QUE RESPOSTA ESTAMOS DANDO?
[Mateus 16.13-20]
(13) Chegando Jesus à região de Cesaréia de Filipe, perguntou aos seus discípulos:
— Quem os outros dizem que o Filho do homem é?
(14) Eles responderam:
— Alguns dizem que é João Batista; outros, Elias; e, ainda outros, Jeremias ou um dos profetas [do passado que ressuscitou] (cf. Lucas 9.19).
(15) — E vocês? — perguntou ele. –Quem vocês dizem que eu sou?
(16) Simão Pedro respondeu:
— Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.
(17) Respondeu Jesus:
— Feliz é você, Simão, filho de Jonas! Porque isto não lhe foi revelado por carne ou sangue, mas por meu Pai que está nos céus. (18) E eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do Hades não poderão vencê-la. (19) Eu lhe darei as chaves do Reino dos céus; o que você ligar na terra terá sido ligado nos céus, e o que você desligar na terra terá sido desligado nos céus.
20 Então advertiu a seus discípulos que não contassem a ninguém que ele era o Cristo. (Mateus 16.13-20)
Temos afirmando que o significado das nossas vidas depende da resposta que damos à seguinte pergunta: Quem é Jesus? Como é sua vida? Sua vida depende de sua resposta a esta pergunta.
Ao longo da história tem havido diferentes respostas à pergunta.
Uma leitura do texto poderia indicar que Jesus era uma reencarnação de João Batista; Elias; Jeremias ou um dos profetas do Antigo Testamento (verso 14).
Esta hipótese nos coloca no coração da proposta da idéia de reencarnação, bastante difundida. Nós precisamos considerá-la, porque as respostas que os discípulos recolheram parecem pressupor a possibilidade da reencarnação.
Para os que crêem na reencarnação, Jesus foi o Espírito Superior da ordem mais elevada. Alguns, então, o consideram “o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo”. 1 . Jesus é apresentado como o maior exemplo de encarnações missionárias. 2 Uma pessoa, estudante universitária, teve acesso a uma mensagem que preguei em 2001. (“Encarnação: fundamento de uma esperança”. 3
Depois de lê-la recentemente (2008), essa pessoa gentil me escreveu para dizer: “Se Jesus Cristo chegou à terra como ser tão elevado que foi, ele também passou por todos os graus de evolução na qual um espírito é provado. E o único caminho para a evolução espiritual é a reencarnação”.
DOIS PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS
Religião é mesmo uma questão de opinião. No entanto, o diálogo, nos termos cristãos, é possível quando partimos de uma base comum: aceitamos que a Bíblia é a revelação de Deus. Isto quer dizer que nossas opiniões são secundárias porque apenas interpretam uma Fonte primária, que recebemos como a Palavra completa de Deus.
Este pressuposto deixa posto que a Bíblia não precisa de complemento do tipo “Jesus disse e fulano acrescentou” ou “Jesus disse, mas beltrano complementou”.
Afirmar que devemos ler a Bíblia como sendo a Palavra completa de Deus não é afirmar que nossas interpretações sejam infalíveis. São-nas e precisamos estar prontos para nos corrigir permanentemente. Por isto, precisamos ler a Bíblia com coragem e com inteligência; coragem para mudar de opinião e de atitude; inteligência, para não levar a Bíblia a dizer o que ela não diz. Nesta tarefa, somos socorridos por um princípio: a Bíblia se interpreta a si mesma.
ELIAS E JOÃO BATISTA
Com estes dois princípios em mente (a Bíblia é a nossa fonte para a vida e para a doutrina; a Bíblia não se contradiz e seus textos se iluminam mutuamente), podemos voltar à resposta dos discípulos a Jesus.
Comecemos por lembrar o grupo de tipos mencionados: João Batista, Elias, Jeremias ou um dos profetas. Todos foram profetas enviados por Deus perseguidos por suas mensagens. Podemos até perceber nesta lista o desejo popular que Jesus viesse liderar um movimento contra o poder estabelecido, como João Batista, Elias e Jeremias fizeram.
Vejamos os nomes enfileirados.
João Batista, filho de Isabel, parenta de Maria, mãe de Jesus (Lucas 1.36), acabara de ser decapitado (Mateus 14.10); logo, logicamente Jesus não poderia ser uma reencarnação de João Batista, nascido poucos meses antes dele (Lucas 1.57). Em síntese, a idéia da reencarnação, neste texto, fica complemente prejudicada. Se as respostas populares pressupusessem a reencarnação, mencionariam Elias, Jeremias ou outros profetas, nunca o contemporâneo João Batista.
Quanto a Jeremias, ele é mencionado duas vezes nos Evangelhos. Duas das profecias de seu livro são citadas, por se cumprirem ao tempo de Jesus Cristo. A primeira é para explicar a fuga da família de Jesus para o Egito (Mateus 2.17). A segunda é para entender a atitude de Judas, ao trair Jesus (Mateus 27.9).
O caso de Elias é mais complexo.
Comecemos por um equívoco. Quando clamou por Eli (um nome para o Senhor Deus, no Antigo Testamento), alguns ouvintes entenderam erroneamente que Jesus pedia por Elias, o profeta (Mateus 27.49; cf. Marcos 9.35).
Há outra menções a Elias, associadas a Jesus e que demandam um estudo.
Na experiência da transfiguração, Elias aparece conversando com Jesus, ao lado de Moisés (Mateus 17.3; cf. Marcos 9.4; Lucas 9.30). As aparições não são reais, no sentido de que Moisés e Elias voltaram a viver. Logo, a história não tem relação com a hipótese da reencarnação.
Onde a confusão pode se instalar é quando há uma associação entre Elias e João Batista, nunca entre Elias e Jesus. Fica claro pela leitura dos Evangelhos que há uma proximidade entre os ministérios dos dois.
Quando lhe foi anunciado o nascimento de seu filho João Batista, Zacarias ficou perturbado, até o anjo lhe dizer: “Ele será motivo de prazer e de alegria para você, e muitos se alegrarão por causa do nascimento dele, pois será grande aos olhos do Senhor. (…) Fará retornar muitos dentre o povo de Israel ao Senhor, o seu Deus. E irá adiante do Senhor, no espírito e no poder de Elias, para fazer voltar o coração dos pais a seus filhos e os desobedientes à sabedoria dos justos, para deixar um povo preparado para o Senhor” (Lucas 1.14-17).
João Batista é alguém que desenvolve seu ministério num estilo bem próximo de
Elias e com uma missão que se assemelha a Elias. Os estilos seriam próximos, porque viveram à margem da sociedade, com grande parte do tempo passada no deserto e se alimentando de um modo alternativo, combateram os governos vigentes e conclamaram seus povos ao arrependimento. Este é o sentido da expressão “no espírito e no poder de Elias”.
Jesus se refere a João Batista como Elias, quando recebeu os seus atônitos discípulos:
. “Desde os dias de João Batista até agora, o Reino dos céus é tomado à força, e os que usam de força se apoderam dele. Pois todos os Profetas e a Lei profetizaram até João. E se vocês quiserem aceitar, este é o Elias que havia de vir” (Mateus 11.12-14).
. Os discípulos perguntaram [a Jesus]: “Então, por que os mestres da lei dizem que é necessário que Elias venha primeiro?” Jesus respondeu: “De fato, Elias vem e restaurará todas as coisas. Mas eu lhes digo: Elias já veio, e eles não o reconheceram, mas fizeram com ele tudo o que quiseram. Da mesma forma o Filho do homem será maltratado por eles”. Então os discípulos entenderam que era de João Batista que ele tinha falado” (Mateus 17; cf. Marcos 4.9-11).
Jesus vê uma continuidade ministerial entre Elias, o grande profeta do Antigo Testamento, e João Batista, aquele que inaugurou o ritual do batismo no Novo Testamento.
Jesus diz: “Elias veio”. “Então os discípulos entenderam que era de João Batista que ele tinha falado”.
Jesus aplicava a profecia que aparece em Malaquias 4.5-6: “Vejam, eu enviarei a vocês o profeta Elias antes do grande e temível dia do Senhor. Ele fará com que os corações dos pais se voltem para seus filhos, e os corações dos filhos para seus pais; do contrário, eu virei e castigarei a terra com maldição”.
A linguagem de Jesus não é narrativa; é poética. Eis o que declara Jesus: Veio alguém no espírito de Elias, no sentido de que era alguém que fazia o que a profecia dizia que o precursor de Jesus faria.
O próprio João Batista negou ser uma reencarnação de Elias. Suas palavras são claras. “Perguntaram-lhe: “E então, quem é você? É Elias?” Ele disse: “Não sou”. “É o Profeta?” Ele respondeu: “Não”. Finalmente perguntaram: “Quem é você? Dê-nos uma resposta, para que a levemos àqueles que nos enviaram. Que diz você acerca de si próprio?” João respondeu com as palavras do profeta Isaías: “Eu sou a voz do que clama no deserto: ‘Façam um caminho reto para o Senhor’” (João 1.21-23). (Os defensores da reencarnação argumentam que João Batista não sabia de sua vida passada como Elias…)
REAFIRMANDO A RESSURREIÇÃO
Os contemporâneos de Jesus, exceto os saduceus, criam na ressurreição. Herodes, por exemplo, perguntou se João Batista tinha ressuscitado, quando viu Jesus ensinando e curando (Mateus 4.1-2: “Por aquele tempo Herodes, o tetrarca, ouviu os relatos a respeito de Jesus e disse aos que o serviam: “Este é João Batista; ele ressuscitou dos mortos! Por isso estão operando nele poderes miraculosos”).
Os apóstolos ensinaram a ressurreição. Entre os inúmeros textos, citemos dois: “Por seu poder, Deus ressuscitou o Senhor e também nos ressuscitará” (1Coríntios 6.14); “se os mortos não ressuscitam, nem mesmo Cristo ressuscitou” (1Coríntios 15.5). E a ressurreição de Jesus está no centro do Evangelho.
Jesus claramente ensina a ressurreição. Não há sequer uma situação em que Jesus ensine a reencarnação. Todos os que são aventados pelos que crêem nesta idéia não passam de interpretações que a própria Bíblia contradiz. Se aceitamos que a Bíblia é a Palavra de Deus, não temos como aceitar a idéia da reencarnação. Se não aceitamos, a crença é livre.
REPETINDO A GRAÇA
É tarefa equivocada derivar da Bíblia qualquer autorização para a crença na reencarnação, se a Bíblia é assumida como Palavra de Deus que se explica a si mesma. Os textos examinados mostraram a fragilidade desta hipótese à luz da Bíblia.
No entanto, a graça é o território que permite uma compreensão mais ampla da limitação do reencarnacionismo ou qualquer ideologia do mérito.
Os defensores da reencarnação entendem que tudo aquilo que uma pessoa faz irá lhe beneficiar ou prejudicar. Assim, por exemplo, uma pessoa que comete um homicídio poderá ser assassinada na outra vida. Tudo o que uma pessoa faz poderá “pesar a seu favor”, sendo-lhe “dado como mérito”. Essa lei também explica muitos sofrimentos “inexplicáveis”. Por exemplo, uma pessoa boa, caridosa, querida por todos, de repente sofre um acidente e passa amargar o resto de seus dias inutilizado. (…) Aquela pessoa boa e caridosa pode ter sido um cruel assassino numa outra vida e estaria resgatando assim sua dívida”. Segundo esta visão, existe “uma possível abreviação do carma: (…) a prática do bem e da caridade. 4 Em outras palavras, pecados não podem ser perdoados, porque devem ser punidos. Não há como conciliar reencarnação e graça.
Serve-se aqui uma seleção de frases retiradas de uma entrevista com o vocalista irlandês Bono, da Banda U2:
“É espantosa a idéia que o Deus que criou o universo pode estar buscando por companhia, por um relacionamento real com as pessoas, mas a coisa que me põe de joelhos é a diferença entre a Graça e o Carma.
No coração de todas as religiões está a idéia do Carma. Aquilo que você faz retorna a você: é o olho por olho, dente por dente. Ou, segundo as leis da Física, a toda ação corresponde outra ação igual ou contrária. Está claro para mim que o Carma é o verdadeiro coração do universo. Ao mesmo tempo, vem esta idéia chamada Graça, que derruba a bobagem de que a gente colhe aquilo que planta. A Graça desafia a razão e a lógica. O amor interrompe as conseqüências das ações, o que, em meu caso, é a verdadeira boa nova, já que tenho feito uma porção de bobagens.
Eu estaria em dificuldade se, ao fim, o Carme fossee meu juiz. Isto não desculpa meus erros, mas estou me agarrando à Graça. Estou me agarrando em que Jesus tomou meus pecados na Cruz, porque eu sei quem eu sou e espero não ter que depender de minha própria religiosidade.
Amo a idéia do Cordeiro Sacrificial. Amo a idéia que Deus diz: olha, seus cretinos, há conseqüências evidentes para o caminho que estão tomando, para o egoísmo, e há a morte como parte da sua natureza tão pecadora. Temos que enfrentar isto e não ficar vivendo uma vida boa. Certo? Há conseqüências para as ações. O centro da morte de Cristo é que Cristo tomou os pecados do mundo, de modo que o que nós fazemos não cai sobre nós e a nossa natureza pecaminosa não resulta na óbvia morte. Este é o ponto. Isto nos torna humildes. Não são boas obras que nos levam aos portões dos céus”. (Bono: Grace over Karma. Excertos do livro “Bono: In Conversation with Michka Assayas”) 5
A graça, que é uma teologia bíblica sólida, não nega a maldade humana; antes, atribui-lhe as desgraças da vida, sob várias formas. Aprendemos isto na Bíblia. “Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus” (Romanos 3.23-24) “O salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna emd Cristo Jesus, nosso Senhor” (Romanos 6.23).
Nosso pecado foi perdoado porque alguém foi punido em nosso lugar: Jesus Cristo, que era justo. Isto pode não ser lógico, mas é como Deus fez. Aprendemos isto na Bíblia. “Não há comparação entre a dádiva e a transgressão. Pois se muitos morreram por causa da transgressão de um só, muito mais a graça de Deus, isto é, a dádiva pela graça de um só homem, Jesus Cristo, transbordou para muitos! (…) Se pela transgressão de um só a morte reinou por meio dele, muito mais aqueles que recebem de Deus a imensa provisão da graça e a dádiva da justiça reinarão em vida por meio de um único homem, Jesus Cristo” (Romanos 5.15-17).
Não há como pensar nossa vida como uma planilha de débito e crédito. A coluna do débito sempre ganhará à de crédito, se formos honestos. Graça é liberdade. Não há motivo para se temer a próxima vida. Morreremos e ressuscitaremos. Se morrermos com Cristo, ressuscitaremos com Cristo, sem medo. Aprendemos isto na Bíblia. “Fomos sepultados com ele na morte por meio do batismo, a fim de que, assim como Cristo foi ressuscitado dos mortos mediante a glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova” (Romanos 6.2).
Para pôr fim à nossa culpa, sem fim, aprendemos na Bíblia que “era necessário que ele se tornasse semelhante a seus irmãos em todos os aspectos, para se tornar sumo sacerdote misericordioso e fiel com relação a Deus, e fazer propiciação [oferecimento] pelos pecados do povo” (Hebreus 2.17).
A salvação é um presente que precisamos desembrulhar, não uma condição a conquistar. Jesus conquistou nossa salvação ao morrer na cruz em nosso lugar. Aprendemos isto na Bíblia. “Foi assim que Deus manifestou o seu amor entre nós: enviou o seu Filho Unigênitoe ao mundo, para que pudéssemos viver por meio dele. Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho como propiciação [oferecimento] pelos nossos pecados” (1João 4.9-10).
ISRAEL BELO DE AZEVEDO