A Oração que deus não ouve
Jesus afirmou que há um tipo de oração que Deus não ouve. E não é por causa do seu conteúdo, mas por causa da pessoa que ora. Aliás, a aceitação por Deus de qualquer oração está sempre relacionada com o indivíduo que a faz. No caso a que nos referimos, a declaração de Jesus encontra-se em Mateus 6:5-15, onde ele ensina um modelo de oração.
Neste modelo, estão os objetivos imprescindíveis da oração do cristão: adoração (“santificado seja o teu nome”), submissão (“seja feita a tua vontade”), dependência (“dá-nos o pão”), arrependimento e confissão (“perdoa-nos as nossas dívidas”), santificação (“livra-nos do mal”) e glorificação (“teu é o reino, e o poder, e a glória para sempre”).
Entretanto, o item “arrependimento e confissão” é o único que tem uma cláusula condicional: “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também temos perdoado aos nossos devedores” (V. 12), a qual Jesus comenta no final da passagem (V. 14 e 15), a fim de deixar bem claro que esta é uma condição obrigatória para que a oração seja atendida. Ele é categórico: se não perdoarmos não seremos perdoados.
Entendemos que, não somente este item, mas toda a oração fica prejudicada, se não cumprida esta cláusula, pois Deus não pode aceitar a adoração, a submissão, a glorificação e a súplica por sustento e santificação, de um coração que não é capaz de perdoar. Esse não é um coração transformado pelo perdão do Deus que entregou o seu próprio Filho como propiciação pelos seus pecados.
Entretanto, é importante esclarecer que Jesus não está ensinando aqui que o perdão ao semelhante é uma “obra” que o homem faz para obter a salvação. Este modelo de oração é para os crentes. Antes de ser salvo o homem está sob a ira de Deus, mas depois de ser salvo, está sob a sua graça, que é favor imerecido. E nessa nova situação o ato de perdoar o semelhante é uma coisa perfeitamente natural e esperada. A graça produz graça. Portanto, se quer ver sua oração atendida, perdoe.
Isto nos faz lembrar uma história que Jesus contou: a do filho pródigo, na qual o pai faz uma festa para comemorar a volta do filho perdido, mas o irmão mais velho não tem a mesma disposição para perdoar. Ele não entendia o que é o perdão, porque achava que nunca tinha feito nada de que precisasse ser perdoado. Será que você também é assim?
Jesus disse aos fariseus insensíveis que o criticaram por relacionar-se com pessoas sem religião e de vida moral duvidosa que não tinha vindo chamar justos ao arrependimento, mas sim pecadores (Lucas 5:27-32). Em outras palavras, Jesus respondeu-lhes que eles não entendiam nada de misericórdia, porque não se achavam pecadores e, portanto, não tinham necessidade de misericórdia e perdão (Mateus 9:13).
Há também certas pessoas que entendem que perdão é algo que os outros precisam, não elas. Talvez tenha sido com esta idéia que Pedro perguntou a Jesus: “Até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe hei de perdoar? Até sete?” (Mateus 18:21). É interessante que ele pensou estar sendo até bem generoso, porque os mestres do judaísmo ensinavam que se devia perdoar ao irmão, no máximo, três vezes (e ao inimigo, nunca).
A verdade é que só pode saber verdadeiramente o que é perdão, quem já foi perdoado. Ou melhor, quem reconheceu o erro, arrependeu-se, confessou-o e recebeu o perdão, sentindo alegria de ser libertado da culpa. Sim, porque o perdão pode não libertar da conseqüência do pecado, mas nos liberta da culpa, e nos reconcilia com a pessoa que nos perdoou. Por essa razão foi que Jesus disse que aquele a quem muito se perdoa, muito ama (Lucas 7:47).
Todos nós deveríamos saber o que é o perdão, pois todos somos pecadores e precisamos do perdão (Romanos 3:23), e todos deveríamos buscá-lo, pela fé, em Jesus. A pregação de Jesus culmina no perdão que ele trouxe. O perdão dos pecados é a essência da sua missão (Mc. 2:1,2) e inclui o cancelamento da dívida do pecado e a aceitação do pecador, a quem se dá uma vida nova, que é eterna. Segundo a Palavra de Deus, somente com base nesse perdão é que uma pessoa é aceita como membro da igreja, perdão esse que ali continuamente se pronuncia, porque há necessidade permanente dele.
O perdão se associa diretamente com a morte de Jesus, pois foi na cruz que ele, o “Cordeiro de Deus”, removeu o pecado do mundo. Ele refere-se ao seu sangue como “o sangue da aliança derramado para remissão de pecados” (Mt. 26:28). Por conseqüência, sem a ressurreição de Cristo também não há perdão de pecados (I Co. 15:17).
O arrependimento e a confissão de pecados não são “oferendas” que fazemos a Deus. Pelo contrário, são a aceitação, pelo próprio Deus, do seu veredicto pronunciado contra o “velho homem” e a condição de abertura do nosso coração diante da palavra de absolvição.
A própria disposição do homem para perdoar, com a qual a declaração divina do perdão é diretamente ligada à vida nova que foi outorgada, é o sinal natural e sempre renovado da gratidão do pecador perdoado. O cristão perdoa seu devedor, seu irmão e até o seu inimigo, como conseqüência do perdão da parte de Deus, em Cristo (Rm. 12:19s: Cl. 3:13).
A tarefa de proclamar o perdão que Cristo tornou possível é entregue à igreja, e é exercida por meio da pregação, da declaração pessoal de perdão aos indivíduos, do batismo e da Ceia do Senhor. Não se trata da mera referência a algo que se esgotou no passado, mas é sempre um novo ato de proclamação, vindo do próprio Cristo à situação concreta do presente. Portanto, o perdão é algo que se aplica às situações reais da igreja e da nossa vida todos os dias.
Proponho que, ao invés de nos preocuparmos em registrar as faltas que nossos irmãos cometeram contra nós, para que os perdoemos e assim exibamos nossa generosidade, façamos um esforço para verificar em que temos errado contra Deus e os outros, e do que precisamos ser perdoados. Dessa maneira aprenderemos de maneira direta e verdadeira o que significa o perdão que os outros esperam de nós, sendo capazes de praticá-lo de coração. Então poderemos ter certeza que Deus ouvirá a nossa oração.
Pr. Sylvio Macri