3 (Parte 2)

Pedro estava estafado.
Enquanto descia, melhor, cambaleava, das escadas do átrio do templo para a rua, começou a se perguntar onde encontrara coragem para fazer o que fez.
Sentia que estava atendendo o pedido de Jesus ("Pedro, tome conta das minhas ovelhas") naquele dia, de olhos perdidos, na praia do lago de Tiberíades.
Agora, foi diferente, pensava.
Toda a cena se passava de novo na sua mente. Reunidos no lugar de sempre, ali no átrio descoberto do templo, veio de novo o sopro. Jesus já tinha soprado o Espírito Santo sobre eles, quando estavam reunidos no cenáculo, de portas fechadas, pouco depois da ressurreição. Agora, sete semanas depois, o mesmo sopro, vindo do invisível, mas era de  Jesus.
As lembranças fazem o coração de Pedro acelerar. Agora, junto com o  sopro, para Tomé não ter dúvida, vinham umas figuras estranhas, parecidas com colunas de fogo em movimento, que pousavam sobre todos. Devia ter umas 120 pessoas no culto. Ficamos em êxtase, admira-se Pedro, e começamos a cantar em nossas línguas. Eu, em aramaico. Todos falavam em aramaico, quer dizer, eu entendia como se fosse aramaico, mas as pessoas — eu conhecia todas elas — falavam diferentes línguas. Muitos começaram a chorar diante do êxtase.
As pessoas foram chegando. Umas ficavam encantadas com tudo o que viam e ouviam. Mas uns começaram a debochar. Quando alguém gritou: "olha o que o álcool faz!" — Pedro se lembra bem — não aguentei. Olhei para Tiago. Parado. Olhei para João. Calado. Olhei para Filipe. Ainda cantava. Os gritos de fora aumentaram. Fiquei em pé. Os outros 11 também se levantaram. Dei um passo à frente. Ninguém viu, mas minhas pernas tremeram. As palavras começaram a sair. Parece que eu tinha decorado todo o livro sagrado. Fui falando. Expliquei o que estava acontecendo.
No fim, Pedro disse que seus irmãos tinham executado o Messias e precisavam se arrepender. Em seguida, prometeu: quem se arrependesse, seria salvo, batizado e capacitado para viver cheio do Espírito Santo e totalmente fora dos padrões daquela geração perversa.
Quanto mais falava, mais gente se aproximava.
— Quem quiser ser salvo, dê um passo à frente.
Um, dois, dez, 20, 200. Perdi a conta, mas contaram 3.000 pessoas, que, uma a uma, foram se aproximando. Estavam felizes.
Tudo isto passava pela cabeça atordoada de Pedro, quando descia para a rua. Precisava descansar um pouco. Havia muito trabalho pela frente: muita gente a ser batizada no rio Sorek. 
Estava estafado, mas feliz.
Quando chegasse em casa, Pedro teria que contar tudo de novo. Seria bom. Sua família precisava saber, para não ter mais vergonha dele.

ISRAEL BELO DE AZEVEDO