Assustadoramente, a escravidão acompanha a história humana. Por incrível que pareça, está mais presente do que nunca! É muito provável que esteja mais perto de sua casa do que você possa imaginar. Poucos imaginam que cerca de 800.000 pessoas são escravizadas por ano no mundo de hoje. Nos EUA o número chega a 17.000 escravos traficados todos os anos. Em outubro de 2003, por exemplo, foi libertada uma escrava de doze anos de idade, imigrante da Guatemala, em Cape Coral, Flórida. A menina fora vendida pelos pais, trazida para os EUA e era escrava sexual. Em Massachusetts, nos anos 90, ficou conhecido o caso de Vasantha Gedara, imigrante de Sri Lanca, que vivia como escrava na cidade de Boston. Tudo pode ser consultado livremente na própria internete: http://www.iabolish.com/slavery_today/usa/index.html.
Infelizmente, a grande verdade é que a escravidão cresce a cada dia em todo o mundo. No Brasil, milhares de bolivianos trabalham em regime escravo em São Paulo. No interior do país, crianças e adolescentes também vivem em condições de escravidão nas áreas rurais. Recentemente, a Argentina resolveu legalizar 750.000 imigrantes ilegais que vivem no país, principalmente motivada pelo fato de alguns deles terem morrido quando trabalhavam em condições de serviço escravo na região metropolitana de Buenos Aires!
Na África de hoje, a escravidão ainda é uma realidade, até legalizada em alguns contextos. Na Mauritânia a escravidão foi abolida em 1981, mas a prática ainda persiste no país. O tráfico de crianças é comum na Nigéria e no Benin. Em Gana, no Togo e também no Benin a escravidão sexual em santuários religiosos tribais prossegue (chamados trokosi ou vudusi), ainda que proibido em Gana desde 1998. O caso mais grave é o do Sudão, onde a guerra civil tem permitido a presença mais devastadora da escravidão.
A escravidão é geralmente lembrada como obra de mercadores e colonizadores portugueses, espanhóis e ingleses que superlotavam os porões de seus navios de negros africanos, para trazê-los para a América. A verdade é que a prática sempre esteve presente na história humana, tendo sido abolida na civilização ocidental, de influência cristã. A escravidão tem origem nos primórdios da história, quando os povos vencidos em batalhas eram escravizados pelos conquistadores. Babilônios, egípcios, assírios, romanos, gregos e até os hebreus conheciam a escravidão (Êxodo 21-23). Na época de Cristo, calcula-se que 60% dos habitantes do Império Romano eram escravos! Até um livro do Novo Testamento, Filemom, é dedicado ao relacionamento entre escravo e senhor no alvorecer do cristianismo igualitário.
Desde os tempos mais antigos, um escravo era legalmente definido como uma mercadoria que podia ser comprada, vendida ou trocada por uma dívida, sem que o escravo pudesse exercer objeção legal. A escravidão era uma situação aceita e logo tornou-se essencial para a economia e para a sociedade de todas as civilizações do passado. Comum na Ásia, na Europa e na África, achou lugar também nas civilizações pré-colombianas, onde os escravos eram empregados na agricultura e no exército.
A escravidão ganhou proporções elevadas na história ocidental quando os europeus passaram a colonizar outros continentes e na ocasião do triunfo da mentalidade mercantilista. Foi nesse contexto que se expandiu a escravidão negra. Muitos reinos africanos e árabes passaram a vender escravos para os europeus, até porque já a praticavam há muito. O problema da escravidão negra, porém, ganhou contornos particulares. Em primeiro lugar, foi um processo longo e extremamente cruel de três séculos. Além disso, foi praticado e tolerado por uma civilização “cristã”, e, posteriormente, foi “legitimada” por teorias racistas, que pregavam a inferioridade étnica dos povos africanos. Vergonhosamente, muitos cristãos protestantes consentiram com a escravidão, sendo que alguns até a justificaram, afirmando que os negros não tinham alma! Hoje, parece que as coisas não mudaram muito! Enquanto o mundo morre de fome, de AIDS e de guerras horríveis, a maioria dos evangélicos está mais preocupada com questões irrelevantes e desnecessárias! É uma vergonha!
Um exemplo de postura cristã legítima contra a escravidão pode ser visto em John Wesley, fundador do metodismo, conforme mostra Euler Westphal. No século XVIII, a Inglaterra tinha o monopólio do comércio de escravos. Boa parte da população inglesa tirava proveito do comércio, além de que o povo, de maneira geral, aceitava a escravidão. Havia aqueles que se enriqueciam com o comércio de açúcar e de escravos, e que defendiam o escravagismo. Wesley publicou, em 1774, um ensaio entitulado "Pensamentos sobre a Escravidão", rejeitando as argumentações que a defendiam. Ele mostrou sua admiração para com a população negra e seu respeito para com eles. Ele condenou também a crueldade da captura dos escravos e as condições desumanas do transporte dos mesmos. Para Wesley, a liberdade seria um direito inalienável de toda a criatura humana, tanto dos brancos como dos negros.
Na história do Brasil, a escravidão começou com a produção de açúcar no século XVI. Os portugueses traziam os negros africanos para utilizar como mão-de-obra escrava nos engenhos de açúcar do Nordeste. O transporte era feito nos porões do navios negreiros, descritos por Castro Alves. Amontoados, em condições desumanas, muitos morriam antes de chegar ao Brasil, tendo seus corpos lançados ao mar. Apesar de pouco difundida, a escravidão indígena foi uma realidade no Brasil do século XVI. O período de 1540 até 1570 marcou o apogeu da escravidão indígena, especialmente nos engenhos de Pernambuco e Bahia. Ali os colonos conseguiam escravos índios, roubando-os de tribos que os tinham aprisionado em suas guerras e, também, atacando as tribos aliadas. Essas incursões às tribos, conhecidas como "saltos", foram consideradas ilegais, tanto pelos jesuítas como pela Coroa. Mas o interesse econômico falou mais alto e, dessa forma, fazia-se vista grossa às investidas. O regime de trabalho nos canaviais era árduo. Os jesuítas pressionaram a Coroa e intensificaram as ações contra a escravidão, promovendo intenso programa de catequização dos índios.
Por incrível que pareça, a escravidão perdeu força por razões econômicas. No início da revolução industrial, desejosa de vender os produtos da revolução industrial, a Inglaterra combateu a escravidão. A partir da metade do século XIX, interessada em ampliar seu mercado consumidor no Brasil e no mundo, a Inglaterra aprovou a Lei Bill Aberdeen (1845), que proibia o tráfico de escravos, dando o poder aos ingleses de abordarem e aprisionarem navios de países que mantinham a prática. Em 1850, o Brasil cedeu às pressões e aprovou a Lei Eusébio de Queiroz que acabou com o tráfico negreiro. Em 28 de setembro de 1871 foi aprovada a Lei do Ventre Livre que dava liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data. E no ano de 1885 era promulgada a Lei dos Sexagenários que garantia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade. Mas foi somente no final do século XIX que a escravidão foi proibida no mundo ocidental. No Brasil, a abolição chegou em 13 de maio de 1888 com a promulgação da Lei Áurea, pela Princesa Isabel.
Apesar disso, o fantasma da escravidão volta a rondar o mundo todo. O tráfico de pessoas é uma das atividades criminosas mais lucrativas do mundo. Milhares de pessoas são vendidas e escravizadas em todo o mundo. Muitos trabalham em colheitas, muitas mulheres são escravas sexuais, entre tantas práticas abomináveis. A pergunta precisa ser feita: Por que um mundo tão desenvolvido tecnologicamente se volta para uma prática tão horripilante como a escravidão? Não é difícil responder! A resposta está em duas constatações.
A primeira é que o ser humano passou a não ter mais valor intrínseco na sociedade atual. Segundo a Bíblia, o ser humano foi feito “à imagem e semelhança de Deus” (Gn 1.26), possuindo dignidade ontológica. Qualquer pecado contra o homem é um pecado contra Deus (Gn 9.6). Todavia, o ser humano hoje é visto apenas como um simples animal, sem distinção dos demais brutos! A vida humana não tem valor absoluto. Matar virou rotina. Sob o materialismo e agnosticismo atual, podemos esperar até a defesa do canibalismo! Se comemos bois e frangos, por que deveríamos rejeitar carne humana?
A segunda razão é o triunfo horroroso do mercantilismo, manifesto no neoliberalismo contemporâneo que sugere que a realidade absoluta é o dos bens de consumo. Destituída de valores e de significado, a sociedade atual afunda-se numa busca frenética por algo que lhe dê sentido. Perversamente enganada, é levada ao consumismo, referencial de valorização e ontologização atual. A vida torna-se um “correr atrás de bugigangas inúteis”! Neste quadro medonho, tudo é válido quando se deseja mais dinheiro. Até a fé virou mercadoria! Mas a Palavra de Deus permanece clara e contundente em 1 Timóteo 6.10: “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males”.
Precisamos de homens que não se vendam, que creiam nos valores bíblicos e trabalhem para uma sociedade mais justa, combatendo o horror da escravidão com todas as forças!
Luiz Sayão