GRITE, QUE EU GRITO

M. chegou cedo ao trabalho, como sempre faz, sem faltar, exceto nos dias em que se recuperava de um ataque cardíaco leve, atendida num serviço público de saúde.
Pouco depois, o telefone tocou.
Seu trabalho, numa prestadora de serviços terceirizada, recebe todas as reclamações dirigidas ao órgão estatal que a contrata.
Do outro lado, era uma mulher furiosa.
— Alô.
Do outro lado, a mulher desferiu sem parar seus xingamentos, virgulados por palavrões impublicáveis.
M. ouviu um por um, sem conseguir interromper.
Quando a mulher se cansou, ela pôde falar.
— Senhora?
Silêncio.
— Senhora, vamos resolver o seu problema. De que a senhora precisa?
Sem resposta.
— Alô, senhora: pode me passar os seus dados, para eu ver como posso ajudar.
Nenhuma palavra.
Depois, a senhora, mais calma, expôs sua dificuldade.
M. ofereceu toda a orientação necessária para que o problema fosse resolvido.
Ao final, a senhora pediu desculpas.
— Não se preocupe, senhora.
Algum tempo depois, o telefone toca.
Era a mulher de novo, pedindo novas desculpas.
— A senhora não deve se preocupar. A senhora estava agitada com o problema. O importante é que conseguimos resolver, não é?
— Não, eu quero saber onde fica a empresa, que quero conhecê-la pessoalmente.
— Senhora, não é necessário. Não se preocupe.
Dias depois, no entanto, uma senhora a procurou. Disse o seu nome e acrescentou, mostrando sua gengiva desdentada:
— Eu sou aquela mulher que lhe falei ao telefone, gritando e falando palavrões. Quero pedir desculpas à senhora. O modo como a senhora reagiu me deixou envergonhada.
Ela agradeceu.
Eu lhe perguntei se o seu comportamento é padrão na empresa.
— Meus colegas acham que eu deveria fazer como eles fazem: gritando também ou desligando o telefone, porque não estão ali para receber grosserias. Acham que eu sou boba e que por isto passei mal do coração. Meu problema cardíaco não tem nada a ver com o meu trabalho. Eu não sofro por tratar as pessoas assim.
Comentei:
— As pessoas acham que elevando o tom, que gritando, que xingando, vão resolver os problemas. Até justificam que estão preservando sua própria saúde. Balela. O que acontece é que o outro lado faz o mesmo. Ficam todos gritando ao mesmo tempo, e ninguém ouve. E vamos ficando todos doentes. Depois pensei:
— É num ambiente deste que mostramos a diferença que dizemos existir pela presença do Espírito Santo em nós. É esta presença que faz com que o respeito ao outro seja algo "natural" em nós. É esta presença que acalma o nosso coração quando a língua do outro nos provoca. É esta presença que nos torna pacificadores no meio da guerra.

 

ISRAEL BELO DE AZEVEDO