ACADEMIA DA ALMA 2 (Textos adicionais, 1 — A fé que faz diferença)

MENSAGEM 1
A FÉ QUE FAZ DIFERENÇA

Do ponto de vista tecnológico, especialmente nas áreas da comunicação, do transporte e da saúde, vivemos numa época maravilhosa. Podemos acompanhar os fatos, não importa onde estejam acontecendo, quase que em tempo real. Podemos viajar a velocidades bastante confortáveis, pagando preços convidativos. Podemos fazer transações financeiras sem sair de casa. Somos beneficiados com exames radiológicos capazes de diagnosticar com precisão as nossas enfermidades. Boa parte das pessoas, ao redor do mundo, também goza de liberdade individual, para ir e vir, pensar e falar.
Se descermos às trajetórias pessoais, veremos que a escassez de dinheiro e de saúde é a mesma. A maioria dos adultos de hoje talvez viva com mais saúde econômica e biológica do que em seu tempo de infância. Estamos sendo por isto mais felizes?
Na verdade, é raro encontrarmos alguém que diga que vive num tempo espetacular. Nossa visão de mundo e de vida tem sido dominada pelo medo, provocada pela insegurança no trabalho e na rua, num estado de crônica infelicidade, e pela percepção da desigualdade, evidenciada pela inexistência de oportunidades para expressivos segmentos de pessoas.
Não há nada de novo no território das frustrações. Nenhuma delas é nova. Os benefícios, estes, sim, são novos. Não devíamos estar entusiasmados? O crescente consumo de drogas, produtos que trazem algum grão de satisfação enquanto perduram os seus efeitos, mostra que o vazio predomina em muitas mentes e corações.
Falta a muita gente o prazer de viver. A muita gente falta felicidade, que pode ser definida simplesmente como gosto pela vida. Eis aí um gosto gasto, que muitos precisam resgatar. Não se trata de uma recuperação apenas da tranqüilidade, porque ser feliz (como escreveu o poeta T.S. Elliot) é estar tranqüilo, em direção ao que não é efêmero, ao que não é passageiro. Em outras palavras, somos felizes quando estamos quietos, mas caminhando em direção ao novo.

Precisamos recordar a sabedoria bíblica para o viver bem. Contra o dilúvio da secularidade, eu lhe quero lembrar o caminho divino para a felicidade, caminho que inclui recursos internos e externos de Deus. Os recursos internos são tipificados por Sua disposição em dar Sua própria vida para que tivéssemos vida transbordante. Neste sentido, felicidade é um estado de espírito que recebemos do Senhor de nossas histórias como um presente. Os recursos externos podem ser comparados a uma enciclopédia de sabedoria, disponível a todo tempo e com orientações precisas para todas as áreas e momentos de nossa peregrinação. Neste sentido, felicidade é um estado de espírito que se aprende a  ter e a desenvolver.
Para se obter (diretamente do próprio ser de Deus, a partir de um relacionamento com Ele) e para se desenvolver (provinda das fontes de sabedoria divina) a felicidade, há alguns passos a serem dados.

EM BUSCA DO SENTIDO
Este é um passo primordial. Sem ele, os outros não poderão ser dados. Ou melhor: quando ele não é dado, os outros são esforços inúteis. Dá-lo implica uma escolha, escolha que tem a ver com o seu lugar no mundo e na história. Você pode ficar com a palavra de um grande filósofo, mas pode ficar também com a Palavra do próprio Deus.
O admirável filósofo (e eu me refiro a Jean-Paul Sartre, o homem que mais entendeu o ser humano em meados do século 20) escreveu, desesperado:

"O que é o homem, para que o elétron se preocupe com ele?
O homem é apenas um grão no cosmos, abandonado pelas forças que o criaram.
Desasistido, desgovernado pela autoridade onisciente ou benevolente,
precisa defender-se sozinho,
e com ajuda de sua inteligência limitada encontrar seu caminho num universo indiferente".
SARTRE, J.P. Existencialismo e humanismo. Citado por CLARK, Kelly James. Quando a fé não é suficiente. Rio de Janeiro: Textus, 2001, p. 174.

O poeta da Bíblia canta, esperançoso:

O Senhor, Senhor nosso, quão magnífico em toda a terra é o teu nome!
Pois expuseste nos céus a tua majestade.
Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos,
e a lua e as estrelas que estabeleceste, [eu me pergunto]
"que é o homem, para que dele te lembres, e o filho do homem, para que o visites?"
No entanto, fizeste-o, por um pouco, menor do que Deus
e de glória e de honra o coroaste.
Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste.
O Senhor, Senhor nosso, quão magnífico em toda a terra é o teu nome!
(Salmo 8.1,3-6,9)

Sartre não está sozinho. Infelizmente com ele estão os muitos que não crêem, como o também filósofo Bertrand Russel, que também prefere crer no acaso da criação e no acaso da história, convencido que a origem do homem, "seu crescimento, suas esperanças e temores e crenças nada mais são do que o resultado da disposição acidental de átomos". Citado por CLARK, Kelly James. Quando a fé não é suficiente. Rio de Janeiro: Textus, 2001, p. 173.
O poeta bíblico também não está sozinho. Felizmente com ele estão todos aqueles que reconhecem, pela fé, que o universo foi formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem (Hebreus 11.3). Quem crê assim canta: Digno és, Senhor nosso e Deus nosso, de receber a glória e a honra e o poder; porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade existiram e foram criadas (Apocalipse 4.11).
Não crer é uma escolha, a escolha de ficar sozinho, como um amontoado de átomos, como ontem diziam alguns filósofos ou como um conjunto de genes, como hoje indicam os biólogos. Crer é uma escolha, a escolha de que Deus existe, que Ele nos criou, que Ele nos amou, demonstrando-o ao vir morar entre nós, por meio de Jesus Cristo, e que Ele ainda nos ama, mantendo permanentemente aberta a via de acesso a Ele.
Jesus inaugurou uma nova era, na qual homens e mulheres podem crer que podem ter acesso especial a Deus. Por meio da fé em Jesus, homens e mulheres podem ver a chegada do Reino de Deus à terra no passado e podem esperar a completude deste Reino no futuro. Quem faz esta escolha, a escolha da fé, experimenta um alvo nível de felicidade e confiança. FERGUSON, Harvie. Citado por McCLORY, Robert. History of happiness. Disponível em <www.uscatholic.org/2000/09/cov0009.htm>. Acessado em 1.6.2002)
E esta escolha, a escolha por Deus, que nos abre o acesso ao sentido da vida. O escritor Albert Camus encerrou seu magnífico ensaio "O mito de Sísifo" com uma pergunta: "Concluo que o sentido da vida é a mais urgente das perguntas. Como responder a ela?" Para ele, crer em Deus, e derivar dessa fé o sentido para vida, era absurdo. Diferentemente desta postura de "contumaz orgulho ou insanável desespero", BORGES, José Ferreira. O absurdo em Albert Camus; uma leitura de O Mito de Sísifo. Disponível em <http://zonanon.com/letras/ensai_2.html>. Acessado em 1.6.2002 o absurdo não é crer. O absurdo, o vazio, o sem-sentido é não crer nEle.
A vida tem um sentido, que é voltarmos, por meio da fé, para casa, para Deus, de onde nos afastamos. "A fé é um vislumbre, um momento de discernimento quando vemos nossa casa futura e nos comprometemos a completar a jornada antes do pôr do sol". CLARK, Kelly James. Quando a fé não é suficiente. Rio de Janeiro: Textus, 2001, p. 63. O verbo que abre o sentido da vida é um só: crer. E crer não é uma concordância de natureza racional, porque envolve toda a personalidade. "A fé é uma substância terrivelmente cáustica, um ácido que queima. Ela testa cada elemento de minha vida e da sociedade; não poupa nada. Leva-me a questionar inelutavelente todas as minhas certezas, minha moralidade, minhas crenças e diretrizes. Proíbe-me de dar uma importância máxima a qualquer expressão da atividade humana. (…) A fé não deixa nada intato. Se a minha fé não é da mesma espécie que a de Abraão, não é nada". ELLUL, Jacques. Fé viva: crença e dúvida num mundo perigoso. Citado por CLARK, Kelly James. Quando a fé não é suficiente. Rio de Janeiro: Textus, 2001, p. 50.

O ITINERÁRIO PARA A FÉ
É por isto que a fé não é para todos, frase que exige uma explicação: nem todos escolhem ter fé, embora Deus tenha escolhido a todos para crerem nele.

1. Tem fé quem ousa duvidar de suas certezas.
Quando eu olho para um agnóstico ou para um ateu, tenho o maior respeito. Recentemente, os jornais contaram a história de uma família em que todos são ateus. Inicialmente, não tiveram a coragem de assumir sua falta de fé e se afirmavam luteranos. Na esteira do crescente agnosticismo, inclusive no Brasil, eles saíram do armário da incredulidade e assumiram que não crêem que Deus existe.
Eu respeito, mas fico admirado: como podem todos ter tanta certeza? Eu uso a palavra "certeza" de propósito, porque ela indica crença. Em outras palavras, penso no ateísmo ou no agnosticismo como um tipo de fé. Para não crer de modo tão radical, uma pessoa precisa crer… Para não crer, uma pessoa tem que ignorar uma multidão de evidências contrárias. Não dá para não crer a não ser crendo. É o credo do não, mas é um credo.
O descrente pode chegar à fé a partir do instante em que começar a duvidar da sua certeza. Este passo demanda coragem. Muitos preferem se esconder atrás do comodismo de não duvidar de suas próprias verdades. Muitos temem se abrir para Deus, com vergonha de verem a obviedade do Seu amor. Muitos temem correr em direção a Deus, com preguiça de pesquisarem com honestidade de propósito. Estão satisfeitos com as suas verdades, e não querem outras, mesmo que entre elas haja uma — a transcendência se tornou imanência, vivendo entre nós e se deixando matar na cruz, tão somente por amor — que  pode trazer sentido a uma história universal e a uma trajetória pessoal sem sentido.
Ouse duvidar.

2. Tem fé quem tem a coragem de ser humilde.
A quem não tem fé, sugiro que olhe para os que crêem não como servos da irracionalidade, mas como humildes buscadores da verdade, como você, com a diferença de que eles escolheram crer, enquanto você optou por não crer. Quem crê merece respeito.
O humilde é aquele que faz todas perguntas. O arrogante é aquele que tem todas as respostas. O humilde olha para a amplidão do amor e do firmamento e se pergunta: quem fez tudo isto? O arrogante responde: ninguém; foi tudo obra do acaso. O humilde olha a perfeição do corpo humano e se pergunta: quem organizou tudo isto? O arrogante responde: ninguém; tudo o resultado de um longo processo de coincidências sem qualquer propósito definido. O humilde olha para a profundeza da alma humana e se pergunta: quem criou este mistério? O arrogante responde: a alma é uma auto-invenção humana.
Quem está mais perto da verdade? Quem responde ou quem pergunta? Certamente, é quem pergunta, é quem se admira, é quem se encanta, como o poeta da Bíblia:
Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos.
Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite.
Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som;
no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz,
e as suas palavras [são escutadas], até aos confins do mundo.
(Salmo 19.1-4a)
A fé está para os humildes como a incredulidade está para os arrogantes. Entre a incredulidade e a fé, prefiro a que traz felicidade: a fé.

3. Tem fé quem se livra de tudo (ou de qualquer coisa) que o afasta de Deus.
A razão não é o único inimigo da fé. "A fé em Deus custa tudo: tempo e bens, relações e engajamentos, nosso eu secreto, nossa vida mesmo. Mas o que Deus tira com a mão esquerda devolve com a mão direita. Ganhamos paz, paciência, bondade, descanso para nossa alma e felicidade eterna" CLARK, Kelly James. Quando a fé não é suficiente. Rio de Janeiro: Textus, 2001, p. 48. Jesus tanto sabia disso que, por seis vezes, os evangelhos repetem um de seus pensamentos fundamentais:

Quem achar a sua vida perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim achá-la-á. (Mateus 10.39)
Quem quiser salvar a sua vida por amor de mim perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á. ( Mateus 16.25)
Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim e do evangelho, salvá-la-á. (Marcos 8.35)
Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim, esse a salvará. (Lucas 9.24)
Qualquer que procurar preservar a sua vida, perdê-la-á, e qualquer que a perder, conservá-la-á. (Lucas 17.33)
Quem ama a sua vida, perdê-la-á; e quem neste mundo odeia a sua vida, guardá-la-á para a vida eterna. (João 12.25)

Este é o paradoxo da fé. É por isto que a fé é uma escolha radical. Para se experimentar a paz, para se obter paciência, para fruir bondade, para se alcançar descanso, para se receber felicidade, é preciso renunciar a toda e qualquer coisa que nos afasta de Quem (Deus) nos pode oferecer isto que buscamos. Só ganha a vida quem se dispõe a perdê-la. Crendo nAquele que perdeu a sua vida por nós é que ganhamos a vida que Ele nos dá.

3. Tem fé quem aceita que Deus o amou e ama.
Creia que Ele sacrificou por você Seu único filho. "Devemos crer como Abraão. O teste de crença para nós é como o teste de fé de Abraão". Para sermos cristãos, não precisamos matar nosso único filho, mas precisamos acreditar "que Deus sacrificou seu filho único". CLARK, Kelly James. Quando a fé não é suficiente. Rio de Janeiro: Textus, 2001, p. 59.
Diante dos traumas da rejeição humana, felicidade é saber-se aceito e querido por Deus. Mesmo que seu pai tenha rejeitado você, Deus o aceita e quer você de volta na Sua casa. Mesmo que seu pai ou avô ou tio tenha abusado (sexualmente, fisicamente, moralmente) de você, Deus ama você e quer a sua companhia respeitosa. Mesmo que seus pais não tenham feito outra coisa senão criticar você, Deus sabe o valor que você tem e Ele quer dizer isto para você. José do Egito se sabia amado por Deus, mesmo rejeitado por seus irmãos, mesmo achando ter sido abandonado pelo seu pai.
Deixe Deus amar você.

A DINÂMICA DA FÉ
Felicidade tem a ver com fé, mas fé viva.
Há muitos cristãos (ou seriam ex-cristãos, mesmo que dentro de igrejas?) que mantêm a fé, mas a fé da letra, não a fé do Espírito. São aqueles que não vivem mais segundo a Palavra, mas segundo suas próprias palavras. Estão neste grupo os que não vivem os valores morais de Cristo, mas também os que conservam esses valores, mas sem a vitalidade da vida em Cristo. Sua fé não traz felicidade, porque é experiência morta. Ela não lhe faz diferença no dia-a-dia. Se estas pessoas estão bem de vida, não erguem altares, como Abraão, ao Senhor, como reconhecimento que foi Ele quem fez. Se vão mal na vida, não conseguem tirar força para dar a volta por cima, para ter de volta a alegria de viver. É a fé dinâmica que mantém acesa a chama da alegria da vida.
Se a sua fé não torna você feliz, há algo errado, e não é com Deus; é com você e com a sua fé, porque Deus não muda. "Ele é a Rocha; suas obras são perfeitas, porque todos os seus caminhos são justos; Deus é fiel e sem iniqüidade; justo e reto é Ele (Deuteronômio 32.4).
Faça uma revisão na sua vida e chame Deus de novo para o centro da sua emoção, da sua razão, da sua visão do mundo, dos seus projetos.

Feliz é quem é guiado pelo Espírito Santo de Deus.
Há muito cristãos que se deixaram escravizar de novo, ou pelo pecado da desobediência ou pelo pecado do medo, da tristeza, da amargura, da intolerância, da falta de sentido. Segundo o apóstolo Paulo (Romanos 8.14-16), há muitos cristãos infelizes porque se esqueceram que todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Eles estão esquecidos que não receberam o espírito de escravidão, para viverem, outra vez, atemorizados. O sacrifício de Cristo na cruz nos tornou filhos de Deus. Este espírito de adoção nos leva a chamar a Deus de "Pai". Se o  evento da cruz nos parece um pouco distante, o Espírito Santo mesmo, quando permitimos que reine em nossa vida, nos recorda, segundo a segundo, que somos filhos de Deus.

CONCLUSÃO
Quem tem fé sabe que Deus está aperfeiçoando, para terminá-lo um dia, o trabalho que começou na grande história, por meio da vida-morte-ressurreição de Jesus, e na pequena história de cada um de nós, por meio do Seu Espírito (Filipenses 1.6).
Esta é a fé que faz diferença: aquela que nos leva a ter certeza que, sendo filhos de Deus, somos também herdeiros: herdeiros do Pai e co-herdeiros com Cristo (Romanos 8.17).

 

ISRAEL BELO DE AZEVEDO