEL BELO DE AZEVEDO