UM QUARTETO NO CÉU

(Segue uma ficção sobre a graça de Deus)

Abraão, Salomão, Pedro e Paulo se encontraram no céu. Resolveram fazer uma conferência teológica entre eles. No céu conferência teológica é proibida, mas pediram licença ao Pai porque queriam resolver umas pendências.
Salomão, tido como o mais sábio, estava amargo (e era por isto que são proibidas conferências no céu):
— Eu não mereço estar aqui. Quando papai morreu e recebi as chaves do palácio em Jerusalém, pedi a Deus sabedoria num encontro memorável e ele me deu, exagerando até. Dei shows de sabedoria em Israel, mas me mantive fiel. No entanto, meus amigos, os interesses políticos falaram mais alto e eu acabei gostando de adorar nos altos aos deuses das minhas mulheres. Confesso que o meu coração já não era puro diante de Deus. Assim mesmo ele confirmou minha vinda para cá. Sem eu merecer.
Abraão, com lágrimas nos olhos, recordou suas experiências.
— Bem, Salomão, você foi infiel no final. E eu? Menti muitas vezes, mas o pior foi abandonar Agar e expulsá-la, com o Ismael, lá de casa. Eu gostava do garoto e fui fraco diante de Sara. Deus e eu sempre estivemos juntos. Ele me lançou vários desafios. Sempre cri nele e para onde ele me mandava, mesmo que para lugares que não sabia, eu ia. Sempre fui um homem de fé, mas não precisava ser tão fraco e egoísta.
Pedro, não se aguentando dentro de si, confessou:
— É, mas nenhum de vocês traiu a Jesus. E eu o traí três vezes, negando que o seguisse. O medo me dominou. O medo sempre fez parte da minha vida. Nem sobre as águas consegui andar porque o medo me dominou. Sempre estive ao lado de Jesus. Pouco antes de ele vir para cá, pediu para apascentar a igreja que estava para surgir. Acho que fiz direitinho, mas demorei a entender que o Evangelho é para todos, não apenas para judeus. Fui mais de falar do que de ouvir. Se eu fosse Deus, seria mais duro comigo mesmo.
Paulo, então, entra na conversa:
— O mais miserável de todos vocês sou eu mesmo. Cheio de mim mesmo e cego para o amor de Deus, persegui os cristãos. Não matei, mas quase. Quando mataram Estêvão, não evitei. Apesar de tudo isto, Jesus veio ao meu encontro quando eu o estava perseguindo. Ele pediu para que amássemos  os nossos inimigos e mostrou como, quando me encontrou indo para Damasco com a pior das intenções.
Abraão voltou a falar:
— Em meus encontros com Deus, fui aprendendo que não devia mentir, mas confiar nele. Deus não me trouxe para cá mentiroso. Ele foi me lapidando, para que a minha fé não fosse apenas de lábios. Vim para cá bem velhinho e eu tinha muito ainda a aprender, a não me desesperar nas horas difíceis, a resolver as coisas do meu jeito. Mas eu não vim para cá porque melhorei. Eu vim para cá porque cri e é isto que agrada a Deus. Mas foi muito bom ser lapidado. Deus gosta de pessoas que creem. Deus gosta de pessoas que se deixam santificar por ele.
Salomão mostrou seu maravilhamento:
— Não consigo compreender. Eu não mereço estar aqui. Por isto, só tenho a agradecer.
De repente, Pedro começou a chorar. Paulo se aproximou:
— Chorando por que, Pedro?
— Como não chorar de alegria, meu irmão? Jesus não me olhou como um pecador perdido no alto mar, mas como um pecador arrependido no fundo do seu coração.
E, um a um, todos começaram a chorar. (NOTA DO AUTOR — Desculpe o choro nesta ficção porque no céu não há choro, nem mesmo de alegria.)
Jesus, então, invisível até aquele momento, trouxe uma palavra de conforto:
— Eu sei que vocês choram de alegria, por só agora compreenderem o que é a graça de Deus. Ensinei e pratiquei a graça, mas nem todos conseguiram se livrar da ideia que deviam se esforçar para receberem a graça. O esforço foi todo nosso. A cruz doeu no céu.
Pedro o interrompe:
— Mestre, o senhor acha certo distribuir a graça, as pessoas receberam a graça, mas não viverem no seu compasso, sem compromisso?
— Pedro, graça é graça. Do alto da cruz, eu a lancei para quem quiser pegar. Quem pegar pegou, mesmo que não compreenda tudo, mesmo que não se ponha a fazer uma jornada comigo. Eu quero isto, mas muitos preferem ficar na superfície. Por isto, vivem de modo indigno do Evangelho e perdem o melhor, que é a minha amizade. Ha salvos que ainda não são meus amigos, mas eu espero por eles.
Ditas estas palavras, Jesus novamente se invisibilizou.
E Abraão, Salomão, Pedro e Paulo continuaram a chorar de alegria por causa da tão grande salvação que os tocou e transformou.
E Salomão fez uma última reflexão:
— Se eu pudesse voltar a viver na terra, receberia a salvação e oraria todos os dias para Deus me ajudar a ser totalmente fiel a ele, para ter um coração totalmente dedicado ao meu Senhor.
Depois, os quatro se deram as mãos e começaram a cantar, que é o que mais faziam lá na nova terra de Deus. Era uma canção que Moisés compôs no deserto:
— Ó Senhor Deus, Todo-Poderoso, meu Criador e Salvador,
como são grandes e maravilhosas as tuas obras todas!
Rei das nações, como são justos e verdadeiros os teus planos!
Todos vão querer anunciar a tua glória!
Pois só tu és santo!”