A PAIXÃO
Apocalipse 2.1-7
Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 30.12.2001 (manhã)
INTRODUÇÃO
Comecemos por um truísmo: as vidas de todos nós são feitas de lutas e vitórias.
Esta verdade se aplica também aos cristãos de Éfeso. A lista de suas vitórias é extensa, na carta a ela destinada nesta clara seção do enigmático livro de Apocalipse.
Aqueles nossos irmãos enfrentaram e desmascararam, por exemplo, alguns falsos cristãos, que se escondiam atrás de identidades igualmente falsas (dizendo-se cristãos sem o serem [eles se dizem apóstolos e não o são]).
Nesta luta, travada para defender o nome de Jesus, os efésios demonstraram principalmente a qualidade da perseverança (persistência), virtude que, para desenvolverem, pagaram um alto preço: o sofrimento.
Tudo indica, no entanto, que o maior preço pago não foi o sofrimento por Cristo, que este eles suportaram, mas o esgotamento espiritual experimentado. Na sua luta, eles venceram os inimigos de Deus, mas perderam para si mesmos; nós somos nossos piores inimigos.
Jesus, então, estimula seus seguidores em Éfeso a verem onde começaram a fracassar e a triunfarem sobre o seu fracasso. Aqueles que vencessem, recuperando o primeiro amor, receberiam o privilégio de comer do fruto da árvore da vida, plantada no paraíso celestial.
A promessa se aplica inteiramente aos seguidores de Jesus Cristo na eternidade. Esta é uma certeza que nos deve estimular à perseverança: nós comeremos o fruto da árvore da vida, semelhante àquele que Adão e Eva não deviam ter comido; ao comê-lo, nós alcançaremos a capacidade de conhecer plenamente todas as coisas. Deixaremos de ver por enigma, para perceber tudo claramente. As coisas encobertas deixarão de ser encobertas (Deuteronômio 29.29), porque Deus no-las revelará completamente.
Esta promessa, no entanto, tem também uma dimensão atual, podendo ser entendida como uma marca que o cristão deve ter. Quero tomar a promessa da árvore da vida especialmente neste sentido.
1. Para vencer, precisamos saber que lutar é da vida. Pagar o preço é da luta.
Todas as promessas desta seção começam com esta expressão: Ao que vencer. A vida é uma sucessão de lutas. A vida cristã é uma epopéia de lutas; ela tem um fim — a vitória — mas é uma luta real, nunca uma luta de videogame.
Não há vitória sem luta. Vitória de mão beijada não é vitória. Nós crescemos à medida em que lutamos. Se não lutamos, não crescemos. Deus poderia dar a terra prometida ao seu povo, mas não o fez; antes, capacitou-o para conquistar cada metro da terra que era sua por herança. Para ser proprietário de fato da terra da promessa, Israel teve que conquistá-la.
Há pais que tornam fracos os seus filhos por tomarem para si as lutas dos filhos. Há filhos que se acomodam em ver os pais lutando por eles. Filhos assim não crescem, não se desenvolvem, não estarão aptos a viver quando seus pais já não estiveram lutando por eles.
Há cristãos buscando um Deus assim: um Deus que dê vitórias sobre vitórias, mas sem nenhuma luta. Há crentes que têm horror a lutar. Se Deus precisar que enfrentem os profetas de Baal, não poderá com eles.
Porque nos quer maduros esprititualmente, Deus não luta as nossas nossas lutas, embora nos capacite para participar delas, fortalecendo-nos na força do seu poder. Deus não luta as nossas lutas, mas nos reveste de sua armadura, para podermos ficar firmes e inabaláveis. A recomendação bíblica é que nos vistamos com a couraça da justiça, calcemos os pés com a preparação do evangelho da paz, seguremos sempre o escudo da fé, nos cubramos com o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus, com toda oração e súplica (Efésios 6.10-18).
Deus está conosco em nossa luta. Suas mãos estão levantadas em nossa direção, para que vençamos, como as de Moisés estiveram, para que seu povo triunfasse na guerra (Êxodo 17.1). Não é nEle que podemos todas as coisas (Filipenses 4.13)?
2. Para vencer, precisamos saber que Deus tem expectativas a nosso respeito.
A expectativa dEle é que nós cresçamos.
A história da salvação mostra que todo o esforço divino para nos salvar decorre do seu amor por nós. Por nos amar, Deus quer a nossa companhia. Ele não precisa dela, mas Ele a quer. A expectativa dEle é que nós também queiramos a Sua companhia.
A expectativa dEle é que nós mantenhamos o nosso entusiasmo por Ele. A propósito, a palavra entusiasmo significa literalmente estar cheio (pleno) de Deus, totalmente possuído por Deus, tomado por Deus.
Por isto, é lindo ver um cristão, recentemente convertido. Há brilho no seu rosto, há palavras nos seus lábios. Jesus é o centro da sua vida.
É triste, por outro lado, ver um cristão, há muito convertido, mas cujo rosto já não brilha e cujas palavras testemunham de outras paixões. O mais triste é ainda ver um cristão antigo olhar para um novo cristão com um certo ar de desdém:
— Ah. Não liga, não. Ele se converteu agora. Está cheio de gás.
O ar devia ser outro: ar de arrependimento por não ter o mesmo empenho de outrora. Vale a pena recordar a recomendação do autor (ou autores) da Carta aos Hebreus: O nosso profundo desejo é que cada um de vocês continue com entusiasmo até o fim, para que, de fato, recebam o que esperam (Hebreus 6.11).
Dá gosto ler as cartas de Paulo; da primeira à última de suas epístolas, o vigor é o mesmo, o desejo de espalhar o perfume de Cristo permanece inalterado. Eis o que ele disse ao filipenses: O meu grande desejo e a minha esperança são de nunca falhar no meu dever, para que, sempre e agora ainda mais, eu tenha muita coragem. E assim, em tudo o que eu disser e fizer, tanto na vida como na morte, eu poderei levar outros a reconhecerem a grandeza de Cristo (Filipenses 1.20)
3. Para vencer, precisamos saber que a maior das lutas é aquela que enfrentamos no nosso próprio interior.
Qual foi o pecado dos efésios? Foi o de terem perdido o entusiasmo. Eles venceram os falsos apóstolos. Triunfaram sobre os nicolaítas. Deram conta do excesso de trabalho. Botaram os maus para correr. Foram até capazes de sofrer pela causa de Cristo. No entanto, perderam para si mesmos. Elias enfrentou e venceu um deus (Baal) e seu batalhão de profetas, mas perdeu para si mesmo.
A recomendação de Jesus aos efésios era que se lembrassem da perda do entusiasmo e retomassem o estilo entusiasmado de antes. A carta não informa quais foram as causas da derrota efésia, o que deixa cada um de nós mais à vontade para refletir sobre as próprias causas.
Desde quando o seu pessimismo o vem derrotando? Desde quando deixou de acreditar que nada que faça pode dar certo? O desanimado é aquele que, ao remo de um barco, olha para o mar e diz “eu não conseguir”. Ele até se lança ao mar, mas a travessia é um suplicio. O entusiasmado é aquele que, ao remo de um barco, olha para o mar e sorri. Ele se lança ao mar e atravessa, feliz da vida, em busca do seu troféu. A travessia há que ser feita, por que não fazê-la com prazer?
Desde quando o seu desinteresse pela comunhão com Deus vem sobrepujando sobre o interesse? Desde quando você vem vivendo uma vida rala? Desde quando você vem se arrastando, como se o Espírito Santo não o habitasse? Desde quando você desistiu de viver uma vida santa, embora ainda se pareça um cristão?
Desde quando você se tornou um cristão envelhecido? Um dia desses perguntei a uma pessoa idosa o que havia de diferente em sua vida? Sua resposta me impressionou:
— A diferença é que agora eu não tenho interesse por quase nada.
Não sei a quantos a resposta descreve (espero que a muitos poucos, em qualquer idade), mas imagino que muitos cristãos estão assim: sem interesse por nada da vida cristã, como os de Éfeso.
Esses são os derrotados por si mesmos. A vitória deles começa quando se empenham em descobrir o tempo e as razões da queda, da cessação do entusiasmo. A vitória prossegue quando se interessam por ter de volta a alegria da salvação. A vitória acontece quando eles passaram a tirar da paixão por Cristo a sua força para a vida.
4. Para vencer, precisamos nos alimentar do fruto da árvore da vida.
Os efésios foram advertidos do seu erro, que consistia em achar que eram capazes de vencer por si mesmos, fossem os inimigos externos, fossem eles mesmos. Não eram. Não somos. Os métodos que aprendemos são apenas instrumentos que colocamos nas mãos de Deus para a Sua vitória. Os recursos que dispomos são apenas meios que colocamos nas mãos do Senhor para o Seu triunfo. Não somos nossa própria fonte. A Fonte é Deus. É nEle e dEle que devemos nos nutrir.
O salmo 1 deixa esta verdade bem clara, ao chamar de feliz aquele que tem prazer em meditar dia e noite na lei do Senhor (verso 2), por ser como uma árvore plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem sucedido (verso 3).
Alimentar-se do fruto da árvore da vida é, por meio da leitura e da degustação da Bíblia, fruir apenas dela os valores que orientam as nossas decisões e os nossos costumes. Só plugados na Bíblia, conseguiremos manter desconectados as nossas práticas dos valores daqueles que se assentam na roda dos escarnecedores.
Alimentar-se do fruto da árvore da vida é manter com Deus uma vida apaixonada, resultando em mais (e não menos) vontade de estar na companhia dEle, que nos conclama, como fez com Abraão, a andar na Sua presença como caminho para a perfeição (Gênesis 17.1). Deus, em Cristo, nos faz ver os caminhos da vida, porque na presença dEle há plenitude de alegria e delícias perpetuamente (Salmos 16.11). Sim, feliz é aquele que conhece os vivas de júbilo, que anda, ó SENHOR, na luz da tua presença (Salmos 89.15).
CONCLUSAO
Precisamos de ter em nós a marca da paixão por Jesus Cristo.