DITOS DE SABEDORIA DE JESUS, 1
Mateus 9.16: Sabedoria de se deixar mudar
“Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, pois o remendo forçará a roupa, tornando pior o rasgo” (Mateus 9.16).
1. Jesus não era pano novo em tecido velho
A vinda de Jesus foi uma ruptura radical. O Filho de Deus nasceu como filho de um homem e uma mulher, no qual não há nada de novo, com a variável que não tiveram contato sexual, o que é totalmente novo. O Rei não nasceu como Rei, tendo sido dado à luz em condições precárias e longe, muito longe, dos palácios; hoje diríamos que nasceu num táxi a caminho da maternidade. Ele não era pano novo em tecido velho.
Ao seu tempo, a vida política era governada por Roma, mas ele não fez aliança com o Império. Quando ameaçado de morte por um representante do governo romano, mandou-lhe um enigmático recado, de quem não contemporizava: “Vão dizer àquela raposa: `Expulsarei demônios e curarei o povo hoje e amanhã, e no terceiro dia estarei pronto'” (Lucas 13.32). O roteiro de sua vida não era dado pelos dirigentes da época, por mais poderosos que se achassem. Ele não era pano novo em tecido velho.
Quando foi interrogado por um representante de Roma, ficou em silêncio, num gesto de ruptura entre o seu reino, totalmente espiritual, e o império vigente, totalmente baseado na força. Como os fins não justificam os meios, Ele não procurou salvar a sua própria pele. Ele não era pano novo em tecido velho.
Nos termos humanos, seu tempo aqui foi perdido, porque ele acabou traído e assassinado. Se quisesse vencer nos termos humanos, agindo segundo o modo humano de fazer as coisas, inclusive a política, teria que se compor com os partidos religiosos de sua época, especialmente com os fariseus, que dominavam todas as cenas. Se quisesse vencer nos termos humanos, teria que se compor com os governantes, pregando, ensinando e curando nos palácios, o que poderia fazer se fechasse os olhos para a imoralidade, a hipocrisia e a corrupção dos palácios; se o fizesse, teria um quarto nos palácios, mas ele preferiu seguir, em grande parte de sua atuação, como um maltrapilho que não tinha lugar certo para dormir a cada noite. Ele não era pano novo em tecido velho.
As circunstâncias do seu nascimento indicam a natureza diferente (vale dizer: a natureza divina) de sua vi(n)da. Os pastores foram avisados de seu nascimento em Belém por um coro de anjos, o que jamais ocorreu com qualquer ser humano. Os magos foram levados até a casa provisória dos seus pais conduzidos por uma estrela, e as estrelas, nós sabemos, não se movimentam desse modo. Quando de volta para casa dos seus pais em Nazaré, o caminho foi outro, por causa do aviso divino que receberam. Ele não era pano novo em tecido velho.
Foi no Natal, quando chegou a plenitude dos tempos, que “Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da Lei, a fim de redimir os que estavam sob a Lei, para que recebêssemos a adoção de filhos. E, porque vocês são filhos, Deus enviou o Espírito de seu Filho ao coração de vocês, e ele clama: `Aba, Pai’. Assim, você já não é mais escravo, mas filho; e, por ser filho, Deus também o tornou herdeiro” (Gálatas 4.4-7).
2. A graça é oferecida de graça para ser recebida como graça.
Jesus pregou o Reino de Deus. Jesus pregou que Deus é o Rei. Jesus pregou que Deus é o Senhor. Jesus pregou que o Reino de Deus está se realizando porque já chegou.
A face visível do Reino de Deus é a graça de Deus, manifestada na palavra e na vida de Jesus.
A graça de Deus, trazida e vivida por Jesus, da manjedoura à cruz, do batismo à ressurreição, da comunhão com seus seguidores até à partida na ascensão, é algo novo. A graça não é pano novo em tecido velho. A graça não é remendo.
Recebi, um dia destes, uma peça publicitária em casa. Acima de uma foto de um cabo coaxial, usado para conexão de tevês a cabo, vinha a chamada: “remendar é fácil”. Sobre o cabo, havia uma imagem simulando um remendo com algum tipo de cola preta. Aberta a peça, vinha a informação completa, acima de um cabo coaxial ainda maior: “Remendar não é com a [nome da empresa]. A gente faz questão de crescer do jeito que é certo e não do jeito que é fácil”. (Cf. anúncio da empresa Net, enviado pelo correio na última semana de novembro de 2007.)
Remendar é fácil, mas não resolve. O remendo se arrebenta e é preciso outro. A Lei era o remendo e foi substituída pela graça, definitiva. A graça não é uma conquista, obtida com muita luta, feita dos remendos dos ritos e merecimentos. Segundo o velho tecido, o tecido da lei, os bons recebem o prêmio da salvação. Segundo o novo tecido, o tecido da graça, os maus são justificados e tornados bons depois de terem recebido o prêmio da salvação. Na lei, a recompensa vem depois. Na graça, ela vem antes.
O legalismo não deu certo, mas ainda seduz. Mesmo quem já foi alcançado pela graça recebe os seus convites e tende a aceitá-los. Por isto, Jesus ensina: não ponham o pano velho do legalismo sobre o tecido novo da graça.
A pressão é maior na escassez. por que, por exemplo, nos acontecem certas coisas? por que nossos filhos ou cônjuges ou pais não trilham o mesmo caminho que nós trilhamos? por que os casamentos terminam? por que as doenças consomem os corpos? por que crianças dormem nas ruas? por que velhos apodrecem nas estradas? por que os poderes se apoderam dos pobres? O legalismo responde: tudo tem que ter uma explicação; coisas ruins acontecem porque alguém errou e precisa ser punido; o legalismo insiste: desista de lutar por seu filho ou por seu cônjuge ou por seu pai, porque pau que nasce torto nunca se endireita; o legalismo prega: quem sofre fez alguma coisa por merecer, que um dia saberemos; o legalismo garante: faça a sua parte, que tudo vai se resolver. O legalismo tem a fórmula: violência se responde com violência, e tome gritaria, pancadaria e correria: ofensa se paga com ofensa mais forte, cara feia com cara ainda mais feia, palavra dura com palavra muito mais dura, desdém com igual desdém, soco com faca, faca com bala, bala com bomba. O pano velho é quadrado e quadriculado.
A graça sussurra outros convites. Todos somos responsáveis por nossos atos e o melhor deles é aceitar a graça, que é oferecida de graça para ser recebida como graça, não como força e pela força; podemos ser acometidos de doenças e decepções, mas não estamos sozinhos: Aquele que mais sofreu e era justo está conosco para tornar nossa caminhada mais suave e segura, não porque mereçamos mas porque precisamos. O tecido novo tem muitas dimensões e cores. Nunca devemos desistir dos nossos queridos ou de nós mesmos, porque isto é desistir da graça e nunca sabemos o que ela pode fazer, porque tem feito, e nossas histórias o sabem. Por causa do pecado, não há justiça: nem sempre os prêmios humanos correspondem às humanas ações; no reino de Deus, contudo, o prêmio vem primeiro, para que ninguém se orgulhe. Estranho? É tecido novo, cujas qualidades precisamos desbravar, enquanto “gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação celestial, porque, estando vestidos, não seremos encontrados nus. Pois, enquanto estamos nesta casa, gememos e nos angustiamos, porque não queremos ser despidos, mas revestidos da nossa habitação celestial, para que aquilo que é mortal seja absorvido pela vida. Foi Deus que nos preparou para esse propósito, dando-nos o Espírito como garantia do que está por vir. Portanto, temos sempre confiança e sabemos que, enquanto estamos no corpo, estamos longe do Senhor. Porque vivemos por fé, e não pelo que vemos” (2Coríntios 5.3-7).
3. A novidade de vida é um processo.
Graça não é remendo. Na vida, por nós mesmos, o máximo que podemos fazer é remendar. E muitas vezes, nossos remendos são piores
Éramos lindos sonetos (Efésios 2.10), mas fomos despedaçados pela queda. Não adianta emendar a obra. Tem que ser refeita.
Conta-se que o poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) foi procurado por um poeta que lhe entregou um soneto com pedido que o lesse e o corrigisse. No dia seguinte, o aprendiz procurou o poeta, que lhe respondeu, que não fez qualquer reparo, uma vez que o poema era tão ruim, que a emenda ficaria pior que o soneto. Como o soneto submetido ao poeta, somos sonetos que precisam ser escritos. A graça faz isto.
Graça é tecido novo; é vida nova, que não depende de nós.
Se a salvação dependesse de nós, seria feita com cacos de barro, formando vasos cheios de rachaduras. Se a salvação dependesse de nós; seria como um vestido ou uma camisa cheia de remendos à vista. Se a salvação dependesse de nós seria uma ponte de safena para o nosso coração. Salvação dependendo de nós é pano velho.
A salvação não depende de nós. É vaso, feito de barro, mas vaso completo. É vestido novo, camisa nova, inconsútil (sem costura à vista), feito de pano novo, tecido pelo Espírito Santo de Deus. (Difícil entender? Nicodemos teve dificuldade também de entender tão grande salvação). Não é ponte de safena ou mamária, que tem prazo de validade; é transplante; é coração novo, dado pelo Espírito de Deus. É músculo novo, onde não havia mais vida; é veia nova, que antes estava rachada; é osso novo, que antes estava ressecado e virando pó. Porque não depende nós, essa tão grande salvação é tecido novo. É obra completa porque não é feito por nós, embora feita em nós.
Somos, portanto, revestidos do novo. Como nos ensina o apóstolo Paulo, “quanto à antiga maneira de viver, fomos ensinados a despir-se do velho homem, que se corrompe por desejos enganosos, a sermos renovados no modo de pensar e a nos revestirmos do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade provenientes da verdade” (Efésios 4.22-24, modificados).
Ser revestido é particípio passado e gerúndio, ao mesmo tempo. Fomos revestidos. Ponto. O copo foi cheio. Ponto.
Estamos sendo revestidos. O copo continua sendo cheio. A água vem de cima. É graça. Somos o copo que recebe vida, vida e vida.
Precisamos manter o copo limpo para que a água limpa e pura que vem da Fonte circule com liberdade e seja vista de fora com toda a sua divina translucidez.
A novidade de vida é um processo. E muitos cristãos perdem a alegria da graça por não entenderem a sua dinâmica. Acabam se deixando enganar, comprando gato por lebre. Acabam se contentando com vidas de faz-de-conta e não vidas de verdade. Uns de deixam reescravizar pelo legalismo, numa negação completa da graça; outros se deixam reescravizar pelos instintos, também numa negação completa da graça. Quando agem assim, procuram consertar suas vidas com remendo, em lugar de deixarem se vestir do novo, que produz nele o desejo de viver segundo a vontade de Deus. O que distingue um cristão de um não cristão é o desejo do cristão de ser guiado pela vontade de Deus. É por isto que a salvação é uma revolução, não uma reforma. A reforma é feita de conchavos e mudanças parciais. A salvação, porque é feita por Deus, é completa, com mudanças completas, mesmo que acontecendo aos poucos, mas sempre por meio da experiência do discipulado, a arte de sermos moldados pela mente de Cristo dia após dia. Ah que maravilha.
4. O Natal de Jesus Cristo é Deus nos criando de novo.
Há dois jeitos de se fazerem as coisas: o jeito dos homens e o jeito de Deus.
O jeito dos homens pode ser comparado aos processos de paz. Primeiro, a partes se armam, para anularem o poder bélico do outro. Depois, firmam acordos de paz. Seria comigo se não fosse trágico.
O jeito de Deus é oferecer a paz, sem condições prévias. Jesus veio porque seria aceito. Jesus veio, para nos dar a paz de Deus.
O jeito dos homens é colocar pano novo em tecido velho. O jeito de Deus é substituir o tecido velho por tecido novo.
O jeito dos homens é criar regras. O jeito de Deus é nos inundar com a Sua graça.
O jeito dos homens é servir a dois senhores (tecidos velhos e tecidos novos se misturando, num tremendo conflito de interesses). O jeito de Deus é nos propor uma vida radical de obediência e dependência a um só Senhor, Ele mesmo, para que haja transbordância de vida.
O jeito dos homens é consertar. O jeito de Deus é fazer de novo. (Não importa como vá a vida de alguém, Deus pode reconstruí-la, pois foi o autor original e continua escrevendo Sua obra, que somos nós.)
O Natal de Jesus Cristo é Deus nos criando de novo, usando como molde não mais um boneco de barro mas seu próprio Filho Jesus Cristo, morto por nós, vivo para nós.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO