No período de páscoa lembramo-nos de uma expressão que Jesus disse a Judas, um dos seus discípulos: “Amigo, a que vieste?” (Mt. 26.50). Mas como Jesus poderia chamar de amigo aquele que o vendera? Jesus devotava-lhe sim a sua amizade, sua fidelidade, seu amor. Mas na língua portuguesa há uma expressão idiomática que classificaria este Judas como “um amigo da onça”, um interesseiro, um traidor, um falso amigo.
Aquele homem chegava ao jardim como sendo realmente um amigo do Filho de Deus: Havia sido convidado para participar do grupo selecionado de homens que esteve na companhia de Jesus, com quem participara por três anos de muitas atividades especiais; havia participado recentemente, inclusive, de uma refeição com o Mestre, num encontro reservado; havia sido seu auxiliar, ocupando o cargo de tesoureiro. Por tudo isto, poderia achegar-se a ele num gesto amistoso, beijando-lhe.
Judas ouvira de Jesus lições sobre como ele reagiria quando insultado ou atacado em uma das faces e sabia que Jesus poderia amar até aos inimigos. Judas também conhecia a oposição a Jesus. Quantas vezes ouviu perguntas traiçoeiras, viu ciladas sendo armadas, pessoas que queriam veementemente a morte daquele enigmático amigo.
Transitando entre os dois grupos, estava o “amigo da onça”. Amigo do bolso, amigo do poder, amigo da fama. Sua visão mercantilista, traquejada em manusear dinheiro alheio, trabalhava silenciosamente em seu coração uma oportunidade para fazer valer sua avidez por uma benesse. Além do mais, frustrado como era, poderia estar ressentido por não ter gasto um possível dinheiro, derramado inutilmente ao seu ver, em forma de um vaso de perfume.
Então, são amigos da onça:
Os que apunhalam alguém pelas costas, tratando o seu preço, falando ou fazendo algo que o prejudique;
Os que desejam a todo custo ter vinte “moedas de pratas”, posição, prestígio em detrimento dos outros;
Os que, mesmo chamando alguém de “mestre”, nada querem aprender sobre o seu modo de viver ou respeitar sua maneira de ensinar;
Os que, convivendo diariamente, em projetos comuns ou em reuniões de rotina, estudam as “fragilidades” das posições do outro ou as forças das suas próprias oportunidades, para armar o alçapão da “fatalidade”.
Os que, mesmo dando um beijo diante de todos, têm no bolso o preço da traição e no coração os valores que regem a sua vida inútil.
Quantas vezes, com a aparência de humildade, de obediência aos preceitos regimentais, de valorização do todo, “amigos da onça” dão o seu beijo fatal.
Ainda bem que Jesus esteve em oração naquele lugar e ensinou a quem realmente quisesse ser seu amigo, a “obedecer os seus mandamentos” amorosos; ensinou que deveríamos fortalecer o espírito para permanecermos em pé diante desses “amigos”. Ainda bem que Jesus amparou com seu exemplo e resignação a todos os que um dia deveriam também “beber o cálice trazido pelo amigo da onça”. Ainda bem que, apesar da chegada do “beijoqueiro”, não faltarão os “que lançarão mão da sua espada”, o que mesmo sendo uma atitude impensada e não autorizada, refletirá que existem muitos outros, maioria até, que repudiam, abominam, irritam-se e não seguem o modelo do “amigo” que não se merece.
Um amigo de verdade morreu por nós e ensinou-nos a sermos amigos, irmãos.
(Nilson Godoy)