Um dos maiores temores dos defensores da fé é a incredulidade. A falta de fé e rejeição da verdade bíblica é claramente descrita como o maior pecado que o ser humano pode cometer para a maioria dos cristãos. Dezenas de textos bíblicos corroboram tal enfoque. A própria salvação é alcançada mediante a fé!
Todavia, será que toda dúvida é sinônimo de incredulidade? Será verdade que “nenhuma dúvida vem de Deus”. Como devemos encarar os nossos momentos de dúvida e de questionamento da fé? Serão frutos da “carne”? Tentação diabólica? Ausência divina?
A Bíblia está repleta de textos que expressam os conflitos daquele que busca a Deus. É comum, por exemplo, o salmista questionar a demora divina em agir com a frase: “Até quando, Senhor” (Sl 6.3; 13.1; 79.5; 89.46). Habacuque age da mesma forma (Hc 1.2). Além disso, quando olhamos para servos de Deus como Moisés, Davi, Jonas e Pedro, podemos afirmar que nem sempre eles mantiveram a fé inabalável em todas as circunstâncias.
Talvez o exemplo mais impressionante de dúvida no cristianismo foi o de Tomé. Em João 20.24-25
24 Tomé, chamado Dídimo, um dos Doze, não estava com os discípulos quando Jesus apareceu. 25 Os outros discípulos lhe disseram: “Vimos o Senhor!” Mas ele lhes disse: “Se eu não vir as marcas dos pregos nas suas mãos, não colocar o meu dedo onde estavam os pregos e não puser a minha mão no seu lado, não crerei”.
A declaração de incredulidade de Tomé assusta. Parece um cético do século 19. Como pode um apóstolo de Jesus Cristo, da época da igreja primitiva, agir e pensar assim?
A história surpreeende ainda mais por sua seqüência inesperada. Vejamos os versículos 26-28:
26 Uma semana mais tarde, os seus discípulos estavam outra vez ali, e Tomé com eles. Apesar de estarem trancadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “Paz seja com vocês!” 27 E Jesus disse a Tomé: “Coloque o seu dedo aqui; veja as minhas mãos. Estenda a mão e coloque-a no meu lado. Pare de duvidar e creia”.
28 Disse-lhe Tomé: “Senhor meu e Deus meu!
A gravidade do pecado da incredulidade, principalmente no caso de um apóstolo do Senhor, levanta uma expectativa de grande castigo divino para Tomé. O que diríamos? Qual seria o veredito? Alguns arminianos pensariam que ele deveria perder a salvação. Já os calvinistas afirmariam que Tomé não era um eleito. Os conservadores poderiam encontrar nele as raízes do “liberalismo incrédulo”. No entanto no texto bíblico, mesmo duvidando do Jesus ressurreto, Tomé não é fulminado pelos céus, nem recebe uma maldição. Jesus faz questão de dar-lhe a oportunidade de dirimir suas dúvidas. Tomé pode tocar e ver! Quanta misericórdia! Será que ele mereceria tudo isso? Finalmente, Jesus dá sua palavra final: “Pare de duvidar e creia”. Diante das palavras de Jesus: Tomé faz uma das maiores declarações de fé da história: “Senhor meu e Deus meu!”, reconhecendo não só que Jesus ressuscitou, mas que ele é o Senhor e também é Deus! Quanta ortodoxia para um incrédulo como Tomé! A maior expressão de fé nasceu de um momento escuro de incredulidade
A grande verdade é que, muita vezes, a dúvida faz parte da própria fé. De certa forma, o “duvidar” é uma faceta do “crer”. Não é possível crescer em fé sem enfrentar crises e “momentos de dúvida”. Por isso, tantas vezes vemos na Bíblia que grandes lutas espirituais, marcadas pela dúvida, depois “amadurecem em fé”. De fato, podemos ir até mais longe e afirmar que: “quem nunca duvidou, nunca creu de verdade”. A incredulidade terrível e incurável manifesta-se realmente através da indiferença e do descaso e não através das dúvidas sinceras.
Diante de tal realidade, creio que está na hora de duvidarmos de nossas dúvidas. Será que podemos levar a sério nossa capacidade de duvidar? Será que os que duvidam, estão duvidando de verdade? Com toda sinceridade? Ou, quem sabe, muitos aparentes ateus e agnósticos, que se sentem tão incomodados com o evangelho, são na verdade “crentes enrustidos”. Diante do “testemunho” de alguns incrédulos (semelhantes a Tomé), digo abertamente: Eu duvido!
LUIZ SAYÃO