Eu e o Deus que sente saudades (Carlos Magalhães)

 

Oh, pedaço de mim Oh, metade afastada de mim Leva o teu olhar Que a saudade é o pior tormento É pior do que o esquecimento É pior do que se entrevar (Chico Buarque) A depressão é a doença do século. E estamos em um século interessante, diga-se de passagem. Pode ser que se estivéssemos no século 14, quando a Peste Negra era a doença da moda, todos nós nos sentiríamos piores. Mas acho que eu trocaria a depressão pela peste. Eu trocaria depressão por quase tudo.
Depressão é um acidente geográfico. É uma área cuja altitude é mais baixa do que o terreno à sua volta. E eu aposto muita coisa que a depressão doença é alusão a depressão geográfica. Quando a gente se deprime o mundo fica lá em cima, as coisas se tornam altas e distantes pelo simples motivo que, agora, você se encontra abaixo de tudo à sua volta.
As coisas se tornam distantes. As pessoas se tornam distantes. Os amores se tornam impossíveis. Os sonhos te escapam. Os castelos ruem. A vida está tão longe que ela parece pequena… tão pequena que você daria tudo para tê-la nas mãos e esmagá-la entre as linhas de sua palma.
Foi quando eu descobri que toda a depressão do mundo tem a ver com isso. E toda depressão do mundo é a minha depressão, desculpe. A depressão aumenta as distâncias. Depressão é a alma com saudades. A depressão é a doença do homem só. O homem e a sua saudade.
Então eu olhei para Deus.
O Deus Todo Poderoso. O Deus que costumamos exaltar com todos os tipos de expressões de louvor, o Deus que gostamos de chamar de Leão da Tribo, Senhor dos Exércitos, Grande Eu Sou, Temor de Isaque, é Deus que se deprime.
Certo dia Deus, como fazia rotineiramente, veio visitar os seres humanos. Mas os seres humanos, sabendo que Deus vinha vindo, se esconderam. Eles haviam pecado, estavam envergonhados, e se esconderam do seu amigo.
Foi aí que Deus, chegando ao lugar dos encontros diários, não achando os homens, gritou: “Homem, onde você está!?” (está lá em Gênesis 3:9, depois leia o contexto completo).
É lógico que Deus sabia onde o homem estava. Ele é Deus, oras… Onisciente, como dizem por aí. Então por que Ele se deu o trabalho de chamar pelo homem?
Simplesmente porque Deus é um Deus que sente saudades. Naquele momento da história o coração de Deus se apequenou, Deus se deprimiu, ficou pequeno, apertado. Seu melhor amigo, seu grande querido, alvo de seu amor, estava longe. Longe como quando um barco desaparece no horizonte. Longe como quando apalpamos nosso lado e não há ninguém ali.
Saudade é o privilégio de quem ama. Pois o amor distante é a saudade do amante. Sempre.
O mais interessante é que nós escolhemos amar. Amamos porque queremos e a culpa é nossa! Então você pode juntar as coisas e me perguntar: “Se você escolhe amar, está longe de que ama, acorda pra vida! Quem não te ama não te merece!”
Então eu olho para Deus e penso: eu amo, e o que acontece depois de amar pode até exigir sacrifícios, que nunca serão maiores que o amor.
Pelo menos enquanto houver amor, pois o amor nunca morre só, ele sempre leva consigo a saudade.

 

CARLOS MAGALHÃES