O FÁCIL NÃO EXISTE
(Êxodo 13.17-22)
Seria perfeito se a vida fosse perfeita, mas não é. Bom seria que a vida se desse num terreno aparado para nós por Deus, mas não é; o terreno da vida é pedregoso. A vida é como ela é, não como gostaríamos que fosse. Bom seria nela só se cumprissem os propósitos de Deus, de bem e de paz para nós, mas a maldade também tem suas agências. Entre Gênesis 1 e Apocalipse 22, há Gênesis 3.
E o que Deus faz? Ele nos chama para reconstruir a vida como ela deve ser e, enquanto isto, nos ensina a viver.
Como ensina um provérbio francês, “a vida é uma cebola. Choramos quando a descascamos”. Por mais otimistas que sejamos, viver é perigoso, como nos ensina uma personagem do “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa (1908-1967).
Se quisermos dourar a vida, teremos, como sugeriu Arthur Schopenhauer (1788-1860), que nos basear mais na ficção e menos nos fatos. Talvez Sholom Aleichem (1859-1916) esteja com a razão, quando disse: “A vida é um sonho para os sábios, um jugo para os tolos, uma comédia para os ricos e uma tragédia para os pobres”.
A vida é território fértil para o pessimismo. Eugene O’Neill (1888-1953) pensou-a como “uma cela solitária cujas paredes são os espelhos”. Outro escritor, Jean Cocteau (1889-1963) foi ainda mais caustico: “A vida é uma queda horizontal”. Uma poetisa portuguesa, Florbela Espanca (1894-1930) não ficou longe em seu pessimismo, na vida e na poesia, quando escreveu: “A vida é sempre a mesma para todos: rede de ilusões e desenganos. O quadro é único, a moldura é que é diferente”.
Gostaríamos que fosse diferente, mas não é. Por esta razão, a ideologia dos meios de comunicação de massa nos garante, ao contrário, que tudo na vida é fácil, rápido e leve. Li um anúncio sobre computadores que dizia: “A história da sua vida pode ter a trilha que você quiser”. De fato, fazem sucesso os livros que dizem que podemos governar as nossas vidas pelo poder do pensamento, com o qual atraímos o sucesso. Na mesma toada, fazem sucesso as teologias que prometem vitória sobre vitória e proteção segura contra qualquer tipo de problema, até os do passado.
Independentemente de nossa perspectiva, para todos certo deve estar que viver é lutar. Como disse Machado de Assis (1839-1908), “a vida sem luta é um mar morto no centro do organismo universal”. Este é o território da realidade.
Como escreveu o poeta Francisco Otaviano (1825-1889),
“Quem passou pela vida em brancas nuvens
E em plácido repouso adormeceu,
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem, não foi homem.
Só passou pela vida… não viveu.”
Na verdade, falta a muitos de nós uma clara compreensão do que seja vida. Na verdade, nascemos para viver, mas não estamos preparados para esta tarefa, como ensinou Boris Pasternak (1890-1960). O problema, neste processo, como escreveu Benjamin Franklin (1706-1790), é que “ficamos velhos cedo demais e sábios tarde demais”.
Não há dúvida que “a vida é uma pedra de amolar: desgasta-nos ou afia-nos, conforme o metal de que somos feitos” (George Bernard Shaw, 1856-1950).
Estamos falando de amadurecimento. Naturalmente amadurecemos. Começamos a amadurecer quando nascemos. E só paramos, quando morremos. E não antes.
Com o tempo, não importam as pressões, amadurecemos. No entanto, as pressões aceleram o processo. Amadurecer é uma realidade da vida. Amadurecer é uma necessidade na vida. Não há dúvida, como brincou William Cowper (1731-1800), que “uma vida fácil é uma conquista difícil”.
Assim mesmo, não convivemos bem com a realidade do amadurecimento. Apesar do que ensinou Heródoto, de que é “nas regiões macias que nascem os homens moles”, estamos sempre buscando formas de proteção contra os agentes do amadurecimento. Nossos pais tendem a nos proteger para não sermos alcançados. As religiões buscam proteger seus fiéis oferecendo respostas, às vezes cômodas, para o sofrimento.
Precisamos, portanto, aprender a viver. E com quem queremos aprender?
Aquele que nos conhece perfeitamente porque nos projetou e desenvolveu quer nos ensinar a viver. Deus nos ensinar a amadurecer. A maturidade nos faz bem. A maturidade faz bem aos homens.
Nos 39 livros do Antigo Testamento, Deus discípula o povo que salvou e convocou para a construção de uma nova humanidade. A caminhada do povo de Israel foi, e assim pode ser vista, um programa de educação continuada. Acompanhando o itinerário deste povo, podemos melhor entender a forma de Deus discipular.
Em tom de brincadeira, poderia dizer que a pedagogia de Deus é construtivista, pois espera que os aprendizes construam seus conhecimentos e respeita a especificidade das etapas da vida. Brincaria ainda dizendo que a pedagogia de Deus é peripatética: Ele caminha com seus alunos. Arroubos à parte, a pedadogia de Deus é reverente, no sentido que respeita a liberdade humana sempre.
Há muitas histórias em que a pedagogia de Deus aparece por inteiro. Uma delas se dá no êxodo. A história é bem conhecida e não preciso recapitulá-la, que está sintetizada em Êxodo 13.17-22.
(17) Quando o faraó deixou sair o povo, Deus não o guiou pela rota da terra dos filisteus, embora este fosse o caminho mais curto, pois disse: “Se eles se defrontarem com a guerra, talvez se arrependam e voltem para o Egito”.
(18) Assim, Deus fez o povo dar a volta pelo deserto, seguindo o caminho que leva ao mar Vermelho. Os israelitas saíram do Egito preparados para lutar.
(19) Moisés levou os ossos de José, porque José havia feito os filhos de Israel prestarem um juramento, quando disse: “Deus certamente virá em auxílio de vocês; levem, então, os meus ossos daqui”.
(20) Os israelitas partiram de Sucote e acamparam em Etã, junto ao deserto.
(21) Durante o dia o Senhor ia adiante deles, numa coluna de nuvem, para guiá-los no caminho, e de noite, numa coluna de fogo, para iluminá-los, e assim podiam caminhar de dia e de noite. (22) A coluna de nuvem não se afastava do povo de dia, nem a coluna de fogo, de noite.
1. AS MALAS DE VIAGEM NÃO SÃO LEVES
“Quando o faraó deixou sair o povo” (verso 17a).
A história é o resultado da ação humana e também o resultado da ação divina. A humana é visível. A divina é invisível. Parte de nossas dificuldades na vida advém de uma clara visão da ação humana, quase sempre nublada de crueldades e erros, e uma visão embaçada da ação divina.
O texto diz: “Faraó deixou sair o povo”. Quantos viram Deus em ação? “Faraó deixou sair o povo”. Esta é a parte visível da história. Faraó o fez por causa das palavras e ações de Deus por meio de Moisés. Esta é a parte invisível.
Deus queria que o povo de Israel saísse, mas o povo não saiu de imediato. A vontade de Deus teve que vergar o pescoço do faraó.
Para sair, o povo teve que sair. E, para sair, o povo teve se preparar. As instruções são muitas (Êxodo 12.1-20): “Todo homem deverá separar um cordeiro ou um cabrito, para a sua família. (…) Passem, então, um pouco do sangue nas laterais e nas vigas superiores das portas das casas nas quais vocês comerão o animal. (…) Comerão a carne assada no fogo, com ervas amargas e pão sem fermento. (…) Ao comerem, estejam prontos para sair: cinto no lugar, sandálias nos pés e cajado na mão. Comam apressadamente.”
Não foi fácil para o povo sair. Moisés teve que falar ao Faraó. Moisés teve que agir, expondo-se, arriscando-se. O povo teve que fazer a sua parte, agindo, expondo-se, arriscando-se, machucando-se. Depois de preparado, o povo teve que marchar, carregando crianças, velhas. Teve que se mudar, levando objetos, alimentos e suas próprias tendas. Eles não pularam do Egito para Canaã. Tiveram que caminhar até lá. Só existe pó de pirlimpimpim nas histórias de Monteiro Lobato. As malas de viagem só são leves nas novelas.
2. CAMINHAR TEM UM PREÇO.
“Deus não guiou [o povo] pela rota da terra dos filisteus [que era] o caminho mais curto” (verso 17b), mas pelo “caminho que leva ao mar Vermelho” (verso 18).
Se tomarmos um mapa e mirarmos Israel, veremos que os hebreus estavam a oeste, no Egito. Para chegar até Canaã (hoje Israel), deveriam margear o Mediterrâneo, mais ao norte, passando pela terra dos filisteus (hoje Faixa de Gaza), numa distância de 600 quilômetros aproximadamente.
No entanto, Deus o conduziu por outra rota, mais ao sul, numa das fraldas do mar Vermelho. A rota escolhida era mais distante, de modo que evitassem passar pela região habitada pelos filisteus, muito mais desenvolvidos tecnológica e comercialmente. Suas cidades (eram cinco) eram bem organizadas para os padrões da época. Eles muito capazes para a guerra, porque, nessa época, já dominavam a metalurgia e a navegação, habilidades que os hebreus não tinham. Os instrumentos filisteus para a guerra tornavam-nos muito superiores belicamente aos nômades descendentes de Jacó.
Quando se encontrassem, os hebreus teriam dificuldade para passar por suas cidades e para enfrentar suas máquinas de guerra. Humanamente falando, teriam que voltar para o Egito. Foi por isto que Deus lhes desviou a rota.
Imagino que poucos entenderam. Por que e para que seguir pelo caminho mais difícil?
O caminho mais difícil era mais longo e tinha um mar, não à esquerda ou à direita, mas à frente. A rota acabava dentro do mar. Por que, então, aquela rota? Eles só entenderiam quando Deus, que escolheu a rota, fez o mar se abrir para que passassem a seco.
“Deus não guiou [o povo] pela rota da terra dos filisteus [que era] o caminho mais curto”, mas pelo “caminho que leva ao mar Vermelho”. — Eis o que lemos, para aprender que Deus nos guia, mas a caminhada é nossa.
Ele indica o caminho e nós escolhemos seguir o seu caminho ou o nosso. Escolher a Deus tem preço e glória. Escolher o nosso caminho tem apenas preço.
A distância da rota proposta por Deus varia conforme a nossa capacidade. Se nossa capacidade para enfrentar as dificuldades é pequena, Deus nos conduz por rotas que nos aperfeiçoam. Vemos o seu poder em ação na hora da nossa fraqueza (2Coríntios 12.9). O caminho precisa ser percorrido. Neste caminho há obstáculos, que Deus às vezes remove (Ele não enxugou o mar?) e às vezes não remove (Jó não perdeu tudo, embora fosse um homem de oração?). Aplainando o nosso caminho ou não, ele nos ensina a seguir por ele até Canaã.
A distância da rota proposta por Deus varia conforme a nossa fé. Se nossa fé nEle é pequena, Deus nos conduz por rotas que nos fortalecem. Vemos o seu poder em ação na hora da nossa fragilidade. A um Pedro titubeante, ele repreendeu, para que aprendesse a ter fé; a um Pedro naufragando, Ele segurou pela mão, para que aprendesse a ter fé. Cantando ou chorando, desenvolvemos a nossa fé quando somos provados. O tamanho de nossa fé tem a ver com o tamanho de nossa provação. Queremos aumentar a nossa fé (não é assim que oramos?) e, ao mesmo tempo, queremos as provações passem ao largo de nós. Só o pacote inteiro (fé e provação) nos torna crentes.
3. NEM SEMPRE O DESERTO PODE SER EVITADO.
“Os israelitas partiram de Sucote e acamparam em Etã, junto ao deserto” (verso 20).
A rota da liberdade incluía a tragédia do deserto. Não dava para acampar em Etã, sem que se partisse de Sucote.
Não dá para fugir de uma prisão, sem que se cave longamente um túnel insalubre, incerto e inseguro.
Não dá para escapar de uma embarcação, sem que se enfrente as ondas do mar e as embarcações da polícia marítima.
Não dá para sair de um oásis, sem que se caminhe pelo deserto, onde o sol é inclemente, o vento é cortante e a areia é paralisante.
Sobre a vida no deserto o faraó Seti I (c. 1306 a 1290), talvez um contemporâneo de Moisés, escreveu: “Como é penoso o caminho que não tem água! Como se poderá caminhar por ele quando a garganta está seca? Quem extinguirá a sua sede? A terra está longe. O deserto é largo. O homem que tem sede no cimo das colinas, lamenta-se”.
Não dá para evitar o deserto?
Daria, se não precisássemos aprender a atravessá-lo. O problema é que a vida é dura.
A vida é dura por causa de nossos corpos que não resistem às bactérias e vírus.
A vida é dura por causa de nossas heranças, sejam elas genéticas, patrimoniais ou psicológicas.
A vida é dura por causa de nossas escolhas, especialmente as erradas.
A vida é dura por causa das escolhas dos outros, especialmente aquelas que nos alcançam.
A vida é dura por causa de nossos pecados, especialmente aqueles cujas conseqüências conhecemos.
A vida é dura por causa dos pecados dos outros, especialmente aqueles que se traduzem em criminalidade, corrupção e crueldade.
Por que a vida é dura, o deserto é necessário. Por isto, Deus leva seu povo para o deserto, mesmo sob protesto. Vendo o que Deus fez, penso nos pais, naqueles que amedrontam seus filhos e evitam que vivam, naqueles que protegem seus filhos, dourando-lhes a vida, e a vida não é dourada.
Penso naqueles que se sentem abandonados porque Deus os levou ao deserto. Não se ache abandonado. Deus não julga o verbo “abandonar”.
Não se pergunte porque foi para o deserto. Ocupe-se em como sair de lá. É isto que importa: o que importa é como você vai sair de lá.
A informação de que o povo acampou junto ao deserto deixa a impressão que foi colocado ali para olhar o deserto além. O povo foi colocado ali para contemplar o deserto e ver o que ainda se lhe aguardava.
O povo foi colocado ali para escutar o tropel das tropas de elite do arrependido e furioso faraó, que levantavam poeira.
O povo foi colocado ali para fazer uma escolha: as pessoas podiam se dispersar, sobrevivendo uns, morrendo outros, ou ficar firme, marchando, mas sabendo que a rota terminava não em lugar nenhum, mas dentro do mar Vermelho.
O povo foi colocado ali para parar de correr. É como se Deus lhe dissesse: o mais rápido não é o melhor. Nem sempre a pressa é a melhor atitude. O tempo da quietude, de estar assentado, é um tempo necessário. Só na quietude entendemos a nós mesmos e vemos Quem Deus é. Para dar um passo, precisamos estar preparados. “Queremos um emprego; queremos um casamento; queremos uma família. Mas o passo seguinte não acontece. Talvez se Deus nos permitisse dar o próximo passo, seria um desastre, assim como o seria para os israelitas. Deus sabe quando estamos prontos”. [GRANT, Scott. The Lord leads us to see his salvation. Disponível em <http://www.pbc.org/library/files/html/exo013.html>.] Eis o que Deus nos ensina no deserto.
4. DEUS FAZ O CAMINHO CONOSCO.
“Moisés levou os ossos de José, porque José havia feito os filhos de Israel prestarem um juramento, quando disse: `Deus certamente virá em auxílio de vocês; levem, então, os meus ossos daqui’. (…) Durante o dia o Senhor ia adiante deles, numa coluna de nuvem, para guiá-los no caminho, e de noite, numa coluna de fogo, para iluminá-los, e assim podiam caminhar de dia e de noite. A coluna de nuvem não se afastava do povo de dia, nem a coluna de fogo, de noite” (versos 19, 21, 22).
Voltemos a Gênesis, onde lemos: “Antes de morrer José disse a seus irmãos: `Estou à beira da morte. Mas Deus certamente virá em auxílio de vocês e os tirará desta terra, levando-os para a terra que prometeu com juramento a Abraão, a Isaque e a Jacó’. E José fez que os filhos de Israel lhe prestassem um juramento, dizendo-lhes: `Quando Deus intervier em favor de vocês, levem os meus ossos daqui’. Morreu José com a idade de 110 anos. E, depois de embalsamado, foi colocado num sarcófago no Egito” (Gênesis 50.24-26).
Quatro séculos se passaram até que Deus interviesse. Quando o desejo de José se concretizou, Moisés, o líder do povo, tomou os seus restos mortais embalsamados e os transportou para a terra da promessa.
Não sabemos onde esteve o sarcófago durante todo este tempo. Sabemos que foi resgatado e levado em direção ao Canaã. Este cadáver era a prova de que a fé deve resistir ao tempo e as dificuldades, por mais duras que sejam. Este cadáver era uma evidência viva (como um retrato na parede) de que Deus cumpre suas promessas. A fé nutrida por José o abençoou em vida e abençoou seus descendentes. A fé firme de uma pessoa exerce impacto sobre pessoas mesmo depois de sua morte. Como Abel, José era um morto que, por causa de sua fé, ainda falava (Hebreus 11.4).
Há uma conexão clara entre os versos 19 e 21. O Deus que guia o povo pelo deserto é o mesmo Deus que guiou José pelos desertos simbólicos que enfrentou: o poço onde foi lançado pelos seus irmãos, na intenção de o matar; a viagem que fez como escravo ao Egito, bem longe de casa; sua venda aos egípcios; sua fuga da casa de Potifar para não pecar; sua prisão, embora fosse inocente; seu esquecimento por parte de quem ajudara; a saudade de sua família e de sua gente.
O Deus que guia o povo pelo deserto é o mesmo Deus que fez José sair do deserto, forte e fortalecido. O Deus que guia o povo pelo deserto é o mesmo Deus que ouve a oração de José quatro séculos depois de sua oração.
Quando transportou o sarcófago de José, Moisés estava gritando, com seu gesto obediente: “Deus está conosco”. Philip Yancey escreveu que “o relacionamento com Deus não promete o livramento sobrenatural das dificuldades, mas o uso sobrenatural delas”. [YANCEY, Philip. O Deus (in)visível. São Paulo: Vida, 2005, p. 275.] Prefiro dizer que o relacionamento com Deus pode até não produzir o livramento sobrenatural das dificuldades, mas, com certeza, inclui o uso sobrenatural destas dificuldades para o nosso crescimento.
Nossa vida se dá em meio a um terreno pedregoso, que Deus não ara antes de o trilharmos. Mas Ele o trilha conosco.
Os versos 21 e 22 nos falam de uma realidade que é o sonho de todo crente: “Durante o dia o Senhor ia adiante deles, numa coluna de nuvem, para guiá-los no caminho, e de noite, numa coluna de fogo, para iluminá-los, e assim podiam caminhar de dia e de noite. A coluna de nuvem não se afastava do povo de dia, nem a coluna de fogo, de noite”.
A experiência ficou para sempre na memória dos hebreus.
Quando o exército do faraó se aproximou para o ataque, pensado como fulminante e definitivo, “no fim da madrugada, do alto da coluna de fogo e de nuvem, o Senhor viu o exército dos egípcios e o pôs em confusão” (Êxodo 14.24).
Em uma dramática oração em que pede por livramento, Moisés recorda: “Moisés disse ao Senhor: Então os egípcios ouvirão que pelo teu poder fizeste este povo sair dentre eles e falarão disso aos habitantes desta terra. Eles ouviram que tu, oh Senhor, estás com este povo e que te vêem face a face, Senhor, e que a tua nuvem paira sobre eles, e que vais adiante deles numa coluna de nuvem de dia e numa coluna de fogo de noite. Se exterminares este povo, as nações que ouvirem falar do que fizeste dirão: ‘O Senhor não conseguiu levar esse povo à terra que lhes prometeu em juramento; por isso os matou no deserto’” (Números 14.13-16)
Quando se despede do seu povo, Moisés ensina: “Também no deserto vocês viram como o Senhor, o seu Deus, os carregou, como um pai carrega seu filho, por todo o caminho que percorreram até chegarem a este lugar. Apesar disso, vocês não confiaram no Senhor, o seu Deus, que foi à frente de vocês, numa coluna de fogo de noite e numa nuvem de dia, procurando lugares para vocês acamparem e mostrando-lhes o caminho que deviam seguir” (Deuteronômio 1.31-33).
O salmista tinha a mesma certeza: “Deus os guiou com a nuvem de dia e com a luz do fogo de noite” (Salmo 78.14).
Quase um milênio depois de Moisés, Neemias ora, tendo em mente o que Deus fez aos israelitas no êxodo: “Tu os conduziste de dia com uma nuvem e de noite com uma coluna de fogo, para iluminar o caminho que tinham que percorrer. (…) Foi por tua grande compaixão que não os abandonaste no deserto. De dia a nuvem não deixava de guiá-los em seu caminho, nem de noite a coluna de fogo deixava de brilhar sobre o caminho que deviam percorrer” (Neemias 9.12,19).
Isto foi no passado, objetarão alguns. Deus não sinaliza mais o caminho do seu povo com colunas de fogo de nuvem.
Ainda bem, respondo eu. Deus não mudou, mas nós mudamos. Não precisamos mais deste tipo de orientação, mas precisamos da orientação de Deus, só que em outra linguagem. O que a Bíblia diz é que os que são nascidos de Deus são guiados por Ele.
Deus nos guia de modo real, mas sua linguagem trafega hoje por outros conduítes.
As colunas de fogo e de nuvem de Deus hoje são diferentes hoje. Mas ainda podem ser vistas.
As colunas de fogo e de nuvem de Deus hoje são vistas (não foi assim com Elias?) não como vento fortíssimo, nem como terremoto vigoroso, nem como fogo consumidor, mas como “murmúrio de uma brisa suave” (1Reis 1911-13) a nos soprar a graça de Deus porque alguém está orando por nós.
As colunas de fogo e de nuvem de Deus hoje podem ser vistas nas páginas da Bíblia, onde somos ensinados a como viver, estejam os nossos pés nos vales da sombra da morte ou nas alturas da montanha.
As colunas de fogo e de nuvem de Deus hoje brilham, quando, não havendo mais recursos de humana solução, Deus providencia os recursos, como providenciou o cordeiro para que, na última hora, Isaque não tivesse que ser sacrificado.
As colunas de fogo e de nuvem de Deus hoje são vistas quando nossos corações choram e agem como bons samaritanos que vêem os miseráveis deixados à morte pela violência, pelo vício ou pela fome.
As colunas de fogo e de nuvem de Deus hoje se mostram quando somos cheios de toda alegria e paz, por nossa confiança nele, para que transbordemos de esperança, pelo poder do Espírito Santo (Romanos 15.13). As colunas de fogo e de nuvem de Deus hoje se mostram quando Sua paz, “que excede todo o entendimento, guarda nossos corações e mentes em Cristo Jesus” (Filipenses 4.7). As colunas de fogo e de nuvem de Deus hoje ficam evidentes quando a paz de Cristo é o juiz em nossos corações, de modo que podemos viver em paz uns com os outros, apesar de nossas diferenças (Colossenses 3.15).
São muitas as colunas de nuvem e de fogo adiante de nós. São muito os sinais da presença de Deus para conosco todos os dias.
Ele sinaliza sua presença quando nos prepara para a luta.
Ele sinaliza sua presença quando permite que sejamos afiados pelo ferro.
Ele sinaliza sua presença quando evita que trafeguemos pela terra dos filisteus.
Ele sinaliza sua presença quando nos livra das dificuldades e quando não nos livra.
Ele sinaliza sua presença quando nos põe em marcha, seja nos oásis, seja nos desertos.
Ele sinaliza sua presença quando nos põe em marcha, seja nos oásis, seja nos desertos.
Ele sinaliza sua presença quando nos manda para o deserto e nos deixa lá por um tempo.
Ele sinaliza sua presença quando nos sopra ao coração como discernir o certo do errado.
Ele sinaliza sua presença quando nos dá força para vida, embora já não tenhamos nenhuma.
Ele sinaliza sua presença quando evita que enfrentemos dificuldades maiores do que as que podemos enfrentar.
Ele sinaliza sua presença quando nos ensina a viver num mundo hostil que nos diz que melhor é o fácil, o rápido e o forte, para que não acreditamos é melhor o fácil, o rápido e o forte .
ISRAEL BELO DE AZEVEDO