VIVENDO PELO ESPÍRITO
Lucas 2.25b, 26, 27a
(Da série O cântico de Simeão, 3)
Pregado na IB Itacuruçá, ao longo de dezembro
1. INTRODUÇÃO
O texto bíblico nos informa que o Espírito Santo estava sobre Simeão, que o Espírito Santo lhe revelou que veria pessoalmente o Messias e que o mesmo Espírito o moveu a ir à Igreja conhecer este Messias.
Simeão era, portanto, um homem sobre quem podemos dizer que vivia pelo Espírito Santo. Se queremos viver do mesmo modo, o Espírito precisa estar sobre nós, precisamos ser orientados pelo Espírito sobre nossas ações e decisões e devemos ser conduzidos pelo Espírito em situações especificas.
2. QUEM TEM MEDO DO ESPÍRITO SANTO?
Por que muitos não vivem(os) pelo Espírito Santo?
Eu só vejo uma razão: medo.
Preferimos apenas brincar que vivemos pelo Espírito porque temos medo de viver efetivamente por Ele. O Espírito quer nos conduzir, mas não diz previamente para onde. Quando o Espírito de Deus convidou Abraão a sair da sua terra, só disse que era para uma nova terra que Ele ainda lhe mostraria (Gênesis 12.1). A maioria de nós prefere ficar em Harã, para nunca chegar a Canaã.
Viver pelo Espírito é perigoso, como o demonstram algumas passagens bíblicas.
1. O primeiro texto selecionado é o da tentação de Jesus. Então, Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo Diabo (Mateus 4.1).
Em lugar de uma vida tranqüila, viver pelo Espírito pode significar vida no deserto (em todos os sentidos, menos no espiritual) e arremetidas do poder das trevas sobre nós. Viver no Espírito não é viver nas nuvens, como se estivéssemos acima do mal e das tentações; não é viver junto a águas cristalinas, porque o deserto faz parte da vida cristã.
A experiência de Simeão foi precisamente esta: ele foi levado ao templo. Não era um costume de todo sábado por sua parte. Talvez por sua idade, possivelmente avançada, não fosse regularmente ao templo. Quando o Espírito o moveu, ele se levantou e foi.
2. O segundo episódio é o da pregação de Filipe. Quando saíram da água, o Espírito do Senhor arrebatou a Filipe, e não o viu mais o eunuco, que jubiloso seguia o seu caminho (Atos 8.39).
Viver no Espírito é renunciar ao controle sobre a própria vida. O Espírito que o levou ao eunuco etíope foi o mesmo que o levou para outra tarefa. O Espiritro Santo que separou Paulo e Barnabé para a obra missionária foi o mesmo que lhes indicou o itinerário a ser percorrido. Viver no Espírito é dar glórias a Ele e fazermos o que bem entendemos. A vida no Espírito não significa que não tenhamos projetos, mas requer que submetamos nossos projetos a Ele. Há duas profissões cujos ofícios se assemelham a uma vida “arrebatada” pelo Espírito Santo. O motorista de táxi, quando pára seu veículo diante de nós, não sabe para onde vamos. Talvez ele gostasse de ir para perto do seu ponto, mas ele vai para onde nós pedirmos. A secretária (ou secretário) tem uma agenda própria de realizações, mas esta agenda fica em segundo plano quando seu chefe lhe pede outra tarefa, que até pode não ser importante, mas se torna importante a partir do momento em que foi demandada. É assim que devemos viver, se queremos viver pelo Espírito. Ele dá a direção; ele dita a agenda.
3. A terceira citação é ainda mais incômoda. [Paulo, Silas e Timóteo] atravessaram a região frígio-gálata, tendo sido impedidos pelo Espírito Santo de anunciar a palavra na Ásia; perto de Mísia, tentavam ir para a Bitínia, mas o Espírito de Jesus não o permitiu (Atos 16.6).
Imaginemos Paulo e seus ajudantes Silas e Timóteo em missão evangelizadora. Assentados em alguma casa, abriram sobre os joelhos o mapa da região e traçaram seu itinerário na direção oeste para alcançar a província da Ásia Menor. No entanto, o Espírito Santo não permitiu que fossem para lá, na direção, e eles tiveram que viajar na direção norte. Mais tarde, o mesmo Espírito o impeliu a ir para esta mesma região, agora proibida.
Quem de nós não reclamaria? Paulo, que vivia no Espírito, foi para onde o Espírito impeliu e não foi para onde o Espírito impediu.
Se viver é perigoso, como advertia Guimarães Rosa, viver pelo Espírito Santo parece ainda mais perigoso a muitas pessoas, mesmo a muitos cristãos, temerosos acerca das conseqüências de terem suas vidas conduzidas pelo Espírito de Deus. Boa parte de nós acha mais seguro e mais cômodo viver o Evangelho segundo nós mesmos…
3. NÓS PODEMOS VIVER PELO ESPÍRITO SANTO
A propósito de viver pelo Espírito, com todos os seus riscos, recebi o seguinte indagação:
Como foi dito, caminhar de acordo com o Espírito Santo não significa só facilidades, mas também problemas e dificuldades. Para tanto, é preciso ter muita coragem, ao deixar o conforto de uma situação que está indo tão bem, para abraçar um caminho de “incerteza”. A dúvida é: se as coisas estão indo bem, confortáveis e estáveis, não é esse também um sinal de Deus, uma resposta às nossas orações diárias para que ele providencie nosso conforto e nosso sustento?
Viver pelo Espírito Santo significa problemas e dificuldades. No entanto, como justificar a vida no Espírito, se as nossas vidas vão sem Ele? Ou melhor, como está na pergunta mencionada: o fato de irmos bem não indica que o Espírito Santo está conosco?
Ao final desta série, espero poder ajudar nesta resposta, que cada um de nós tem que formular.
Começo, então, por continuar perguntando: Não é melhor tocar as nossas vidas como temos tocado, mantendo uma certa distância dEle, invocando o poder do Espírito apenas quando dEle precisamos e decidindo segundo a orientação geral da Bíblia e conforme os desígnios de nossa razão?
Esta não é uma decisão fácil. Enquanto preparava este difícil sermão, difícil no plano teórico, difícil no plano prático, dificílimo no plano pessoal, dificílimo no plano coletivo, cheguei a me perguntar se não estava colocando os problemas em termos inadequados. O que é viver pelo Espírito? Eu pensava nos juniores alegres e saltitantes, pouco ligados nos projetos dos seus pais para eles. Eu pensava nos adolescentes, com a vida saltando de seus poros mesmo não sabendo para onde. Eu pensava nos jovens, com seus círculos de amizades e suas dramáticas indagações sobre o futuro. Eu pensava nos adultos e em suas dolorosas batalhas pela sobrevivência de sua família, num mundo com regras nem sempre éticas. Eu pensava nos idosos, com seus corpos se envergando sob o peso das memórias, gratas e amargas.
3.1. Os exemplos da Bíblia
Cheguei, então, a pensar que viver pelo Espírito é coisa para gente da idade de Simeão. A Bíblia não informa a sua idade quando pegou Jesus no colo. Pela oração que fez (podes despedir o teu servo em paz), devia ter sido alguém idoso. Ele tinha tempo e calma e sabedoria para que o Espírito repousasse sobre ele. Ele tinha tempo e calma e sabedoria para esperar que Deus lhe revelasse o que deveria fazer.
Imediatamente comparei este calmo Simeão de Jerusalém com o extremado Simeão o Estilita de Antioquia. (388-459). Para fugir do mundo e viver pelo Espírito, ele entrou para um mosteiro aos 16 anos. Insatisfeito, construiu para si mesmo uma coluna, com uma plataforma no topo, e ali viveu durante 36 anos. Muitos têm fugido do Espírito Santo, pensando que Ele os inspirará a se comportar bizarramente como o Simeão de Antioquia. Muitos têm se esquecido que podem viver pelo Espírito, como Simeão de Jerusalém viveu, e ser feliz, como Simeão de Jerusalém era.
Para fugir dos extremos, tão encontradiços na história, percorri a Bíblia e notei que o perfil de Simeão de Jerusalém não é único. Outras pessoas viveram, como ele, pelo Espírito. Entre elas, recordemos José, que tinha o espírito de Deus (Gênesis 41.38). Tenhamos em mente Josué, que ficou cheio do espírito de sabedoria depois de receber a imposição de mãos por Moisés (Deuteronômio 34.9). As vitórias de Calebe se tornaram viáveis depois que veio sobre ele o Espírito do Senhor (Juízes 3.10). Gideão pôde cumprir a sua missão porque o Espírito do Senhor se apoderou dele (Juízes 6.34). Ezequiel era um profeta que se deixava levar pelos vales da vida pelo Espírito do Senhor (Ezequiel 37.1). Estêvão era um homem por meio de quem Espírito Santo falava (Atos 6.10) e a cuja vida dava sentido mesmo na hora da morte (Atos 7.55). Barnabé, porque era homem de bem e cheio do Espírito Santo e de fé, via a graça de Deus (e não apenas a desgraça do mundo) e podia exortar a todos a perseverarem no Senhor com firmeza de coração (Atos 11.22-24).
Os exemplos estão em profusão na Palavra de Deus. No entanto, muitos cristãos têm feito como o povo de Israel, no século oitavo antes de Cristo: têm restringido o Espírito do Senhor (Miquéias 2.7). Pior que isto: a experiência de muitos cristãos tem sido a de Saul, de quem o Espírito Santo se retirou (1Samuel 16.14). Há muitos cristãos (serão ainda cristãos?) que, a despeito da advertência de Paulo, extinguiram (apagaram) o Espírito Santo em suas vidas (1Tessalonicenses 5.19).
3.2. Desfazendo alguns equívocos
Podemos viver pelo Espírito Santo em nossos dias que consideramos atribulados? A resposta, que perpassa por toda a Bíblia, é: sim, podemos.
Não seriam estas frases bíblicas apenas expressões poéticas de grande efeito? A resposta, que invade cristalinamente a Bíblia, é: não, o poder do Espírito Santo é real, tão real como foi com as personagens bíblicas e tão real para todos quantos o quisermos, não como algo mágico, mas como algo visceral em nossas vidas.
Esta visceralidade exige que desfaçamos alguns equívocos, para que afirmemos o que não é viver pelo Espírito.
1. Viver pelo Espírito Santo não é dominar um conjunto de palavras que se aprenda e se use em determinados contextos. Vida no Espírito não é uma questão de palavras, especialmente porque o ser humano tem uma enorme competência para falar uma coisa e ser outra. Nossas palavras traduzem nossa crença, mas nossa crença não se resume a palavras.
2. Viver pelo Espírito Santo não é professar um conjunto de doutrinas acerca da terceira pessoa da Trindade. Os pentecostais, por exemplo, ensinam que o Espírito Santo se manifesta de forma especial em algum momento após o batismo nas águas, numa espécie de batismo de fogo (ou no Espírito Santo). Nós, batistas, ensinamos que o recebimento do Espírito Santo se dá com a conversão e que a plenitude do Espírito Santo faz parte do processo de santificação, de tal modo que hoje devemos estar mais cheios do Espírito que ontem, num processo sem fim. Esta é a incômoda dinâmica do Espírito. Por isto, garanto que não existe uma diferença substancial entre um pentecostal (pentecostal tradicional, neopentecostal, carismático moderado, carismático extremado) e um batista. Nenhuma mesma. Não é a nossa crença na doutrina acerca do Espírito Santo que nos dá poder; a plenitude do Espírito vem para aqueles que a desejam, alegram-se com ela e buscam viver controlados por Ele.
3. Viver pelo Espírito Santo não é cultivar um certo estilo litúrgico, como pensam alguns. Podemos cultuar de modo buliçoso, com palmas e “aleluias” e “glórias” e louvores elevados sem que por nós se movimente o Espírito Santo. Podemos cultuar também de modo calmo, sossegado e com bom gosto artístico e mesmo assim ali não estar o Espírito de Deus. O estilo de culto é uma questão de gosto particular e cultural. Não há estilo mais cheio e menos cheio do Espírito; os adoradores é que são movidos pelo Espírito Santo, e onde ele estiver haverá liberdade, nunca imposição de um estilo ou outro de culto. O Senhor é o Espírito; e onde está o Espírito do Senhor aí há liberdade (2Coríntios 3.17). O Espírito Santo não se deixa aprisionar num estilo de culto, por mais que isto nos seja confortável.
4. Viver pelo Espírito Santo não é optar pela contemplação, o estilo preferido da maioria dos monges, que se isolam da sociedade para se dedicar disciplinada e asceticamente à oração, à meditação e à jornada interior, como forma de fruição da presença de Deus. A vida no Espírito é a vida de Marta, que corria de um lado para o outro a fim de servir a Jesus, mas também a vida de Maria, que serviu ao Senhor ficando quieta diante dEle (Lucas 10.38-42). O exemplo de Thomas Merton (1915-1968) deve ser recordado. Esse monge trapista norte-americano passava, nos anos 50 e 60, seis meses totalmente recolhido em sua cela, sem contato com o mundo exterior, seguidos de seis meses em viagem de conhecimento do mundo e de intervenção sobre este mundo. A conclusão é simples: contemplação sem ação pode dar a impressão de espiritualidade, mas é insuficiente, e ação sem contemplação pode trazer a ilusão da mudança e não mais que isto: ilusão.
Queremos nós correr os riscos? Queremos nós viver mesmo pelo Espírito Santo?
4. DIMENSÕES DA VIDA NO ESPÍRITO
Simeão é um exemplo de vida no Espírito. O Espírito Santo repousava sobre ele. Por isto, recebia dEle orientação direta e era conduzido de um lado para outro por Ele. É assim que devemos viver também. Se somos guiados pelo Espírito de Deus, somos filhos de Deus. (Romanos 8.14)
A Bíblia emprega comumente três verbos para descrever a ação do Espírito Santo: repousar, descer e encher. Podemos pensá-los como sinônimos, mas também como uma gradação.
Esta visão nos permite integrar os três verbos e responder adequadamente às seguintes perguntas: o Espírito está sobre nós ou vive dentro de nós? Como Ele se relaciona com nossas emoções e com nossa razão? O que devemos buscar dEle?
4.1. Vivemos pelo Espírito quando Ele repousa sobre nós.
O Espírito Santo — informa-nos Lucas — estava sobre Simeão (Lucas 2.25b). Por isto, ele pôde ver o que viu.
Entre os textos bíblicos, há um que nos esclarece acerca desta ação do Espírito de estar/repousar sobre nós. Trata-se de Isaías 11 (versos 1 e 2), no contexto de uma promessa sobre o Messias e que se aplica a todos quantos O seguirem:
Eis que brotará um rebento do toco de Jessé, e das suas raízes um renovo frutificará. E repousará sobre ele o Espírito do Senhor, o espírito de sabedoria e de entendimento, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de conhecimento e de temor do Senhor.
Este texto nos garante que Deus nos capacita para viver segundo os Seus propósitos.
1. A primeira conseqüência deste repousar sobre nós é que, vendo o seu poder, somos convencidos de nossa nulidade no plano espiritual, uma vez que, por nosso pecado, merecemos a justiça e o juízo condenatórios (João 16.8-11). No entanto, por nós mesmos não somos capazes de perceber nosso estado, se não pelo Espírito de Deus. A partir desta percepção, percepção que permite que sejamos salvos, podemos passar a viver pelo Espírito.
2. A segunda conseqüência deste repousar sobre nós o Espírito de Deus é a capacitação para a vida diária.
A promessa de Isaías 11 contém todos os ingredientes da receita da vida. O profeta descreve o conteúdo do Espírito do Senhor, que é a capacitação com sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, conhecimento e temor de Deus. É disso que precisamos para viver.
Precisamos de sabedoria de vida, que nos permita seguir na direção certa, discernindo o joio no trigal, estabelecendo prioridades.
Precisamos de entendimento na vida, essa capacidade que nos permite descer além da superfície, que é frívola, fútil e fatal, para alcançar o cerne (o centro, o sentido, o significado) das coisas, num processo constante de crescimento, porque o entendimento não é estático (parado, imoto).
Precisamos de conselho, de orientação, para trilharmos corretamente, no plano espiritual, no plano moral e no plano profissional, os nossos caminhos. Em todos os tempos, Aquele que procura orientar-se pela bússola de Deus é assolado por ventos fortes vindos de todas as direções e que levam para longo dos propósitos de Deus. Por isso, precisamos do Seu conselho, o Espírito Santo no-lo dá.
Precisamos de fortaleza, isto é, da força vinda de Deus. Precisamos ser como Sansão antes de conhecer Dalila. Deus nos reveste desta força, pois o Seu Espírito está ao nosso lado, como se fosse uma coluna onde podemos nos apoiar.
Precisamos do conhecimento e do temor de Deus. O melhor dos conhecimentos é o conhecimento do Santo (Pv 9.10), isto é, do Deus Altíssimo, radicalmente diferente de nós, não só pela soberania do Seu poder, mas pela generosidade do Seu amor. Este conhecimento não substitui o conhecimento natural (científico, técnico, profissional), mas o corrige e o dirige.
O Espírito Santo nos capacita, com sabedoria, entendimento, direção, força e conhecimento. Viver no Espírito é ter esta capacitação. Todos aqueles sobre quem o Espírito repousa são capacitados para a vida diária, nos afazeres normais e nos afazeres espirituais.
3. A terceira conseqüência do repousar do Espírito Santo sobre nós é sermos movidos por Ele. Foi o Espírito Santo — informa-nos ainda Lucas — que moveu Simeão a ir ao templo.
O Espírito Santo colocou no seu coração o desejo de adorar a Deus. E ele foi, diferentemente de alguns de nós que, diante de uma inspiração, não nos movemos! Ele encontrou Deus no templo porque o levou de casa.
Em cooperação com as nossas emoções e com a nossa razão, principalmente com a nossa razão, o Espírito nos inspira a uma vida santa, incomodando-nos diante do erro, do nosso erro, não do erro dos outros; incomodando-nos diante da passividade, da nossa passividade, não da passividade dos outros; incomodando-nos diante do comodismo, do nosso comodismo, não do comodismo dos outros; incomodando-nos diante da mediocridade, da nossa mediocridade, não a mediocridade dos outros.
Este incomodar do Espírito não tem nada de espetacular, conquanto seus resultados o sejam. Gosto de pensar no mover do Espírito como algo que se processo no plano natural. Não há incompatibilidade entre o Espírito Santo e a razão. Pelo contrário, a primeira ação do Espírito é racional, ao nos convencer do pecado, da justiça e do juízo. A segunda ação é no plano das emoções, quando decidimos aceitar este convencimento e dar nova direção — arrependimento — às nossas vidas.
Erramos em querer viver por nós, na carne, como diz o apóstolo Paulo. Acertamos quando buscamos viver pelo Espírito.
O Espírito Santo quer nos mover a uma vida digna, merecedora do adjetivo “cristã”.
4.2. Vivemos pelo Espírito Santo quando Ele desce sobre nós
O Espírito Santo também nos capacita para ações específicas, ungindo-nos para agir em situações específicas, não cotidianas, da vida. O verbo mais comumente utilizado para esta capacitação específica é descer, mas também ungir, enviar.
A Bíblia registra algumas destas capacitações. Uma delas está em Números 11.24-25:
Saiu, pois, Moisés, e relatou ao povo as palavras do Senhor; e [Moisés] ajuntou 70 homens dentre os anciãos do povo e os colocou ao redor da tenda. Então o Senhor desceu na nuvem e lhe falou; e, tirando do espírito que estava sobre ele (Moisés), pô-lo sobre aqueles 70 anciãos; e aconteceu que, quando o espírito repousou sobre eles, [eles] profetizaram, mas depois nunca mais o fizeram.
Há uma evidente diferença entre Moisés e seus auxiliares. O comandante do Êxodo tinha o Espírito Santo repousando cotidianamente sobre ele. Por isso, conversava face a face com o Criador. Por isso, ele profetizava (saindo de sua boca o som majestoso proveniente do “aparelho fonador” de Deus).
Com os auxiliares de Moisés, a experiência do Espírito Santo foi extraordinária, mas momentânea. A capacitação começou quando o Espírito de Deus desceu na nuvem, transferiu o poder que estava sobre Moisés e o fez recair sobre os 70 auxiliares, capacitando-os para uma atuação específica. Depois, nunca mais falaram as palavras da boca de Deus. Talvez nunca mais tenha buscado o poder do Espírito Santo. Como não procuraram, não encontraram.
Outra referência aparece em Isaias 61 (verso 1) e em Lucas 4 (versos 18).
O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para pregar boas-novas aos mansos; enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos e a abertura de prisão aos presos. (Isaías 61.1)
A unção do Espírito sobre nós não é para nos trazer tranqüilidade, mas para nos impor uma missão. Se você quer que o Espírito repousa sobre você, mas não quer obedecê-lo, esqueça-O. Certo do preço que pagaria, Jesus se deixou ungir pelo Espírito do Senhor, não para ter poder espiritual — que é o que equivocadamente muitos buscam, mas para permitir que por dEle o propósito divino de boas-novas aos mansos; restaurar os contritos de coração e proclamar liberdade aos cativos (Isaías 61.1; Lucas 4.18). Esta é a missão, guardadas as devidas proporções, de todo aquele sobre quem o Espírito vem.
Que a experiência de cada um de nós não seja como a dos auxiliares de Moisés: única, exclusiva, demarcada no tempo e no espaço. Precisamos do Espírito Santo sobre nós permanentemente. Quando o Espírito nos capacitar para algo específico, aceitemos, segundo o modelo de Jesus.
Vivamos, pois, pelo Espírito Santo, permitindo que Ele nos capacite.
4.3. Vivemos pelo Espírito Santo quando ficamos plenos dEle.
O terceiro verbo para descrever a ação do Espírito na vida do cristão é encher. Todos os cristãos têm o Espírito Santo repousando sobre eles; muitos recebem unção especial dele para uma missão específica, e o convite é que todos sejam cheios do Espírito Santo.
4.3.1. Nós podemos ser cheios do Espírito Santo de Deus
O livro de Atos — a quem poderíamos chamar até de Evangelho do Espírito Santo — narra situações que evidenciam que ser cheio do Espírito Santo é, ao mesmo tempo, um ato e um processo.
1. Em situações específicas, o Espírito Santo soprou no interior das pessoas, enchendo-as do vento de Deus. A propósito, a Bíblia mostra a Trindade divina se apresentando como pessoa, como voz e como vento. Podemos, assim, pensar os nossos corpos como balões e o Espírito Santo como o vento que os enche.
Lucas narra que, no início da Igreja, os cristãos reunidos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem. (Atos 2.4) Num outro momento, tendo os crentes orado, tremeu o lugar em que estavam reunidos; e todos foram cheios do Espírito Santo e anunciavam com intrepidez a palavra de Deus. (Atos 4.31)
O mesmo autor descreve alguns dos primeiros cristãos como cheios do Espírito Santo. Pedro (Atos 4.8) e Paulo (Atos 13.9 ) são dois deles. Os primeiros sete líderes-auxiliares eram cristãos cheios do mesmo Espírito (Atos 6.3), mas, entre eles, Estêvão é destacado como tendo, na hora final de sua vida, chegado a ver a glória de Deus e Jesus em pé à direita do Pai. (Atos 7.55). Barnabé eram também homem de bem e cheio do Espírito Santo e de fé. (Atos 11.24)
A experiência de Saulo é emblemática. Ananias (que não era o marido de Safira…) lhe impôs as mãos para que voltasse a ver e fosse cheio do Espírito Santos (Atos 9.17). A visão era para ser recobrada de imediato, mas o enchimento do Espírito Santo era para acontecer aos poucos.
2. O Novo Testamento, portanto, usa o termo cheio em dois sentidos: como um ato do Espírito Santo, o ato de soprar no interior do crente, e como um processo a que se submete o crente: de ser cheio. O soprar é específico e único, para um momento único e específico. O encher é um processo lento e necessariamente gradual.
O Espírito Santo age do modo que Ele julga mais próprio para cada um dos crentes. Não existe um padrão, porque os padrões são relativos e Deus é absoluto. Afinal, o Senhor é o Espírito; e onde está o Espírito do Senhor aí há liberdade. (2Coríntios 3.17)
Por isto, erram os pentecostais quando dizem que todo o cristão precisa passar por dois momentos na sua vida: o do batismo com água e o do batismo no Espírito Santo, sendo o primeiro para a bênção do arrependimento, e o segundo para a bênção do poder do Espírito. Eram também os evangélicos tradicionais quando transformam essas experiências como sendo obrigatoriamente uma única experiência.
Ambas as doutrinas fazem mal aos seguidores. Os pentecostais tendem a buscar a segunda bênção a qualquer preço, exigindo que Deus aja de um determinado modo e tendo pouca ênfase ao processo de ir sendo abençoado com a plenitude do Espírito Santo. Os tradicionais tendem a ignorar a dinâmica do Espírito, que age como melhor entende.
Todo cristão tem o Espírito Santo morando no templo da sua vida. O que varia é a quantidade deste Espírito, que dá a qualidade desta vida. Por isto, há crentes bola-murcha e crentes bola-sempre-sendo cheia. Há crentes que recebera a dose do vento divino quando se converteram e nunca mais foram buscar este vento na máquina de Deus. Alguns ficaram com aquela dose e parecem satisfeitos com ela. Outros chegaram até a permitir que o ar saísse, parcial ou totalmente, razão por que Paulo pede que não apaguemos o Espírito Santo. (1Tesalonicenses 5.19) e lamenta que alguns que começaram pelo Espírito parecem que permitirão insensatamente que a carne os domine. (Gálatas 3.3)
O que todo cristão deve buscar é a plenitude do Espírito, plenitude que jamais virá, como a perfeição modelada em Jesus Cristo que também almejamos. Nenhum cristão pode estar feliz sendo um bola-murcha do Espírito. Sua bola deve estar sempre com a entrada conectada à fonte do ar, para estar cada vez mais cheia. (E não nos preocupemos: o Espírito nunca põe mais ar que nossas bolas possam conter).
4.3.2. Nós podemos ter motivação para viver
Ser cheio do Espírito Santo é, na verdade, estar entusiasmado, palavra que quer dizer, precisamente, estar pleno de Deus, permitindo que Ele tome conta de nossas vidas. A melhor tradução para esta palavra é alegria. Viver pelo Espírito Santo é ter motivação para viver, adorar e servir.
Esta alegria não significa fuga diante das dificuldades, mas resulta de uma perspectiva ditada pelo encontro com o Espírito Santo. É este entusiasmo que nos permite ver além dos problemas, na certeza que a tribulação produz a perseverança, e a perseverança a experiência, e a experiência a esperança; e a esperança não desaponta, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. (Romanos 5.3-5)
O Espírito Santo, que nos foi dado, nos sustenta, como um advogado num tribunal, como Aquele que nos apóia, como Aquele que nos ajuda a ficar de pé. É por este relacionamento que cada um de nós ousa dizer: Posso todos as coisas nAquele que me fortalece (Filipenses 4.13).
É assim que refletimos da glória de Deus. Todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor.
(2Coríntios 3.18)
4.3.3. Nós precisamos estar disponíveis para Deus.
Quando estamos disponíveis para Deus, podemos ser movidos por Ele. Quando estamos disponíveis, entendemos que o resultado do revestimento do poder do Espírito Santo não é pessoal, de nós sobre as coisas e sobre as pessoas, mas dEle sobre nós. Ter o Poder do Espírito é ser controlado por Ele, não controlá-LO.
Esta disponibilidade inclui a obediência aos mandamentos de Deus. Quem guarda os seus mandamentos, em Deus permanece e Deus nele. E nisto conhecemos que ele permanece em nós: pelo Espírito que nos tem dado.
(1João 3.24)
Estes mandamentos incluem lutar pela justiça, com coragem. Numa de suas profecias, Miquéias sintetiza o sentido da vida disponível para a Deus, ao se declarar cheio do poder do Espírito do Senhor, assim como de justiça e de coragem, para declarar a Jacó a sua transgressão e a Israel o seu pecado. (Miquéias 3.8 ) Se os cristãos não condenarem a injustiça no mundo, quem o fará? Ser cheio do Espírito não é ser alienado; antes, inclui o engajamento, se este for em obediência ao Senhor e Ele — garante-nos sua Palavra — tem especial interesse na causa da justiça..
4.3.4. Nós devemos desejar que o Espírito molde nosso caráter e controle nosso temperamento.
Chegamos, então, a um território minado. No entanto, a plenitude do Espírito Santo não é algo meramente retórico e litúrgico, marcando-se por palavras e formas de culto. Antes, ela tem conseqüências práticas visíveis e perceptíveis, às quais o apóstolo Paulo chama de fruto do Espírito, assim mesmo no singular (e dele nos ocuparemos).
Este controle precisa alcançar duas áreas problemáticas para a maioria de nós: nosso caráter e nosso temperamento. O autor deles é pugnar contra o Espírito. (Gálatas 5.17).
Para longe de conceituações, estou tomando estas duas palavras num sentido bem especifico.
Estou chamando de caráter o conjunto de nossas características individuais, tanto aquelas aprovadas pela Palavra de Deus, quanto aquelas reprovadas. As aprovadas, como o amor, a paz, a longanimidade, a benignidade, a bondade, a fidelidade e a mansidão, devemos cultivar como um dom mesmo do Espírito. As reprovadas, como a prostituição, a impureza, a lascívia, a idolatria, a feitiçaria, as inimizades, os ciúmes, as invejas, as bebedices e as orgias (Gálatas 5.19-21), devemos manter sob controle e não dar vazão a elas.
O Espírito Santo quer moldar nosso caráter. A vida cristã não termina com a conversão; apenas começa. Nós nos tornamos efetivamente cristãos quando submetemos as nossas características individuais ao Espírito Santo. Essas características são muito fortes em nós; algumas são mesmo genéticas e outras são culturais. No entanto, nenhuma delas pode nos dominar. Talvez jamais mudemos algumas de nossas características, mas podemos, pelo poder do Espírito Santo, controlá-las, enjaulando-as e impedindo que sirvam de impedimento a ação do Espírito Santo.
Ele quer controlar nosso temperamente, esse conjunto de emoções, tanto aquelas que devemos dar lugar em nossas vidas quanto aquelas que não devemos. Por vezes, justificamos certas ações nossas em função de nossas dificuldades em controlar nossas emoções. Quantas vezes somos levados por iras, facções, dissensões e partidos? (Gálatas 5.20) Por isto, que adianta dizer ter o Espírito Santo e viver mordendo e devorando uns aos outros? pergunta o apóstolo Paulo (Gálatas 5.15) O fruto do Espírito, na área das emoções, é alegria e domínio próprio.
O controle sobre nossas emoções e o modelar de nosso caráter pelo Espírito são uma ação progressiva do Espírito em cooperação com a nossa vontade. Nessas áreas também nossa mente deve ser a mesma: ter a carne submetida ao Espírito Santo.
CONCLUSÃO
Se queremos as bênçãos da presença do Espírito Santo, disponhamo-nos a ser controlados por Ele. Disponhamo-nos porque vale a pena.
Esta é a nossa escolha: viver pela carne ou viver pelo Espírito Santo. Que a nossa escolha seja aquela que a Bíblia recomenda. Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito. (Gálatas 5.25)
Termino com a bênção do apóstolo Paulo aos Romanos:
Ora, o Deus de esperança vos encha de todo a alegria e paz na vossa fé, para que transbordeis na esperança pelo poder do Espírito Santo. (Romanos 15.13)