Lucas 10.38-42: O PRAZER DE SERVIR

O PRAZER DE SERVIR
Lucas 10.38-42

Preparado para ser pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 1.10.2000 – noite

 
1. INTRODUÇÃO
Estou certo que as mulheres não gostam muito deste texto. Ele nos passa uma impressão de depreciação do trabalho em geral e do trabalho das mulheres em particular. A maioria das mulheres, especialmente as secretárias, está mais para Marta do que para Maria.
No entanto, este é um texto com um olhar bem feminino, embora escrito por um homem, um médico. Há alguns indícios a destacar este olhar feminino, os quais devem levar as mulheres a serem mais justas com a Bíblia.
Primeiramente, uma mulher (Marta) é apresentada como chefe de um lar. Há no Brasil muitas mulheres responsáveis pela direção e pelo sustento das suas famílias.
Em segundo lugar, a mulher Marta é apresentada como alguém que gostava de hospedar. Não só recebeu a Jesus em casa como se preocupou em lhe preparar vários pratos.
Em terceiro lugar, a sua irmã Maria é apresentada como uma discípula de Jesus, numa época em que às mulheres eram reservados papéis em que o uso da inteligência não era essencial.
A propósito, duas mulheres numa casa (não sabemos se a esta época o irmão delas, Lázaro, já estava morto) lembra o fato de que a profissão de secretária é uma profissão feminina. Já tive secretários, mas a maioria é do sexo feminino, sem grande protestos dos homens…
De qualquer modo, o texto apresenta duas atitudes opostas em relação à vida e em relação a Jesus. Uma corria de um lado para o outro, para que nada lhe faltasse. A outra ficou sentadinha ao lado de Jesus, para não perder nada do que dissesse.

2. OS ERROS DE MARTA
Marta era uma mulher de valor. Trabalhadora como ninguém, sabia receber alguém em casa com muita competência.
No entanto, o perfil dela traçado é negativo. Conquanto tivesse qualidades, faltavam-lhe algumas virtudes essenciais, as quais se aplicam à nossa vida em geral e a vida cristã em particular.
 
1. Marta trabalhava muito (parabéns!), mas na hora errada. Talvez, se Jesus avisou que chegaria, lhe tenha faltado planejamento; talvez sua casa estivesse a maior bagunça. Daqui a pouco Jesus iria embora e ela não teria absorvido nada da sua presença. O erro de Marta não foi trabalhar, mas trabalhar na hora errada.
Muitos agimos assim. Os estudantes sabem muito bem disso. Eles têm a triste mania de só estudar na véspera da prova ou de só começar a fazer o trabalho quando está em cima da hora, tendo que varar noites. Uma fez recebi um trabalho do aluno com um bilhete, onde me pedia que considerasse o fato de que o terminara já de madrugada. Eu apenas respondi: “Cada um trabalha na hora que gosta”.
Faltou sabedoria de vida a Marta, como nos falta também por vezes.

2. Marta trabalhava muito (parabéns!), mas com uma atitude errada. Ela não trabalhava cantando; ela trabalhava reclamando. Quando viu sua irmã estudando com Jesus, não se conteve e tentou usar o próprio hóspede para corrigir a irmã. Marta se achava uma vítima e queria justiça.
A atitude de Marta em relação ao trabalho não lhe permitia ter uma boa relação com ele. O trabalho lhe era um fardo.
Talvez se parecesse com aqueles empregados que não tiram o olho do relógio na hora da saída… A atitude inadequada de Marta a estava levando a um estresse enorme. Precisamos de atitudes corretas em relação ao trabalho para que não nos seja um peso.
Tem gente que faz do seu ambiente de trabalho (seja uma fábrica, um escritório, uma sala ou a própria casa) um verdadeiro inferno. Talvez você seja vítima de colegas assim. Talvez você seja o responsável por este tipo deletério de ambiente. Pare de reclamar do seu trabalho. Enquanto você tirar dele seu sustento, seja grato por o ter. Transforme seu ambiente de trabalho em um lugar agradável para você e para os seus colegas.
A disposição de Marta acabou comprometida por sua atitude inadequada.

3. Marta trabalhava muito (afinal alguém tem que trabalhar!), mas trabalhava mais do que o necessário. Talvez ela fosse daquelas que, em casa, fazem mais comida do que o necessário, compram mais refrigerante do que o necessário. Vocês conhecem alguém assim?
Marta se deixou consumir pelo trabalho. A vida se lhe escapou, por falta de tempo para fruí-la.
A sua ansiedade incontrolada impediu que ela equilibrasse sua vida entre o trabalho e o descanso, entre o trabalho e o estudo. Ela não tinha tempo para estar aos pés de Jesus, aprendendo com ela. Ela não teria tempo para fazer um curso sequer de especialização.
Marta não aprendera que há tempo de trabalhar e tempo de descansar, tempo de acumular dinheiro auferido com o trabalho e tempo para desfrutar deste dinheiro. A vida da maioria de nós é dura, mas sempre haverá uma forma de fruir a vida. Quem puder viajar, que viaje. Há gente que acumula, acumula,  acumula, para nunca desfrutar, para nunca fazer a viagem que sempre sonhou. Quem puder jantar fora, que jante. Não é pecado entrar num restaurante. Pecado é não entrar. Mesmo que você viva sempre na escassez, há passatempos que não custam nada. Passeie. Leia. Ouça música. Converse. Coloque o trabalho no seu devido lugar.

4. Marta trabalhava muito (ainda bem!), mas ela não perguntou a Jesus o que Ele queria que ela fizesse. Na linguagem empresarial contemporânea, Marta não pergunta ao cliente qual era o seu desejo. Ela queria agradar ao chefe, mas não observou o que Ele não gostava, nem Lhe perguntou. Jesus queria pouco e Marta queria oferecer muito. Talvez Ele não quisesse comer e ela gastava tempo na cozinho. Talvez ele quisesse apenas descansar e ela lhe enxia de cuidados.
Acontece que queremos agradar a Deus pelo que é conosco e lhe fazemos uma série de coisas, sem lhe perguntar se o que estamos fazendo está bem para Ele.

3. A ESCOLHA CERTA DE MARIA
Maria entra na história em segundo plano. Só depois ela vem para a cena. Ela era apenas a irmã de Marta. Esta condição não a incomoda. Antes, ela tira partido desta situação. Ela fica em segundo plano sem dificuldades, e aproveita o máximo.
Esta humildade a capacitou para agir de modo correto naquela circunstância.
A resposta de Jesus também indica que há diferenças entre nós, numa mesma família até. Nem todos têm que reagir do mesmo modo. Às vezes, diante de uma perda (morte de alguém na família), uns familiares não fazem senão chorar, enquanto outros ficam em silêncio no seu canto. Quem sofre mais? Ambos! Apenas suas reações são diferentes porque eles são diferentes.

1. Maria soube estabelecer a adequada prioridade da vida.
Ela estava diante de Jesus. E diante de Jesus, o trabalho (a preparação da comida, a arrumação da casa, que eram as atividades naquele momento) podia esperar.
Naquela hora, a prioridade era ouvir os ensinos de Jesus Cristo. Aquele era um momento raro e tinha que ser desfrutado. Não é fácil estabelecer prioridades.
A maioria de nós tem dificuldades nesta área. Em geral, sequer pensamos que precisamos fixar prioridades, estabelecendo o que é muito importante, importante e pouco importante na vida. Vivemos sobrecarregados com a tirania da urgência.
Jesus ia ficar pouco tempo em sua casa. A hora era de ouvi-lo, porque aquela oportunidade jamais poderia voltar.
Dê prioridade a Jesus. Estude, mas não se esqueça que aprender dEle é o melhor conhecimento. Trabalhe, mas não se esqueça que o trabalho não pode afastar você dEle. Divirta-se, mas não se esqueça de levar Jesus junto, para que a alegria seja completa.

2. Maria entendeu que a vida não é feita só de coisas materiais.
Ao se colocar aos pés de Jesus, ao lado dos outros discípulos e como um deles, Maria entendeu a verdade ensinada ao seu povo desde tempos imemoriais: Não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca do Senhor viverá o homem (Deuteronômio 8.3).
É humana a tendência de pensar que, resolvidos os problemas de ordem material, estarão equacionados os problemas essenciais da vida. Sabemos que não. Sabemos até que uma solução chama outro problema. Maria não correu por esta tendência. Antes, percebeu que o sentido da vida é viver segundo a Palavra de Deus, dispondo-se ao encontro com o Transcendente.
Nosso mundo está embriagado de imanência. Tudo é humano, desmedidamente humano. Não há lugar para Deus. Não há tempo para Deus.
Enquanto as martas saltam de um lado para o outro, Deus não pode ser ouvido, nem vivido. Nosso mundo está carente do sentido da transcendência. Morremos e matamos por causa de dinheiro, quando deveríamos viver e fazer viver na presença de Deus.
Precisamos de mais Marias neste mundo. Deus quer falar, mas poucas Marias lhe querem ouvir. Veja quem tem sido você. Seja mais Maria e menos Marta.

3. Maria descobriu o valor da quietude espiritual.
Quietude espiritual — eis aí uma expressão estranha para nossa época, na qual não há lugar para a quietude. Somos todos Martas. Corremos, desde cedo, de um lado para o outro. De casa para a escola, da escola para casa, da escola para o curso de inglês, do curso de inglês para o curso de informática, do curso de informática para o treino esportivo. Adultos, corremos de casa para o trabalho, do trabalho para a faculdade, da faculdade para casa. Quando chega o fim-de-semana, inventamos algo bem agitado para fazer, porque afinal ninguém é de ferro.
Maria apenas se assentou aos pés de Jesus. Naquela época, em que não havia mesas e cadeiras, as pessoas se assentavam no chão para ouvir seus mestres, que também ficavam assentados no chão. Almofadas acondicionavam suas costas. Jesus ensinava e Maria ouvia. Deus falava e Maria escutava.
Não há como ouvirmos a voz de Deus, se não paramos. Maria parou para ouvir seu Mestre, que é o que devemos fazer também. Se religião é conexão, só permitimos que a conexão se estabeleça quando paramos de falar, quando paramos de correr, quando paramos de nos bastar a nós mesmos. Aprendamos com Maria que a graça de Deus é melhor que a vida (Salmo 63.3).

4. Maria ofereceu a Jesus o que Ele queria.
Jesus queria estar com os seus discípulos. Talvez lhes estivesse contando alguma parábola, recordando algum embate com os fariseus, repetindo algum conceito essencial.
Jesus tinha um senso de urgência em seu ministério, desenvolvido, como sabemos, em apenas três anos. Ele não queria perder tempo. Marta estava perdendo tempo com coisas que não eram importantes, pois essencial era a sua Palavra e isto Maria percebeu.
Ela ofereceu a Jesus o que Ele queria: sua companhia, seu ouvido, sua atenção, sua disposição em pôr sua vida ao Seu serviço. Sua virtude foi não fazer. Seu fazer foi o não-fazer!
Erramos por vezes oferecendo a Jesus o que Ele não quer. Ele, por vezes, pede o nosso louvor e nós achamos que O agradaremos se contribuirmos para a Sua causa por meio da Igreja. Ele, por vezes, pede a nossa contribuição financeira e nós achamos que O agradaremos se nos dedicarmos ao jejum.
Temos que ser as pessoas certas nas missões certas de Deus. Para tanto, temos que nos assentar aos Seus pés para ouvir qual é o seu desejo.

4. NOSSAS ATITUDES, ENTRE MARTA E MARIA
Entre Marta e Maria, façamos a escolha de Maria.

1. Deixemos de ser escravos das circunstâncias.
Marta se apavorou com a chegada de Jesus e não pôde desfrutar de Sua presença. Maria se alegrou com a novidade e transformou a tensão da chegada em alegria.
Também somos alcançados por circunstâncias imprevistas, que não podem nos escravizar. Antes, temos que partir delas, conviver com elas, transformá-las, sem medo, sem desespero.
Não permitamos que as circunstâncias nos controlem.

2. Deixemos de ser escravos do trabalho.
Marta não entendeu a verdadeira natureza do trabalho e se deixou dominar por ele. Maria entendeu, fez o pouco suficiente e dedicou o resto do tempo para a alegria de ouvir a Jesus.
Podemos imaginar o trabalho como tendo vida própria. Neste caso, ele é um senhor terrível. Quando mais dedicamos a ele nosso tempo, mais ele quer. O trabalho é “monoteísta” e não admite a concorrência do lazer, da alegria, da religião, da quietude espiritual.
Não permitamos que o trabalho nos escravize. Não se trata de um convite ao não-trabalho. Trata-se de colocar o trabalho no seu devido lugar, para que, por ele, nós possamos ter saúde emocional e celebrar o cuidado de Deus para conosco.

3. Transformemos nosso trabalho em um serviço a Deus.
Faça o seu trabalho como se trabalhasse para Deus, na importa a sua profissão.
Se você é uma secretária, seja uma secretária de Deus. Se você é um professor, seja um professor para Deus. Se você é um motorista, dirija para Deus. Se você é um cirurgião, opere para Deus.
Esta disposição mudará seu trabalho, mudará você, mudará seus colegas de trabalho. Se você respirar Deus, seus colegas vão respirar Deus.

4. Descubramos o prazer de servir a Deus.
Marta e Maria serviram a Deus. Há muitas Martas no Reino de Deus, fazendo para Deus mas sem prazer. Cada um de nós pode ser uma Maria no Reino de Deus, fazendo o trabalho dEle com alegria, com a alegria de servir. Aprendemos com Maria, que não há contradição entre o trabalho para Deus e o prazer em Deus.
Esta alegria vem da comunhão com Ele e invade tudo aquilo que fazemos, que passamos a fazer como se fizéssemos para Aquele em cuja presença estamos. Por isto, o melhor voluntariado é o voluntariado para Deus, pois sempre tem retorno, retorno espiritual.
Quem serve ao Senhor com alegria é abençoado por seu trabalho, não só pelo senso de utilidade, mas por ser inoculado com a alegria de Deus, que é a fonte da força do cristão. Afinal, como ensina John Piper, o sentido da vida é glorificar a Deus desfrutando de Sua presença para sempre.
Seja feliz no serviço do seu Rei.